sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Decisões relevantes: TNU rejeita tese de necessidade de "prazo razoável" entre requerimento administrativo e ação previdenciária

  

   A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais - TNU julgou o PEDILEF 00097601620074036302 (acórdão publicado no DOU 24/10/2014 Pág. 126/240)  interposto contra acórdão de turma recursal dos JEFs da Seção Judiciária de São Paulo que, confirmando sentença, julgou a parte autora carecedora do direito de ação porque teria deixado de propor a ação judicial "em prazo razoável" para questionar o ato administrativo de indeferimento do benefício previdenciário. No caso concreto, a parte autora buscou judicialmente o benefício previdenciário após 2 anos do indeferimento administrativo.

  Sempre nos posicionamos pela ilegalidade e inconstitucionalidade dessa tese que infelizmente ainda vem sendo adotada por alguns juízes federais. Não fosse o bastante a ausência de amparo legal para tanto, há ser lembrado que o direito à proteção previdenciária é irrenunciável e imprescritível, sendo atingidas pela prescrição apenas as parcelas vencidas não reclamadas nos últimos 5 anos, como há muito sedimentou a Súmula n. 85 do Superior Tribunal de Justiça.

  Veja que o art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91 fala que as parcelas não reclamadas após 5 anos entre o indeferimento administrativo e a postulação judicial são atingidas pela prescrição. A tese do tal "prazo razoável" de 2 anos para questionar judicialmente ato administrativo de indeferimento de benefício previdenciário, sob pena de extinção do feito sem julgamento de mérito (carência de ação), acaba violando o disposto no referido dispositivo legal, já que pela interpretação que ora atacamos, jamais seria possível ocorrer a prescrição quinquenal, uma vez que o transcurso do prazo de 2 anos entre o requerimento administrativo e a postulação judicial resultaria em extinção do feito sem julgamento de mérito, fulminando todas as parcelas vencidas até a data da propositura da ação.

  Temos que o tal "prazo razoável" foi definido pelo legislador, nos termos do art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91, cuja aplicação não pode ser afastada pelo juiz sob alegação de que a parte autora não tem interesse processual, pois o exercício do direito de ação dentro do prazo prescricional - e, no caso, sem prazo decadencial, pois se trata de direito fundamental - é considerado simples exercício regular de direito, descabendo ao juízo investigar as razões pelas quais o cidadão optou por ajuizar a ação em determinado momento e não antes.
  
  Vide o acórdão com destaque para trechos que entendemos interessantes:


“PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. CESSAÇÃO ADMINISTRATIVA. AÇÃO EM QUE SE POSTULA RESTABELECIMENTO. AJUIZAMENTO APÓS DOIS ANOS. JULGAMENTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. NÃO OCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 85/STJ. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO. 1. Trata-se de pedido de uniformização de jurisprudência proposto por particular em face de acórdão proferido pela Turma Recursal da Seção Judiciária Federal do Estado de São Paulo, que confirmou a sentença por seus próprios fundamentos, extinguindo o processo sem julgamento do mérito, sob o entendimento da inexistência de interesse processual. 2. O aresto combatido considerou que a parte-autora era carecedora de ação, por ausência de interesse processual, na medida em que “deixou transcorrer período de tempo além do razoável para socorrer-se da via judicial”, tendo em vista o transcurso de mais de dois anos entre a cessação do benefício e o ajuizamento da demanda. A parte-requerente suscitou divergência em face da Súmula 85 do STJ, alegando que, ao se ter como prescritas apenas as parcelas anteriores aos cinco anos que antecedem o ajuizamento da ação, resta implícito que “permite-se entrar com a ação a qualquer tempo, mas com a única ressalva de poder cobrar apenas os últimos 5 anos que a antecedem”. 3. Na decisão de admissibilidade, proferida pela Presidência desta TNU, apontou-se que “O acórdão recorrido fundamenta-se na necessidade de prévio requerimento administrativo, devido ao transcurso de mais de dois anos do indeferimento, em sentido oposto aos paradigmas juntados”. 4. A Lei nº 10.259/2001 prevê o incidente de uniformização quando “houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei” (art. 14, caput). Caberá à TNU o exame de pedido de uniformização que envolva “divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ” (art. 14, § 4º). 5. No caso dos autos, a autora percebeu auxílio-doença até 12/12/1999, quando o benefício foi cessado administrativamente pelo INSS, tendo ela ingressado em juízo objetivando a sua concessão no ano de 2007. Tanto a sentença quanto o acórdão, que a confirmou pelos próprios fundamentos, escudaram-se no entendimento de que a segurada, em lugar de se insurgir, propondo as medidas necessárias ao afastamento do ato administrativo adverso, deixou transcorrer um período de tempo além do razoável para socorrer-se da via judicial. 6. Inicialmente, pertinentes algumas considerações sobre a admissibilidade do presente incidente de uniformização, com vistas a demonstrar a similitude entre a tese que repousa no acórdão recorrido e o tema objeto da súmula 85 do STJ, uma vez que, à primeira vista, cuida-se de institutos jurídicos diversos (ausência de interesse processual, de um lado, e prescrição, de outro). 7. Neste contexto, deve-se ter em perspectiva que o exame das regras de admissibilidade (dos recursos) e de propositura/desenvolvimento (das ações) demanda a observância da efetivação da norma constitucional de garantia do acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF/88). 8. Assim, interpretar-se o caso de modo a inviabilizar materialmente a discussão da questão litigiosa é negar ao cidadão o direito à prestação jurisdicional por todos os meios elencados na estrutura processual. 9. Dito isso, observo que, na hipótese, é o caso de se conhecer do pedido, diante da singularidade da questão, pela originalidade dos fundamentos adotados na extinção do feito, sem resolução do mérito, de modo que, exigir-se da parte-requerente uma hipótese fática, em tudo e por tudo, idêntica, mas com solução jurisdicional divergente (ainda observadas as regras de distinção quanto ao órgão julgador, por região) seria dificultar, talvez até o ponto da impossibilidade, o atendimento às regras procedimentais que, por mais importantes que sejam, devem estar a serviço da efetivação do primado da Justiça. 10. Acresça-se, em prol do conhecimento do incidente, que o acórdão recorrido acolheu integralmente os fundamentos da sentença que, por sua vez, entendeu inexistir interesse processual no presente feito, sob o entendimento de que “transcorreu mais de dois anos do indeferimento administrativo” e que se “deixou transcorrer um período de tempo além do razoável para socorrer-se da via judicial”. Portanto, centrando-se o reconhecimento da ausência de interesse processual apenas no decurso de tempo entre a alegada lesão ao direito e o ajuizamento da ação, entendo que há, na verdade, reconhecimento de um instituto que, embora caracterizado pela decisão recorrida como interesse processual, reveste-se de perfeita identidade com a prescrição do fundo do direito ou com a própria decadência, tal como prevista no art. 103, da Lei n. 8.213/91, a impedir o enfrentamento do pedido de restabelecimento do benefício previdenciário. 11. Desse modo, fundando-se a extinção na prescrição do fundo do direito, há a similitude fática e jurídica a permitir o conhecimento do pedido, uma vez identificar-se, ao menos indiretamente, ofensa à Súmula 85 do STJ, considerando-se que, ao se adotar o entendimento esposado pelo acórdão recorrido, não haverá, jamais, a ocorrência, na hipótese, de prescrição quinquenal, já que o transcurso do prazo de dois anos sempre fulminará o interesse processual e, consequentemente, a análise do pedido. 12. Adentrando, pois, o mérito da questão, tem-se que o acórdão recorrido, ao entender que falta ao autor interesse processual por ter deixado escoar prazo razoável para ajuizar a ação, findou por fixar verdadeiro óbice ao próprio reconhecimento da existência do direito material vindicado pelo recorrente, a fechar-lhe, em definitivo, as portas do Estado-Juiz, fulminando a sua pretensão ou seu próprio direito, em situação em tudo e por tudo análoga à decadência ou prescrição. A falta do interesse processual, em sua principal vertente, qual seja, necessidade, implica justamente no reconhecimento da desnecessidade de o autor valer-se do Judiciário para alcançar o direito que diz possuir. No caso dos autos, a “falta de interesse” que restou por se reconhecer diz respeito ao próprio desinteresse da parte pelo direito material invocado em juízo, ante o transcurso do tempo, ultrapassando, portanto, os limites da questão processual, para enveredar no próprio âmbito do direito objeto do litígio, que, inegavelmente, restou fulminado pelo acórdão recorrido. 13. Ad argumentandum, é de se ver que a lei estabelece prazos decadenciais e prescricionais, não havendo de se confundir estes casos com os de ausência de interesse processual, não se podendo, pois, entender carecedor do direito de ação, pela falta desse interesse, o beneficiário que ingressou em juízo dentro desse prazo. Do contrário, estar-se-ia fixando, sem previsão legal e sob a roupagem da falta de interesse processual (carência de ação), prazo que findaria por sempre impedir o enfrentamento do pedido, em julgamento com força de definitividade, portanto, de mérito. 14. É, pois, de se prover o recurso sob o entendimento que, no caso, não configura ausência de interesse processual o decurso de mais de dois anos entre o indeferimento administrativo ou cessação do benefício previdenciário e o ajuizamento da ação, prevalecendo o disposto na Súmula nº 85, anulando-se o acórdão e a sentença para que outra seja proferida, observados os termos desta decisão. 15. Incidente de Uniformização conhecido e provido”.
(TNU,  PEDILEF 00097601620074036302, Rel. Juiz Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga, acórdão publicado no DOU 24/10/2014 Pág. 126/240)

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