sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Notas de aula: Jurisdição


JURISDIÇÃO

Conceito: função atribuída a terceiro imparcial (juiz não é parte: imparTialidade. Juiz é terceiro desinteressado: imparCialidade) a) realizar o Direito de modo imperativo b) criativo c) reconhecendo/efetivando/protegendo relações jurídicas d) concretamente deduzidas e e) em decisão insuscetível de controle externo e f) com aptidão para tornar-se indiscutível (coisa julgada material). (Fredie Didier Jr.)



É importante ainda conhecer a concepção clássica, defendida por Cândido Rangel Dinamarco, que analisa a jurisdição sobre 3 aspectos:

- PODER: estatal de interferir na esfera jurídica dos jurisdicionados, aplicando o ordenamento ao caso concreto e resolvendo a crise jurídica que os envolve;

- FUNÇÃO: um encargo atribuído pela CF, em regra, ao Poder Judiciário e, excepcionalmente, a outros poderes (Ex: impeachment do presidente da República).

- ATIVIDADE: complexo de atos praticados pelo agente investido de jurisdição no processo.


Características:

Substitutividade: É técnica de solução de conflitos por heterocomposição (terceiro substitui a vontade das partes, resolvendo o conflito). Chiovenda denominou essa característica como substitutividade.

Imparcialidade: A jurisdição é imparcial. OBS: não confundir neutralidade com imparcialidade.

Imperatividade: é manifestação de poder. Mas o próprio estado pode excepcionalmente autorizar o exercício da jurisdição por particulares (arbitragem).

Criatividade: ao decidir, o tribunal cria. Toda decisão pressupõe ao menos duas alternativas possíveis. Mas a decisão não é uma delas, é algo distinto delas. Nos hard cases, situações em que os textos jurídicos existentes não apresentam soluções claras, sobressai a atividade criativa dos juízes. Justifica-se, ainda, para evitar o non-liquet. A não-decisão não é permitida. Ex: julgamentos do STF sobre fidelidade partidária (MS 26603, Rel. Celso de Mello, DJ 04/10/2007) e sobre o direito de greve os funcionários públicos (MI 670, Rel. p. acórdão Min. Gilmar Mendes, DJ 25/10/2007).

Técnica de tutela de direitos: pelo reconhecimento judicial, proteção ou integração de direitos.

Concretividade: a jurisdição é chamada a resolver problemas concretos (mesmo nos casos do controle objetivo de constitucionalidade)

Decisão não passível de reexame por outro poder: o poder judiciário dá a última palavra sobre o conflito. Não há controle externo da atividade jurisdicional.

Aptidão para a coisa julgada material: a decisão judicial pode se tornar indiscutível. Mas isso não quer dizer que só há jurisdição se houver coisa julgada material. A coisa julgada material é apenas uma opção política do estado.


Equivalentes jurisdicionais: formas não jurisdicionais de resolução de conflitos. autotutela (ex: legítima defesa, desforço imediato), autocomposição (submissão, renúncia ou transação), mediação (as partes escolhem terceiro que apenas as auxilia na busca de uma solução). Julgamento de conflitos por tribunais administrativos (tribunal marítimo, agências reguladoras, TCU, CADE, etc). 

Contenciosa: há conflito de interesse entre as partes, com duas ou mais pretensões contrapostas (lide).

Voluntária: não há conflito de interesses. Apenas uma pretensão que merece apreciação judicial para realização de um interesse privado. Não há “partes”, apenas “interessados”. Não está presente a característica da substitutividade (o juiz não substitui a vontade das partes, apenas as confirma), atuando como um administrador público (art. 1.103 CPC). NÃO forma coisa julgada material. Embora não seja um entendimento pacífico, a doutrina majoritária considera a jurisdição voluntária como uma forma de jurisdição.

Jurisdição não se confunde com competência: a primeira visa solucionar os conflitos com aptidão aptidão de produzir coisa julgada (definitividade). A Competência é a divisão dessa função entre os diversos órgãos jurisdicionais.

Princípio da demanda (inércia): art. 2º do CPC. Juiz concede a tutela apenas quando requerida pela parte ou interessado. Ne iudex sine actore. Ne procedat Iudex ex Officio. Arts. 262, 459 e 460 CPC. Exceções: (quanto ao início do processo) arts. 989, 1129, 1142 e 1160 CPC. (Quanto a necessidade de provocação): art. 219, § 5º e art. 267, § 3º, CPC.

Arbitragem (Lei n. 9307/96): técnica de solução de conflitos mediante a qual os conflitantes buscam em uma terceira pessoa, de sua confiança, a solução amigável e imparcial (porque não é escolhida diretamente) do litígio.
Características:
Possibilidade de escolha da norma material a ser aplicada (art. 2º, §§ 1º e 2º);
Árbitro deve ser pessoa física e capaz (art. 13) e têm status de juiz de direito (são considerados servidores públicos para fins penais)
Desnecessidade de homologação judicial da sentença arbitral, que produz efeitos imediatamente( a sentença é e ela mesma título executivo judicial – art. 31)
Árbitro decide mas NÃO tem poder para tomar providências executivas (art. 22, 4º, Larb)
Possibilidade de reconhecimento e execução de sentenças arbitrais proferidas no exterior (art. 34, Larb).

Obs.: segundo Didier Jr., a arbitragem NÃO é um equivalente jurisdicional, mas sim o exercício da própria jurisdição, sendo essa a posição minoritária (Carlos Alberto Carmona, Joel Dias Figueira Junior)

Marinoni, porém, defende que a arbitragem não é exercício de jurisdição, pois as partes, ao escolherem a arbitragem, renunciam a jurisdição e entende ser esta indelegável a particulares (outros nessa linha: Humberto Theodoro Junior, Cassio Scarpinella Bueno e Vicente Greco Filho). Essa é a posição majoritária.

A sentença arbitral pode ser apreciada pelo judiciário apenas quando a sua validade (art. 32, 33, caput, Larb). O prazo para postular a revisão judicial é de 90 dias contados da intimação/notificação da sentença arbitral ou seu aditamento (art. 33, § 1º, Larb).

Importante: o STJ reconheceu a possibilidade de homologação de sentenças arbitrais produzidas no exterior (SEC n. 8847, Corte Especial, Rel. Min. João Otávio de Noronha, unânime, DJe 28/11/2013).

Importante: Súmula n. 485/STJ: A Lei de Arbitragem aplica-se aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da sua edição.

Convenção de arbitragem: pode ser feita através da cláusula compromissória OU do compromisso arbitral. 

A cláusula compromissória está no art. 4º da Larb e é estabelecida previamente no contrato no sentido de que os litígios oriundos do contrato o serão através da arbitragem. A doutrina denomina a cláusula compromissória cheia, quando a arbitragem é estabelecida para a resolução de quaisquer conflitos oriundos do contrato. 

O compromisso arbitral é um ato formal, escrito, que dá início ao processo de arbitragem. Ele ocorre após a existência concreta do litígio. A grande diferença é que na cláusula compromissória já estabelece, previamente, o árbitro caso haja algum litígio. No compromisso arbitral, o litígio já existe. Pode ser celebrado judicialmente ou extrajudicialmente.

O Novo CPC contempla expressamente a arbitragem no art. 3º, § 1º:

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.

Caso haja propositura de ação judicial, se a convenção de arbitragem não for alegada pelo interessado na primeira oportunidade, o Poder Judiciário passa a ser competente para apreciar a demanda.

Importante: O STJ é o órgão competente para decidir conflito de competência entre um tribunal arbitral e um órgão jurisdicional (STJ, CC n. 111230, 2ª Seção, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 03/04/2014) .

Importante: no mesmo julgado acima, o STJ decidiu que compete ao tribunal arbitral o julgamento de pedido de indicação de bens para garantir a execução de dívida antes do procedimento arbitral (cautelar de arresto). Foi um julgamento bastante controverso (5/4).

Importante: o STJ decidiu que a cláusula arbitral não impede que o pedido de falência seja apreciado diretamente pelo Poder Judiciário, mesmo porque o juízo arbitral não possui competência executiva e o direito do credor só poderia ser satisfeito mediante atividade executiva. (RESP n. 1277725, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe. 18/03/2013)

Princípios da jurisdição

Investidura: só é exercida por quem esteja regularmente investido na autoridade de juiz.

Territorialidade: os magistrados só têm autoridade nos limites territoriais determinados. Obs.: o CPC mitigou esse princípio em duas hipóteses: art. 107 (se o imóvel se localiza em mais de uma comarca, a competência do juízo se prorroga por todo o imóvel) e 230 (possibilidade de prática de atos de comunicação processual em comarcas contíguas ou da mesma região metropolitana independente de carta precatória). Obs2: não confundir territorialidade com o lugar onde a decisão produzirá efeitos (a decisão produzirá efeitos aonde tiver de produzir).

Indelegabilidade: o exercício do poder jurisdicional não pode ser delegado. Essa vedação se aplica integralmente ao poder decisório, mas não aos atos de mero expediente (art. 93, XIV, CF), instrutórios e de execução (ex: cartas de ordem – art. 492 do CPC).

Pergunta: há alguma exceção ao princípio de que o poder decisório é indelegável? Positivo: art. 93, XI, da Constituição Federal (autoriza delegação da competência do tribunal pleno para um órgão especial).

Inevitabilidade: as partes hão de se submeter ao quanto decidido pelo órgão jurisdicional.

Direito fundamental a inafastabilidade da jurisdição: não é possível a lei excluir a possibilidade de apreciação, pelo Poder Judiciário, da alegação de lesão ou ameaça de lesão a direito. Não importa se o particular tem ou não o direito alegado. Independente disso, terá o direito de ver sua pretensão analisada pelo Poder Judiciário. A própria CF estabelece exceções (art. 52, I e II – processamento e julgamento de certas autoridades). Também não há necessidade de esgotar instância administrativa ou outras, para depois buscar a jurisdicional (única exceção: Justiça Desportiva – art. 217, § 1º, CF). A jurisdição é una (não se adota jurisdição administrativa, adotada na França).
Da inafastabilidade da jurisdição também decorre o direito à tutela jurisdicional tempestiva e adequada (tutela cautelar, específica, antecipada, etc).

Juiz Natural: a garantia decorre dos arts. 5º, XXXVII e LIII da CF: a vedação de juízo ou tribunal de exceção e ninguém será processado senão perante a autoridade competente. Aspecto formal: juiz escolhido segundo as regras gerais e abstratas previamente estabelecidas. Aspecto material: imparcialidade e independência dos magistrados. Essa garantia também se aplica a instâncias administrativas e ao MP (princípio do promotor natural).

Jurisdição voluntária

Características
atividade jurisdicional de integração fiscalização (tutela estatal de interesses privados. Apesar do vocábulo “voluntária”, na maioria das vezes, não há opção, exceção: notificação judicial);
inquisitoriedade: em várias situações, o órgão judicial tem iniciativa do procedimento (ex: exibição de testamento – art. 1129, CPC, convocação para retirada de coisa vaga depositada – art. 1171, CPC, arrecadação de bens de herança jacente – art. 1142 CPC, arrecadação de bens do ausente – art. 1160, CPC), pode proferir decisão contrária a vontade das partes e não está obrigado a observar a legalidade estrita;
possibilidade do magistrado decidir por equidade (art. 1109, CPC);
intervenção do Ministério Público. Obs.: apenas quando estiver em jogo direitos indisponíveis (STJ, RESP n. 46770, DJ 17/03/1997);

Importante: prevalece, na doutrina brasileira, o entendimento de que a jurisdição voluntária NÃO é jurisdição. Seria atividade materialmente administrativa e subjetivamente judiciária.

A doutrina minoritária defende que a jurisdição voluntária é perfeitamente enquadrável no conceito de jurisdição (Didier Jr. Adota essa corrente).

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