Teoria
geral do precedente judicial
Precedente: decisão
judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial
pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos
análogos (Didier).
O precedente é
composto de 2 partes: os fatos
que embasam a controvérsia e
a ratio decidendi (ou holding).
Esta última consiste nos fundamentos jurídicos que embasam a
decisão. A opção hermenêutica adotada a sentença, sem a qual a
decisão não teria sido proferida como foi. É a tese jurídica
acolhida para o caso concreto. É a essência da tese jurídica
suficiente para decidir o caso concreto (Rule
of law).
A ratio
decidendi é composta de: fatos
relevantes da causa (statement
of material facts); raciocínio
lógico-jurídico da decisão (legal
reasoning) e juízo decisório
(judgement).
Ao
decidir a demanda, o juiz cria duas
normas jurídicas: uma de caráter
geral (a ratio
decidendi) e outra de caráter
individual (decisão para a
sistuação específica sob análise).
Ex:
conceito de prova escrita para fins de ação monitória (art.
1102-A, CPC). É um conceito jurídico indeterminado. Quando o STJ
decidiu que cheque prescrito é considerado prova escrita para fins
de ação monitória (Súmula n. 299) e, também, o contrato de
abertura de conta corrente acompanhado de instrumento bancário
(Súmula n. 247), criou 2 normas
gerais. São duas ratio
decidendi. Elas se desprendem
do caso específico e podem ser aplicadas em outras situações
concretas que se assemelhem àquela que foi originalmente construída.
Somente
a norma de caráter individual,
lançada no dispositivo (improcedência ou improcedência da demanda,
fica acobertada pela coisa
julgada material.
Obter
dictum (obiter
dicta, no plural, ou só dictum)
são argumentos expostos de passagem na motivação da decisão e que
não são considerados relevantes para influir substancialmente na
decisão (prescindível para o deslinde da controvérsia). É uma
proposição ou regra de direito que, se retirada da decisão, não
influenciaria na conclusão (dispositivo).
Importante:
em julgamentos colegiados, o voto
vencido tem natureza jurídica
de obiter dictum e
é relevante para elaboração de embargos infringentes ou para uma
tentativa de superação do precedente (overruling).
A
ratio decidendi é que opera a vinculação do precedente e só só
pode considerar como ratio decidendi a opção hermenêutica que
tenha a aptidão para ser universalizada.
Importante:
num julgamento colegiado, se os julgadores chegam a uma mesma
decisão, porém todos com fundamentações distintas (concordam na
conclusão mas chegam a ela por caminhos diferentes, discordando
entre si nas suas fundamentações) tem-se entendido que falta ratio
decidendi discernível e, portanto, a corte é livre para decidir
caso posterior com base em outro parâmetro. O mesmo acontece quando
há verdadeira dificuldade em delimitar a ratio decidendi
(fundamentação insuficiente).
Como
regra, o órgão judicial não
precisa indicar, expressamente, qual
é a ratio decidendi.Exceção:
decisão que julga incidente de
uniformização de jurisprudência (arts.
476-479 do CPC),incidente de
decretação de inconstitucionalidade (arts.
480-482 do CPC) e julgamento por
amostragem de recursos especiais/extraordinários (art.
543-B e 543-C, CPC).
Sistema
do common law (EUA, Inglaterra) – teoria
do stare decisis (a ratio
decidendi do precedente
judicial tem vincula a própria Corte e os juízos hierarquicamente
inferiores. O peso dos precedentes é maior que o do texto da lei).
Também chamada de doctrine of
binding precedents (Inglaterra
– Sec. XIX)
Crescente
entendimento doutrinário de que a jurisprudência é fonte do
Direito, inclusive no sistema do Civil
Law (atualmente adotada no
Brasil, pelo qual a Lei é a fonte principal da criação do
Direito).
Espécies
de precedentes:
Declarativos:
reconhece e aplica norma jurídica previamente existente. Ex:
precedente que se baseia em precedente anterior. Ex: precedente que
aplica súmula vinculante. (Mesmo nessas hipóteses, a atividade do
judiciário é criativa).
Criativos:
cria e aplica uma nova norma jurídica. Ex: quando juiz julga
suprindo lacuna legislativa. Ex: quando se depara com cláusulas
gerais (ex: 1109 CPC – jurisdição voluntária – desnecessidade
de observância da legalidade estrita).
No
Brasil, os precedentes
judiciais podem produzir 3
tipos de efeitos:
Efeito
persuasivo: não tem eficácia
vinculante. Apenas força persuasiva (persuasive
authority), na medida em que
constitui o início de uma solução racional e socialmente acabada,
mas nenhum magistrado está obrigado a segui-lo. Mas há uma situação
em que a própria lei admite a relevância de um precedente
persuasivo. É o caso da sentença liminar à prima facie (art. 285-A
do CPC). Também pode justificar a instauração do incidente de
uniformização de jurisprudência (art. 476 a 479, CPC); embargos de
divergência (art. 546, CPC) e RESP pela divergência (art. 105, III,
“c”, CF).
Efeito
obstativo da revisão de decisões:
Precedentes que têm o condão de obstar a apreciação de recursos
ou obstar a remessa necessária. Não deixa de ser um desdobramento
de um efeito vinculante. Ex: art. 475, § 3º, 518, § 1º, 544, §
4º e 557, todos do CPC.
Efeito
vinculante obrigatório: (binding
precedent), dotado de binding
authority, quando tiver eficácia
vinculativa em relação aos julgados que, em situações análogas,
lhe forem supervenientes. Essa é a regra no common
law. Podem ser relativamente
obrigatórios (podem ser afastados por fundadas razões) ou
absolutamente obrigatórios (ainda que incorretos, devem ser
aplicados).
No
Brasil, há hipóteses
de precedentes com força
vinculante (ratio decidendi
vinculante): a)Súmula vinculante do
STF (art. 103-A, STF);
b) súmulas de cada tribunal têm
efeito vinculante ao próprio tribunal; c) precedentes
do Pleno do STF em controle difuso de
constitucionalidade (ainda que não submetidos ao procedimento de
consolidação em súmula vinculante) – Objetivação do controle
difuso de constitucionalidade; d) decisão que fixa tese para
recursos repetitivos (especial
e extraordinári), arts. 543-B e 543-C, CPC.
OBS
Importante: Na ADI, ADC e ADPF, a
coisa julgada erga omnes não se forma sobre aratio
decidendi, mas sim sobre o
próprio dispositivo, por força de
legal. Aqui, o próprio dispositivo da decisão é que vincula os
demais órgãos e não a tese jurídica.
Essas
hipóteses de vinculação (em maior ou menor medida) dos precedentes
judiciais estão intimamente ligadas a uma releitura do princípio
constitucional da igualdade (decisões
semelhantes para casos semelhantes) e segurança
jurídica (não apenas às
situações consolidadas no passado, mas principalmente as
expectativas legítimas da postura do Judiciário a partir de um
comportamento presente). É com base na segurança jurídica que o
tribunal tem o dever de uniformizar a jurisprudência evitando a
propagação de teses díspares a fatos semelhantes. Uma
jurisprudência pacificada garante ao jurisdicionado a segurança de
que sua conduta, praticada no presente em função de uma determinada
jurisprudência presente, não será tratada de forma diferente no
futuro, caso apreciada judicialmente.
Modernamente,
o princípio do contraditório tem
que ser repensado como não só como direito à formação da norma
jurídica individual, mas também como direito à participação na
formação da norma jurídica geral (ratio
decidendi). Existe a necessidade de
ampliar as hipóteses de intervenção de amicus
curiae e critérios de
permissão de intervenção de terceiro.
Técnica
de redação do enunciado sumulado.
Evolução: Precedente
---> jurisprudência ---> súmula.
A
súmula deve ser a explicitação da norma jurídica geral (ratio
decidendi). Deve ser clara e não conter termos vagos/imprecisos.
Crítica a Súmula vinculante do STF (uso de algemas). Se as
peculiaridades concretas são bastante determinantes para a
conclusão, é típica matéria que não deve ser sumulada, pois tais
peculiaridades concretas só deverão ser examinadas a
posteriori, não a
priori.
Técnicas
de confronto, interpretação e aplicação do precedente:
Distinguishing: há
distinção entre o caso concreto (em julgamento) e o julgado
paradigma, seja porque não há coincidência entre dois fatos
fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio
decidendi (tese jurídica), seja porque, a despeito de existir alguma
aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento
afasta a aplicação do precedente. É dividido em restrictive
distinguishing (as
peculiaridades do caso concreto impedem a aplicação da mesma tese
jurídica outrora firmada) e ampliative
distinguishing (a despeito de
existir uma peculiaridade que diferencia o caso concreto do
precedente, o juiz decide aplicar aratio
decidendi do precedente).
Hard
case: a questão está sendo enfrentada
pela primeira vez. Não será decidida pelos métodos ora
explicitados simplesmente porque inexistem precedentes para servir
como paradigma.
Decisão
per incuriam: o tribunal, ao decidir o
caso em julgamento, ignora um precedente obrigatório ou uma lei
relacionada ao caso. É preciso demonstrar que o magistrado ou
tribunal, tendo conhecimento do precedente ou lei ignorados, chegaria
a resultado diverso.
Técnicas
de superação do precedente:
Overruling:
é técnica através da qual um precedente perde sua força
vinculante e é substituído (overruled) por outro precedente. O
próprio tribunal que firmou o precedente pode abandoná-lo em
julgamento futuro. Bem semelhante a revogação de uma lei por outra.
Pode ser expressa (express
overruling) ou tácnica (implied
overruling).
Geralmente
ocorre em 3 hipóteses: a) o precedente está muito obsoleto e
desfigurado da realidade atual; b) o precedente é absolutamente
injusto e c) quando se revela inexequível na prática.
A
superação do precedente pode ser com eficácia ex tunc
(retrospective overruling)
quando o precedente substituído não pode ser invocado sequer quanto
a fatos anteriores a sua substituição ou eficácia ex nunc
(prospective overruling),
quando o precedente permanece válido para fatos anteriores a sua
substituição.
Há,
ainda, a antecipatory
overruling, espécie de não
aplicação preventiva do precedente, quando o Tribunal já mudou seu
posicionamento quanto ao precedente firmado, sem contudo dizê-lo
expressamente. Ex: o tribunal tem uma súmula sobre um tema, mas
vários precedentes posteriores a essa súmula e a ela contrários.
Overriding:
o tribunal apenas limita o âmbito de incidência de um precedente,
em função da superveniência de uma regra ou princípio legal. (Há
uma superação PARCIAL do precedente). OBS: não
confundir com Reverseal, que
é mera reforma de uma decisão de instância inferior por instância
superior (técnica de controle, não de superação de precedente).
SÚMULA
VINCULANTE (art. 103-A, CF, Lei n. 11.417/2006)
Art.
103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros,
após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar
súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá
efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder
Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas
esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua
revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide
Lei nº 11.417, de 2006).
Efeito
vinculante: principal característica
da súmula. Vincula o próprio STF, os demais órgãos do Poder
Judiciário e a administração pública de todas as esferas. NÃO
vincula o Legislativo.
Início
do efeito vinculante: a partir da
publicação da súmula no DOU. Deve ser publicada em até 10 dias da
sessão de aprovação (art. 2º, § 4º, Lei n.
11.417/2006). Exceção:
o STF pode alterar o início do efeito vinculante por 2/3 dos membros
por razões de segurança
jurídica ouexcepcional
interesse público (art. 4º da
mesma lei).
O
enunciado da súmula terá por objeto a
validade, a
interpretação e a eficácia
de normas determinadas, acerca das
quais haja, entre órgãos judiciários ou
entre esses e a administração pública, controvérsia
atual que acarrete grave
insegurança jurídica e relevante
multiplicação de processossobre
idêntica questão (art. 2º, Lei n. 11.417/2006). Apenas sobre
matéria CONSTITUCIONAL.
Os
tribunais de segunda instância e os tribunais superiores têm
legitimidade para propor a edição de súmula vinculante (art. 3º,
XI, Lei n. 11417/2006).
Existe
procedimento para revisão ou cancelamento de súmula vinculante
(art. 5º, da mesma lei). Por isso a doutrina fala que no âmbito da
súmula vinculante, não há implied
overruling, somente express
overruling.
A
decisão na revisão ou cancelamento da súmula vinculante também
tem efeito vinculante, até porque exige-se o mesmo quorum da
aprovação da súmula (2/3 dos membros do tribunal). Também é
possível a modulação dos efeitos da revisão ou cancelamento da
súmula (por 2/3).
Legitimidade
para pedido de edição, revisão ou cancelamento de súmula.
- Todos com legitimidade para propositura de ADIN
- O Defensor Público Geral Federal
- TRFs, Tjs, TRTs, TREs, Trib. Militares
- O município (no curso do processo em que for parte, pode propor incidentalmente) – art. 3º, § 1º, Lei n. 11.417/2006.
Recebendo
proposta de edição, cancelamento ou revisão, o STF deve publicar
edital no sítio do STF e no DJ eletrônico, para ciência e
manifestação pelos interessados no prazo de 5 dias (Resoluções
381 e 388/2008). A doutrina entende como intervenção amicus
curiae.
Após
o prazo, é encaminhada a propsota a Comissão
de Jurisprudência para
apreciação e adequação, no prazo de 5 dias.
Após,
cada ministro e o PGR recebe uma cópia da manifestação de proposta
e os autos são conclusos ao presidente para inclusão em pauta de
deliberação do Tribunal Pleno.
Se
a súmula não foi proposta pelo PGR, deverá ser previamente ouvido
(art. 1º, § 2º, Lei n. 11417/2006) colhendo-se manifestação em
plenário (art. 3º, Res. 388/2008).
Eficácia
retrativa da alteração do precedente? Cabe ao STF aplicar o
princípio da não-surpresa (princípio da confiança) modulando os
efeitos da decisão que altera a jurisprudência consolidada da
corte. Aplicação analógica do princípio da irretroatividade das
leis.
Quando
o STF modula os efeitos da decisão, reformulando o entendimento
consolidado, pode decidir continuar aplicando o entendimento anterior
para os fatos anteriores ao overruling e
já anunciar, para as situações futuras, que será aplicado o novo
entendimento. Neste caso, estará aplicando a técnica chamada
de signaling
caveat (desenvolvida pelos
tribunais americanos). É um refinamento do prospective
overruling (superação com
efeicácia ex nunc).
Referências bibliográfica: Curso de Direito Processual Civil, prof. Fredie Didier Jr., Ed. JusPdvm, vol. 2.

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