A ré estava sendo processada, ainda em 2014, por apropriação indébita previdenciária supostamente ocorrida nos anos de 1994 a 1996.
O juiz federal havia rejeitado a denúncia e o Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito. A ré fora intimada a apresentar suas contrarrazões ao recurso da acusação, mas não foi encontrada. Procedeu-se à sua intimação por edital cujo resultado foi o decurso do prazo sem a apresentação das referidas contrarrazões. Diante disso, considerando a indisponibilidade da defesa técnica no âmbito do processo penal, o juiz de 1ª instância deveria ter remetido autos à Defensoria Pública da União para oferecimento da peça de defesa técnica recursal, mas não o fez e o processo foi ao TRF da 2ª região, sendo o recurso provido para determinar o recebimento da denúncia.
O processo voltou à 1ª instância onde seguiu seu curso normal, com citação, defesa escrita, audiência de instrução e julgamento e, finalmente, sentença condenatória, tendo a DPU apelado em favor da ré. O eminente defensor público federal Nícolas Bortolotti Bortolon suscitou ao juiz a nulidade, mas ele respondeu que não podia anular a decisão do tribunal, por uma questão de competência hierárquica.
Em razão disso e antes da instrução, o referido defensor público federal impetrou o Habeas Corpus nº 257.721-ES direto no STJ, pedindo a nulidade do acórdão do TRF2 que recebeu a denúncia, por ausência de contrarrazões ao recurso em sentido estrito do MPF. Os fundamentos principais foram as garantias da ampla defesa e do contraditório e a Súmula do STF, v. 523 e 707: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu” e “Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contra-razões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo”.
Com a nulidade do recebimento da denúncia - primeiro marco interruptivo da prescrição, a prescrição consumar-se-ia pela passagem de mais de 12 anos desde a consumação do crime.
O HC 257.721-ES não foi conhecido, mas a ordem foi concedida de ofício para anular o acórdão do TRF2 e declarar a prescrição da pretensão punitiva estatal.
Em nossa nota de aula sobre habeas corpus, já explicamos que embora a jurisprudência tradicional aceite o habeas corpus como sucedâneo recursal, a jurisprudência mais recente do STJ e do STF, pretendendo diminuir a quantidade de habeas corpus impetrados perante esses tribunais, vem adotando jurisprudência defensiva, de modo a não mais admitir a possibilidade de conhecer de habeas corpus como sucedâneo recursal. Mas, em caso de manifesta ilegalidade, porém, permite-se a concessão da ordem de ofício, como se deu no caso em comento:
“As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC n. 284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014, HC n. 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/8/2014, HC n. 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC n. 253.802/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014). II - Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício.” (STJ HC 290757 / SP, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fisher, unânime, DJe 22/10/2014).
“EMENTA Habeas corpus substitutivo de recurso extraordinário. Inadmissibilidade. Precedente da Primeira Turma. Flexibilização circunscrita às hipóteses de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia. Ocorrência. Prisão preventiva. Gravidade em abstrato do delito. Total de droga apreendida (9,95 gramas de maconha e cocaína) que não pode ser considerado como grande quantidade ao ponto de caracterizar uma maior periculosidade do paciente. Inidoneidade dos fundamentos adotados. Primariedade e bons antecedentes que favorecem o paciente, dadas as circunstâncias. Writ extinto, em face da inadequação da via eleita. Ordem concedida de ofício para se substituir a prisão cautelar do paciente por medidas cautelares dela diversas (CPP, art. 319). Prejudicialidade da questão relativa ao excesso de prazo. 1. Impetração manejada em substituição ao recurso extraordinário, a qual esbarra em decisão da Primeira Turma, que, em sessão extraordinária de 16/10/12, assentou, quando do julgamento do HC nº 110.055/MG, Relator o Ministro Marco Aurélio, a inadmissibilidade do habeas corpus nessa hipótese. 2. Nada impede, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal, quando do manejo inadequado do habeas corpus como substitutivo, analise a questão de ofício nas hipóteses de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia, como ocorreu na espécie. 3. Está sedimentado na Corte o entendimento de que a gravidade em abstrato do delito não basta para justificar, por si só, a privação cautelar da liberdade individual do agente. Precedentes. 4. A quantidade de droga apreendida (7,7 g de cocaína e 2,25 g de crack) não pode ser considerada relevante ao ponto de caracterizar uma maior periculosidade do paciente e de inviabilizar o seu direito de responder ao processo-crime em liberdade, mormente se se considera a notícia de ser ele primário e de bons antecedentes. 5. Não foi demonstrado pelo Juízo de piso que a liberdade do paciente pode causar perturbações de monta, ou que a sociedade estará desprovida de garantia para a sua tranquilidade, situações fáticas que, a meu ver, apontam para o verdadeiro sentido de ‘garantia da ordem pública’ – o acautelamento do meio social -, muito embora não haja definição precisa no ordenamento jurídico pátrio para esse conceito. 6. Writ extinto, por inadequação da via eleita. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para se determinar ao Juízo de piso que substitua a segregação cautelar do paciente pelas medidas cautelares dela diversas (CPP, art. 319) que entender pertinentes, ficando prejudicada, ademais, a questão relativa ao excesso de prazo.” (HC 121006 / MG, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 21/10/2014)
Pensamos que esse raciocínio de não conhecimento do habeas corpus e concessão da ordem de ofício não passa de uma desonestidade intelectual. Ora, é evidente que se não fosse o habeas corpus impetrado pela DPU, dificilmente o STJ tomaria conhecimento da ilegalidade para corrigi-la de ofício. Ademais, é o óbvio ululante que tudo o que pode ser concedido de ofício pelo juízo, também pode sê-lo mediante provocação. A não ser assim, "o sistema fica capenga", como diria o Ministro do STF Marco Aurélio.
Segue abaixo o inteiro teor do acórdão do STJ:
Segue abaixo o inteiro teor do acórdão do STJ:
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ResponderExcluirMuito obrigada !
Chris