Questãozinha comentada de hoje
(Juiz Federal TRF 5ª 2011) Ao julgar antecipadamente uma lide, o juiz apontou, deforma equivocada, a prescrição da pretensão do autor de obter do réu reparação por danos materiais e proferiu sentença de mérito sem ouvir testemunhas ou deliberar acerca de perícia requerida. Contra a sentença foi interposta apelação, conhecida e provida. Ainda que não ocorra, na hipótese, o chamado efeito desobstrutivo, o tribunal deve determinar o retorno dos autos ao primeiro grau, para a devida instrução.
GABARITO: CORRETA
Comentário: o art. 515, § 3º do CPC: Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.
Esse é o chamado efeito desobstrutivo, na lição de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha: "O julgamento de mérito diretamente pelo tribunal não é consequência do efeito devolutivo do recurso, até porque ele ocorre após o julgamento do recurso - é um outro efeito da apelação, já denominado efeito desobstrutivo do recurso" (Curso de Direito Processual Civil, 10ª Ed., Vol 3, Ed. JusPODIVM, p. 117/118).
Na hipótese narrada, o processo foi extinto com resolução de mérito (pronúncia da prescrição – art. 269, IV, CPC) o que, em princípio, autorizaria o tribunal a reformar a sentença diretamente, embora não em decorrência do efeito desobstrutivo. Ocorre, porém, que a assertiva não informa se a causa era exclusivamente de direito ou se estava em condições de imediato julgamento. Pelo contrário, consta que houve até pedido de produção de prova pericial e oitiva de testemunhas que não foi apreciado pelo juiz. Nessa hipótese, é descabida a aplicação do art. 515, § 3º do CPC e o tribunal deve determinar o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau para prosseguir na instrução, sob pena de supressão de instância e cerceamento de defesa
A par da resolução da questão, outro ponto importante para estudo é saber se há necessidade de pedido expresso recorrente para que o tribunal possa aplicar o art. 515, § 3º, do CPC. Há respeitável entendimento doutrinário no sentido de que o tribunal não poderia aplicar o referido dispositivo legal de ofício, mas somente a requerimento do recorrente. Nesse sentido, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha:
"Mesmo que esse julgamento não decorra diretamente do efeito devolutivo do recurso, é certo que o § 3º do art. 515 amplia o thema decidendum na instância recursal. Razões de ordem sistemática aconselham que se exija a formulação de requerimento do recorrente para a aplicação do dispositivo, tendo em vista que a delimitação "daquilo-que-tem-de-ser-decidido" pelo órgão jurisdicional é, no ordenamento brasileiro, matéria adstrita ao princípio dispositivo e, pois, à provocação da parte interessada" (Curso de Direito Processual Civil, 10ª Ed., Vol 3, Ed. JusPODIVM, p. 118).
Entretanto, a referida tese não vem sendo acolhida pelo STJ: "Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ainda que não exista pedido expresso da parte recorrente, afastada a extinção do processo sem exame do mérito, pode o Tribunal, de imediato, julgar o feito, caso a controvérsia se refira a questão de direito, tendo em vista a teoria da causa madura, com fulcro no art. 515, § 3º, do CPC" (AgRg no AREsp 93707 / SP, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, unânime, DJe 26/02/2013). Na mesma linha, admitindo a possibilidade de reformatio in pejus como decorrência lógica da tese:
"A reforma processual instituída pela Lei n.º 10.352/2001 passou a autorizar, expressamente, a apreciação do mérito da causa pelo órgão superior, nas hipóteses elencadas pelo artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil, verbis: "Art. 515. [...] § 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento." Dessa forma, não há violação do duplo grau de jurisdição nem indevida supressão de instância. 2. Também não há reformatio in pejus, pois "o julgamento de meritis que o tribunal fizer nessa oportunidade será o mesmo que faria se houvesse mandado o processo de volta ao primeiro grau, lá ele recebesse sentença, o autor apelasse contra esta e ele, tribunal, afinal voltasse a julgar o mérito. A novidade representada pelo § 3º do art. 515 do Código de Processo Civil nada mais é do que um atalho, legitimado pela aptidão a acelerar os resultados do processo e desejável sempre que isso for feito sem prejuízo a qualquer das partes; ela constituiu mais um lance da luta do legislador contra os males do tempo e representa a ruptura com um velho dogma, o do duplo grau de jurisdição, que por sua vez só se legitima quando for capaz de trazer benefícios, não demoras desnecessárias. Por outro lado, se agora as regras são essas e são conhecidas de todo operador do direito, o autor que apelar contra a sentença terminativa fá-lo-á com a consciência do risco que corre; não há infração à garantia constitucional do due process porque as regras do jogo são claras e isso é fator de segurança das partes, capaz de evitar surpresas" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 177/181)." (AgRg no Ag 867885 / MG, 4ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, unânime, DJe 22/10/2007)
Frise-se que o STJ faz uma interpretação mais ampla do art. 515, § 3º do CPC para abranger também questões de fato que não necessitem de produção de prova em audiência: "A regra do art. 515, § 3º, do CPC deve ser interpretada em consonância com a preconizada pelo art. 330, I, do CPC, razão pela qual, ainda que a questão seja de direito e de fato, não havendo necessidade de produzir prova (causa madura), poderá o Tribunal julgar desde logo a lide, no exame da apelação interposta contra a sentença que julgara extinto o processo sem resolução de mérito." (EREsp 874507 / SC, Corte Especial, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, unânime, DJe 01/07/2013).


Então, pro Diddier, para se aplicar o art. 515, p.3 deve haver expresso requerimento da parte ne? Tem um fundamento específico ou são apenas "razões de ordem sistêmica" mesmo?
ResponderExcluirEle entende que é matéria afeta ao princípio dispositivo (delimitação do que sobe para o tribunal decidir). E não parece estar errado, creio eu. Imagine que fulano tenha ingressado um uma ação formulando pedidos independentes "A" e "B". A demanda é extinta sem julgamento de mérito. Suponha que na apelação, fulano aborde somente o pedido "B" e nada diga quanto ao pedido "A". Ora, tratar-se-ia de um recurso parcial. Poderia o tribunal aplicar o efeito desobstrutivo para julgar improcedentes ou procedentes ambos os pedidos? Didier Jr. aí entende que haveria uma decisão judicial extra petita, ou seja, decidindo algo que não foi pedido pelo recorrente. A posição de Didier Jr. é muito importante pois é um dos juristas que está na linha de frente da produção do novo CPC, o qual provavelmente disporá a teoria da causa madura de modo diferente do atual.
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