quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Notas de aula: introdução ao direito processual civil contemporâneo. Princípios constitucionais do processo.

INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL CIVIL CONTEMPORÂNEO.
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO.







Acepções do termo processo

Método de criação de normas jurídicas (produção de normas legislativas, administrativas, jurisdicional, negocial);
Ato jurídico complexo (conjunto de vários atos jurídicos relacionados entre si, realizados em contraditório);
Relação jurídica (conjunto de relações jurídicas entre os diversos sujeitos processuais).

Relação circular entre direito material e direito processual: o processo serve ao direito material, mas também é servido por ele.

Características do pensamento jurídico contemporâneo:

Reconhecimento da força normativa da CF;
Desenvolvimento da teoria dos princípios (eficácia normativa);
Papel criativo da hermenêutica jurídica;
Expansão e consagração dos direitos fundamentais;

Neoconstitucionalismo: fase atual do pensamento jurídico contemporâneo (com bases teóricas acima referidas).

Fases históricas do direito processual

1ª) praximo ou sincretismo: confusão entre direito material e processual
2ª) processualismo: delimitação das fronteiras entre o direito material e processualismo
3ª) instrumentalismo: mantém-se reconhecidas as diferenças funcionais entre direito material e processual, mas é estabelecida a relação circular entre eles
4ª) neoprocessualismo: revisão de categorias jurídicas criadas pelo processualismo a partir de novas premissas teóricas, destacando a importância que se deve dar aos valores constitucionalmente protegidos na pauta de direitos fundamentais na construção e aplicação do formalismo processual. Há uma corrente que usa a expressão “formalismo-valorativo” para designar o mesmo fenômeno.

Constitucionalização do direito processual: sob dois ângulos:

incorporação aos textos constitucionais de normas processuais (direito fundamental ao processo devido e consectários: contraditório, ampla defesa, juiz natural, vedação da prova ilícita, etc);

a interpretação de normas processuais infraconstitucionais levando-se em conta sua função de concretizar as disposições constitucionais (eficácia normativa da CF).
Nova feição da atividade jurisdicional

Sistema de precedentes judiciais: eficácia normativa de determinadas orientações jurisprudenciais: (Súmulas dos tribunais, súmula vinculante do STF;

Criatividade da função jurisdicional: na construção da norma jurídica individual ou geral (súmulas vinculantes, impeditivas de recurso, etc);

Cláusulas gerais processuais: conceitos jurídicos indeterminados (ex: devido processo legal, poder geral de cautela, abuso de direito do exequente, boa-fé processual, adequação do processo em jurisdição voluntária). Exigem concretização, não subsunção. Reforçam a função criativa da jurisdição.

Dimensão objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais:
a) subjetiva: direitos subjetivos que trazem situação jurídica de vantagem aos seus titulares
b) objetiva: valores básicos da ordem jurídica que devem presidir a interpretação/aplicação de todo o ordenamento jurídico.

DEVIDO PROCESSO LEGAL E OUTROS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO

Devido processo legal

A palavra “legal” não quer dizer “lei”, mas sim “Direito”. Devido processo legal é o direito a um processo justo, equitativo, etc. É uma garantia contra o exercício abusivo do poder. Processo equitativo (Portugal), processo giusto (Itália), due process of law (EUA), fair trial (Inglaterra).

A definição de devido processo legal é obra eternamente em progresso. Há uma evolução do que se entende por “devido” processo legal no século XIV (absolutismo), no século XX (consolidação da igualdade formal, separação entre Igreja e Estado) e o que é “devido” atualmente (informatização das relações, sociedade de massas, globalização, etc.) e o que será “devido” daqui a dois séculos.

São concretizações do devido processo legal (conteúdo mínimo):
contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, CF)
tratamento paritário entre as partes do processo (art. 5º, I, CF)
publicidade do processo (art. 5º, LX, CF)
vedação das provas ilícitas (art. 5º, LXVI, CF)
juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII, CF)
acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF)

Devido processo legal formal ou procedimental: composto pelas garantias acima referidas (contraditório, ampla defesa, juiz natural etc).

Devido processo legal substancial ou substantivo: desenvolveu-se os EUA. Não basta a observância das exigências formais. É preciso que as próprias exigências formais sejam, em si mesmas, substancialmente devidas (justas, equitativas, etc). O STF extraiu essa exigência substancial do devido processo legal sob a faceta do princípio da proporcionalidade, vedando o abuso do poder de legislar (RE 374, Rel. Min. Celso de Mello, 28/03/2005).

O devido processo legal, tal como qualquer direito fundamental, aplica-se também às relações privadas (eficácia horizontal dos direitos fundamentais).

Teorias sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais na esfera privada

state action: nega eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, pois o único sujeito passivo seria o Estado (prevalece nos EUA);
eficácia indireta ou mediata dos direitos fundamentais na esfera privada: a CF não confere aos particulares direitos subjetivos privados, mas baliza o legislador infraconstitucional, que deve tomar como parâmetro valores constitucionais na elaboração das leis de direito privado (prevalece na Alemanha, Áustria e França)
eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais na esfera privada: os direitos fundamentais podem ser invocados imediatamente nas relações privadas, independente de mediação do legislador (prevalece no Brasil, Espanha e Portugal).

O STF reconheceu expressamente essa eficácia no RE n. 201.819, em 11/10/2005, anulando a exclusão de associado em razão da inobservância do devido processo legal substancial.

exemplo recente: Lei n. 11.127/2005 que alterou o art. 57 do Código Civil para assegurar o devido processo legal nas hipóteses de exclusão de associado.

Princípio do contraditório

O contraditório é enxergado sobre 2 ângulos: participação (audiência, comunicação, ciência) e possibilidade de influência na decisão.
A garantia de participação é a dimensão formal do princípio do contraditório. É a oportunidade de ser ouvido, de participar do processo, de ser comunicado, de poder falar no processo.

A dimensão substancial do contraditório é o “poder de influência”. É necessário permitir que a parte seja ouvida, porém em condições de poder influenciar no convencimento do magistrado. É fundamental perceber isso: o contraditório não se efetiva apenas com a ouvida da parte; exige-se a participação com possibilidade conferida à parte, de influenciar no conteúdo da decisão. Faz parte dessa dimensão do contraditório o direito a ser acompanhado por um advogado.

Ex: durante o processo, o magistrado não pode punir a parte sem antes dar ciência de manifestar-se sobre os fundamentos da punição. É o que preconiza o art. 599, II, do CPC. No mesmo sentido STJ, RESP n. 250.781, 19/06/2000.

Sustenta-se que a dimensão substancial do contraditório exige que o juiz provoque previamente as partes quando pretende decidir com base em fato por elas não discutido (como prescrição ou inconstitucionalidade de uma lei, por exemplo), ainda que seja possível apreciar a matéria de ofício. Evita-se a propalação de uma “decisão-surpresa”.

Princípio da ampla defesa

Tendo em vista desenvolvimento do princípio do contraditório, pode-se dizer que a ampla defesa a ele se fundiu: a ampla defesa corresponde a um aspecto substancial do princípio do contraditório. Não há contraditório sem defesa nem defesa sem contraditório.

Princípio da publicidade

Os atos processuais hão ser públicos: a) protege-se as partes contra juízos arbitrários e secretos; b) controle da opinião pública sobre os serviços de justiça. Publicidade interna (publicação dos atos processuais para as partes) e externa (acesso por terceiros)
Obs.: o tribunal arbitral PODE ser sigiloso quanto a publicidade EXTERNA.

A CF só admite restrição a publicidade quando a defesa da intimidade ou o interesse social exigirem (art. 5º, LX).

O CPC admite restrição a publicidade quando exigir o interesse público; b) casamento, filiação, separação, conversão em divórcio, alimentos e guarda de menores (art. 155, parágrafo único)

Princípio da duração razoável do processo

Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) art. 8, I.
Processo devido é, pois, processo com duração razoável.

Corte Européia dos Direitos Humanos firmou 3 critérios para determinar a duração razoável do processo: a) complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes e seus procuradores; c) a atuação do órgão jurisdicional.

Importante: não existe um princípio da celeridade. O processo não tem que ser rápido/célere. O processo deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional.

Princípio da igualdade processual (paridade de armas)

O processo é uma luta. A garantida de igualdade significa dar as mesmas oportunidades e os mesmos instrumentos processuais para que possam fazer valer seus direitos e pretensões, ajuizando ação, deduzindo resposta, etc. Mas essa paridade de armas não significa identidade absoluta entre os poderes das partes de um mesmo processo. O que importa é que as diferenças de tratamento sejam justificadas racionalmente.

Princípio da boa-fé processual

Os sujeitos processuais devem se pautar com base na boa-fé como norma de conduta (boa-fé objetiva: independente da existência de boa ou má intenção). Está previsto no art. 14, II, do CPC.

Deste princípio se extrai uma cláusula geral processual: é que a infinidade de situações que podem surgir ao longo do processo torna pouco eficaz qualquer enumeração legal exaustiva das hipóteses de comportamento desleal.

A boa-fé objetiva é norma de conduta: impõe e proíbe condutas, além de criar situações jurídicas ativas e passivas. Sempre que existir um vínculo jurídico, as pessoas nele envolvidas estarão obrigadas a não frustrar a confiança razoável do outro, devendo se comportar como se pode esperar de uma pessoa de boa-fé.

TODOS os que de qualquer forma participam do processo são destinatários da cláusula geral da boa-fé processual (não somente as partes).

Impõe deveres de cooperação.

A cláusula geral não dispensa a existência de regras de proteção à boa-fé. Ex: normas sobre litigância de má-fé (arts. 17 e 18 do CPC).

O STF entende que o princípio da boa-fé está implícito no princípio do devido processo legal e é dirigido não só às partes, mas a todos que participam do processo (RE 464963-2, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 30/06/2006).

Princípio da adequação (legal e jurisdicional) do processo

É visualizado em 2 momentos: legislativo (informador da produção legislativa das regras processuais e jurisdicional (permite ao juiz, no caso concreto, adaptar o procedimento às peculiaridades da causa que lhe é submetida.

A construção do processo deve levar em conta a natureza e as peculiaridades do objeto do processo a que servirá. Um procedimento inadequado ao direito material pode importar verdadeira negação da tutela jurisdicional. Não só o procedimento deve ser adequado, mas também a tutela jurisdicional.

O princípio da inafastabilidade da jurisdição e o princípio da efetividade garantem o direito à tutela adequada a realidade do direito material.

adequação subjetiva: se opera em razão dos litigantes (ex: intervenção obrigatória do MP em caso de interesse de incapazes, prazos especiais para a Fazenda Pública, regras especiais de competência – domicílio do alimentando)
adequação teleológica: leva em conta as finalidades que visa (ex: juizados especiais e duração razoável do processo)
adequação objetiva: leva em conta a natureza do direito objeto do litígio e a situação processual de urgência.

Princípio da adaptabilidade ou adequação judicial: o magistrado pode conformar o procedimento às peculiaridades do caso concreto como meio de mais bem tutelar o direito material (ex: corrigindo o procedimento que se revele inconstitucional, por ferir um direito fundamental, como o contraditório). As vezes, há regras legais autorizando tal prática (ex: art. 6º, VIII CDC, conversão do procedimento sumário em ordinário, em razão da complexidade da causa – art. 277, §§ 4º e 5º, CPC; julgamento antecipado da lide, possibilidade do relator da rescisória fixar prazo para resposta dentro de certos limites; adequação do processo em jurisdição voluntária – art. 1109, CPC).

Mas o princípio da adequação pode incidir também DIRETAMENTE:

Exemplo: o prazo legal para oferecimento de contestação é de 15 dias. Suponha um caso em que a petição inicial vem acompanhada de 11 volumes de documentos, totalizando mais de 2 mil documentos. O prazo de 15 dias para contestar, previsto em lei, revela-se concretamente inadequado. É lícito e constitucional que o juiz confira prazo mais dilatado, pois o direito à adequação do processo é um direito fundamental.

Exemplo: o depósito de 20% do valor da causa para proposição de ação rescisória visa desestimular ações temerárias. Porém, em um caso concreto, essa exigência pode se tornar um obstáculo intransponível ao acesso à justiça. Caberá o afastamento desta cláusula, dependendo das circunstâncias do caso concreto, quando se revelar inadequada aos fins a que se destina.

Modelo do processo civil brasileiro. Princípio da cooperação.

Modelos de processo na civilização ocidental

Adversarial: competição ou disputa entre as partes, diante um órgão jurisdicional relativamente passivo, cuja função principal é a de decidir. A maior parte da atividade processual é das partes. Prepondera o princípio dispositivo: maiores poderes às partes para a condução do processo.

inquisitorial: uma pesquisa oficial, sendo o órgão jurisdicional o grande protagonista do processo. A maior parte da atividade processual é do juiz. Prepondera o princípio inquisitivo: maiores poderes para o juízo na condução do processo.

Obs.: nenhum sistema é absolutamente adversarial ou inquisitorial. Há apenas a preponderância de um ou outro. Nada impede que o legislador, em um específico tema, opte pelo sistema adversarial e, em relação a outro tema, opte pelo sistema inquisitivo.

sistema cooperativo: prega uma nova dimensão do princípio do contraditório, inserindo o magistrado no diálogo processual, não mais como mero espectador de um duelo entre as partes. A condução do processo não é mais apenas das partes ou só do juiz. Passa a ser uma condução cooperativa, dos 3 sujeitos processuais, sem destaque para algum deles. É o modelo mais adequado para uma democracia. Há cooperação na condução do processo até o momento em que o juiz vai proferir a decisão, que continua sendo atividade dele exclusiva. A decisão judicial será fruto de atividade processual conduzida por todos os sujeitos processuais em cooperação. O princípio da cooperação torna devidos certos comportamentos das partes, inclusive do magistrado (esclarecimento, lealdade, proteção)
dever de lealdade: não litigar de má-fé (art. 17, CPC)
dever de esclarecimento: petições claras e coerentes, sob pena de inépcia (art. 295, parágrafo único, CPC)
dever de proteção: não causar danos à parte adversária (punição ao atentado, art. 879-881, CPC).

O juiz tem dever de esclarecimento e lealdade: oportunizar às partes a emenda a inicial (284, CPC); requerer esclarecimentos juntos as partes para evitar a prolação de decisões equivocadas; dever de proferir decisões claras (decisões obscuras são atacáveis mediante embargos de declaração – art. 535, I, do CPC). Deve apontar deficiências das postulações das partes para que possam ser supridas (é chamado também dever de prevenção).

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