Senhor Defensor,
Venho através da presente solicitar de V.Exª, a compreensão para saque do meu FGTS que encontra-se em uma Conta inativa na Caixa Econômica Federal. Eu não estou pedindo e não quero nada de ninguém, só o que é meu por direito, trabalhei muito e agora estou mais que necessitada dessa quantia para custear meu tratamento de saúde. Há 17 meses recebi o diagnóstico de nódulo na mama esquerda, daí em diante minha necessidade e angústia é muito grande, como também os custos para o tratamento. Ficarei muito agradecida pela atenção de V.Exª para meu pedido."
Cara assistida Fulana,
Primeiramente, registro que entrei em contato com a senhora e recusou minha sugestão de realizar a referida cirurgia pelo SUS, inclusive pela via judicial se necessário, uma vez que prefere ser acompanhada por médico particular de sua confiança, como aliás é seu direito.
Portanto, analiso a pretensão de saque do FGTS.
As hipóteses de saque do FGTS encontram-se previstas no art. 20 da Lei n. 8.036/90. É permitido o saque:
- Na demissão sem justa causa;
- No término do contrato por prazo determinado;
- Na rescisão do contrato por extinção total ou parcial da empresa;
- Na decretação de anulação do contrato de trabalho nas hipóteses previstas no art. 37 §2º , da Constituição Federal, ocorrida após 28/07/2001, quando, mantido o direito ao salário;
- Na rescisão do contrato por falecimento do empregador individual;
- Na rescisão do contrato por culpa recíproca ou força maior;
- Na aposentadoria;
- No caso de necessidade pessoal, urgente e grave, decorrente de desastre natural causado por chuvas ou inundações que tenham atingido a área de residência do trabalhador, quando a situação de emergência ou o estado de calamidade pública for assim reconhecido, por meio de portaria do Governo Federal;
- Na suspensão do Trabalho Avulso;
- No falecimento do trabalhador;
- Quando o titular da conta vinculada tiver idade igual ou superior a 70 anos;
- Quando o trabalhador ou seu dependente for portador do vírus HIV;
- Quando o trabalhador ou seu dependente for acometido de neoplasia maligna - câncer;
- Quando o trabalhador ou seu dependente estiver em estágio terminal, em razão de doença grave;
- Quando a conta permanecer sem depósito por 3 anos seguidos, cujo afastamento tenha ocorrido até 13/07/90;
- Quando o trabalhador permanecer por 03 anos seguidos fora do regime do FGTS, cujo afastamento tenha ocorrido a partir de 14/07/90, podendo o saque, neste caso, ser efetuado a partir do mês de aniversário do titular da conta;
- Para aquisição de moradia própria, liquidação ou amortização de dívida ou pagamento de parte das prestações de financiamento habitacional.
Os documentos médicos trazidos pela senhora apontam a existência de "achados mamográficos benignos". Em princípio, a hipótese não se encaixa entre as hipóteses de saque do FGTS, ao menos no momento (a lei fala em trabalhador acometido de neoplasia maligna).
Ainda que não se encaixe rigidamente, os tribunais têm entendido possível o saque do FGTS na hipótese de trabalhador acometido de doença grave - mesmo se a doença não constar do rol previsto em regulamento - desde que haja devida justificativa de urgência no tratamento. Para o Superior Tribunal de Justiça, cabe "Interpretação teleológica da Lei n. 8036/90: admitiu-se olevantamento dos valores de FGTS, nas hipóteses em que algum direito fundamental do fundiário estivesse comprometido, por exemplo: suspensão ou interrupção do contrato laboral (direito ao trabalho), acometimento de doença grave (direito à saúde) e mesmo a garantia do pagamento de prestações de financiamento habitacional (direito à moradia)" (REsp 1251566 / SC, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, unânime, DJe 14/06/2011).
De acordo com os documentos juntados nos autos, porém, não é esse o caso.
Evidentemente que esse quadro é dinâmico e eventualmente pode mudar, razão pela qual foi solicitado a senhora a juntada de documentos que demonstrem, de forma justificada, a urgência no procedimento cirúrgico, providência até então não cumprida.
Não se trata, como se vê, de má vontade da Defensoria Pública em bem atender o cidadão, mas sim de uma exigência legal que impossibilita a Defensoria de, por ora, acionar o Judiciário. Se o fizer, correrá o sério risco de perder a ação logo de início, o que certamente não é interessante nem para a parte assistida, nem para a Defensoria Pública.
Ademais, a experiência prática demonstra que aos olhos do assistido, quando a Defensoria Pública propõe a ação e tudo dá certo, o mérito recai sobre o juiz. Porém, quando não dá certo, a culpa é sempre do defensor, tido por incompetente, pois não soube explicar ao juiz o que o assistido queria.
Considerando que a Defensoria Pública da União tem o dever de orientar juridicamente os necessitados (art. 134 da CF), mas também do de não ajuizar ações manifestamente incabíveis (art. 17, V, CPC), ao menos por ora, considero juridicamente inviável a pretensão e determino o arquivamento do presente Processo de Assistência Jurídica - PAJ, ressalvada a possibilidade de desarquivamento a qualquer tempo, desde que trazidos pela assistida os documentos necessários ao ajuizamento da ação, conforme orientação jurídica aqui prestada.
Informa-se a assistida do direito de recorrer dessa decisão ao Defensor Público-Geral Federal. A simples manifestação de discordância da presente decisão será interpretada nesse sentido.
Brasília, 7 de agosto de 2014
Alexandre Mendes Lima de Oliveira
Defensor Público Federal
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