JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL NO DIREITO COMPARADO
Nesta
parte da aula, trataremos do desenvolvimento do controle de
constitucionalidade no direito comparado, fazendo uma análise como o
modelo se desenvolveu nos Estados
Unidos,
como depois se desenvolveu no modelo
Europeu
e como se seguiram as adaptações desses dois modelos no mundo.
O
primeiro modelo de controle de constitucionalidade – estamos a
falar do controle JUDICIAL de constitucionalidade – é o modelo
americana que, segundo alguns, constou da Constituição americana
ou, segundo outros, que foi desenvolvido a partir de uma
interpretação da própria Corte Suprema americana. A disputa, hoje,
não tem nenhum significado, pois a partir do célebre caso
Marbury vs Madison,
passou-se a admitir o controle judicial de constitucionalidade, isto
é, o juiz pode no caso concreto fazer a verificação sobre a
constitucionalidade ou não da lei, a compatibilidade ou não da lei
com a Constituição.
O
modelo americano é chamado de controle
concreto ou
controle incidental.
Até como um elemento de controle da atividade política do juiz, o
Judiciário, aqui, só pode se pronunciar em concreto. Havendo
necessidade de que a lei tenha de ser aplicada em um caso concreto e
existindo dúvida quanto a sua compatibilidade com a Constituição.
![]() |
| Suprema Corte dos Estados Unidos da América |
A
situação mais comum é aquela em que o juiz se depara com uma
demanda em que temos como partes “A” e “B”. “A” diz ter
um direito em face de “B” e se baseia na lei “L”. “B” diz
que esse direito não pode ser exercido porque a lei “L” é
inconstitucional. Portanto, para que o juiz decida essa controvérsia,
é essencial que ele resolva a chamada controvérsia incidental que
se coloca, um juízo incidental ou também chamado de prejudicial. É
preciso que o juiz diga se a lei “L” é constitucional ou não
para dizer se “B” tem razão.
Esse
modelo passou a ser o grande modelo de controle de
constitucionalidade atribuído a um célebre juiz da Suprema Corte
americana chamado John Marshal. Ele é considerado o pai da judicial
review,
o pai do controle de constitucionalidade incidental. Esse modelo é
chamado também de controle
difuso de constitucionalidade (terminologia
de Mauro Capeletti). Isto porque, em geral, quando se adota esse
modelo, nós temos o reconhecimento de que qualquer juiz ou tribunal
competente para dirimir uma dada controvérsia jurídica o será
também para dirimir a questão constitucional. Logo, os juízes ou
tribunais competentes para decidir uma dada controvérsia serão
também competentes para dirimir a questão constitucional que se
coloca. Esse é o referencial básico.
Esse
modelo vai se contrapor ao modelo europeu, de perfil concentrado,
onde haverá um órgão para resolver a controvérsia constitucional.
O
modelo americano/incidental/difuso tem características que precisam
ser explicitadas. Uma delas decorre do fato de que esse modelo se
desenvolveu numa ambientação do direito comum – common
law
– a ideia do direito anglo saxão, o qual tem base forte na
jurisprudência, em decisões tomadas caso a caso. As decisões dos
tribunais vinculam as instâncias inferiores. O caráter vinculante
da decisão é chamado pelos americanos e ingleses de “estare
decisis” (do
latim: a “ficar com as coisas decididas”).
Nesse modelo, quando a Suprema Corte declara a inconstitucionalidade
de uma lei, tal decisão não lhe retira a vigência, mas vincula as
instâncias inferiores, que não mais poderão aplicar essa lei, não
por força do sistema de controle de constitucionalidade, mas sim do
stare
decisis,
da vinculação das instâncias inferiores às superiores.
Uma
outra percepção do modelo americano diz respeito a necessidade de
que interessados participem do processo de controle de
constitucionalidade. Uma decisão em caso concreto, em princípio,
teria apenas o efeito de resolver a controvérsia entre as partes.
Mas, se aquela decisão tem efeito vinculante, evidente que aquela
decisão de alguma forma vai afetar outros interesses e causas
idênticas, as quais serão resolvidas de forma idêntica àquela
primeira causa resolvida pela Suprema Corte.
Várias
pessoas que têm processos idênticos àquele que está sendo
discutido na Suprema Corte passam a se interessar pela participação
naquele julgamento, porque vão dizer que a parte que levou esse caso
a Suprema Corte não adotou todos os argumentos que existem. E porque
estão interessadas em levar outros argumentos? Porque sabem que
decidida a questão pela Suprema Corte, o destino de sua causa também
estará, em princípio, selado, resolvido, por força do stare
decisis.
E
como fazem isso? Valendo-se de um instituto muito comum no direito
americano e já incorporada ao direito brasileiro: a figura do amicus
curiae.
Se eu tenho uma causa idêntica àquela que será julgada pelo
tribunal e tenho interesse em levar argumentos novos para ajudar o
tribunal a refletir, eu tenho que me habilitar naquele processo na
condição de amicus
curiae.
Ou as vezes pode-se desejar levar uma informação científica,
ética, ou coisa do tipo, também é possível habilitar-se como
amicus
curiae.
Há processos no STF que chegam a ter 70 habilitados como amicus
curiae.
Se,
inicialmente, nesse processo inter partes, porque tantos interessados
se habilitam nesse processo? Se a decisão da Suprema Corte não é
dotada apenas de efeitos inter partes, é natural que todas as
pessoas que possam ser afetadas por essa decisão busquem esclarecer,
fundamentar, provocar a Suprema Corte para que ela se pronuncie sobre
esse tema, com a melhor argumentação possível, pois sabem que
depois da decisão, será extremamente difícil rever a orientação
dada pela Suprema Corte. Se não habilitarem-se, podem, como se
costuma dizer em tom de brincadeira, ter perdido
seu processo com o pescoço alheio.
Assim,
apesar de aprendermos que o sistema de controle de
constitucionalidade americano decide à luz do caso concreto, essa
característica de alguma forma se esvai, pois a Suprema Corte acaba
apreciando aspectos diversos daquela situação concreta.
Outra
figura muito comum ao processo de controle de constitucionalidade
americano é o chamado writ
of certiorari.
É
um processo de admissibilidade do recurso que se baseia na ideia de
relevância da questão constitucional ou da questão federal (a
Suprema Corte americana também analisa direito federal) e a Corte
pode então admitir ou rejeitar. Se ela rejeita, não há mais
possibilidade de conhecimento daquela controvérsia. Se ela aceita,
assegura a admissibilidade via writ of certiorari, ela poderá então
conhecer da questão, pois a considerou relevante, bastando o voto de
4 juízes da Suprema Corte (dos nove) Corte americana para a admissão
do writ of certiorari.
Após
a admissão, a Suprema Corte passa a analisar a admissão de pedidos
de outros interessados em habilitar-se como amicus curiae.
Nota-se
que o processo constitucional americano vai ganhando uma conotação
que de algum modo não guarda relação com um processo estritamente
subjetivo. A verdade é que especialmente no âmbito da Suprema
Corte, embora adstrito a resolução de um caso concreto, tem em
vista resolver não apenas a controvérsia concreta, mas toda a
temática que existe sobre aquela questão constitucional. Por isso,
não são poucos os autores que dizem que o processo constitucional
americano tem uma feição objetiva, pois se volta para resolver a
polêmica de forma geral.
O
writ of certiorari explica porque a Suprema Corte americana tem um
universo tão pequeno de demandas, pois a Suprema Corte tende a
selecionar um dado número de demandas por ano. Por isso choca quando
lidamos com informações no sentido de que a Suprema Corte americana
julgou, por exemplo, 100 casos por ano, enquanto que no Brasil, no
mesmo ano, o STF julgou mais de 100 mil casos.
Por
outro lado, é certo também que aquele caso selecionado é
representativo de uma série de casos idênticos que não irão a
Suprema Corte. Quando muito, aqueles interessados participarão do
processo paradigma como amicus
curiae.
Agora,
tratemos do modelo que é hoje reconhecido como um contraponto ao
modelo americano, que é chamado também de modelo europeu de
controle de constitucionalidade ou, ainda, o modelo
concentrado de controle de constitucionalidade.
Alguns dizem modelo
Kelseneano de controle de constitucionalidade
ou, ainda, modelo
austríaco de controle de constitucionalidade.
Diferente
do que ocorre no sistema americano, no modelo europeu, vai se
reconhecer a um tribunal apenas, o monopólio da censura. O juiz
competente para a dirimir uma controvérsia judicial NÃO o será
para dirimir a controvérsia constitucional, a qual terá que ser
levada para a Corte Constitucional. Somente a Corte Constitucional
tem a competência para declarar a inconstitucionalidade de uma lei.
Se
o juiz, no processo concreto entender que uma lei é
inconstitucional, ele suspende o processo e remete a indagação
sobre a constitucionalidade da lei à Corte Constitucional. A
referida corte dirá se a lei é ou não inconstitucional e, após,
devolverá o caso para o juiz decidir a questão principal,
vinculando-se a conclusão da Corte Constitucional quanto a
inconstitucionalidade ou não da lei.
Perceba-se
que o chamado modelo europeu de alguma forma traduz o mesmo
pensamento dominante no sistema americano: há um juiz competente, a
constituição é suprema, tem que ser aplicada, mas ele traz uma
crítica ao modelo americano, porque nesse modelo, não é qualquer
juiz ou tribunal competente para a declarar a inconstitucionalidade.
Esse
modelo teve a primeira implementação na Áustria,
graças a grande influência de Kelsen, grande defensor desse modelo.
Ao
lado do processo de controle concreto, o modelo de controle
concentrado o chamado processo de controle
abstrato de normas.
Alguns entes e órgãos (Governo provincial, Governo Central,
minorias parlamentares) poderão provocar a Corte Constitucional, sem
nenhuma razão específica, a fim de apreciar a constitucionalidade
de uma lei.
Esses
dois processos básicos vão dominar a cena de processo de controle
concentrado de constitucionalidade. O modelo concreto, em que o juiz
suspende o processo e a Corte Constitucional decide a questão
constitucional, e o modelo abstrato, no qual a Corte é provocada por
legitimados para decidir em abstrato a constitucionalidade de uma
norma.
Quando
chega, nos anos 50, o
modelo alemão de controle de constitucionalidade,
que vai se filiar ao modelo austríaco, surge um terceiro instrumento
de controle de constitucionalidade que é o chamado recurso
constitucional ou
ação
constitucional
ou recurso
de amparo
(modelo espanhol), que vai permitir que o indivíduo possa alegar
lesão a direitos fundamentais a partir de uma verificação por
parte da lei. Só que nesse modelo, a alegação só se faz após
exauridas todas as instâncias ordinárias. Esse instrumento é
bastante utilizado para o controle de constitucionalidade de leis
face dos direitos fundamentais.
![]() |
| Juízes da Corte Constitucional da Alemanha |
![]() |
| Corte Constitucional da Alemanha |
Se
olharmos para o modelo europeu, na perspectiva da constituição
alemã, talvez a mais completa hoje no sistema concentrado, temos o
processo de controle concreto,
o
processo de controle abstrato
e o
recurso constitucional.
Esses
dois modelos básicos referidos – americano e europeu – ganharam
o mundo. Nós mesmos no Brasil vamos adotar inicialmente, a partir da
Constituição de 1891, o modelo americano de controle de
constitucionalidade ou controle incidental. Depois, demos passos no
sentido de incorporar também características do modelo europeu,
especialmente com as ações diretas. A américa do sul, de modo
geral e inicialmente, adotou o modelo americano.
Já
outros países como Espanha, Itália e Portugal adotaram o modelo de
controle concentrado.
Nos
anos mais recentes, com a queda do muro de Berlim e a democratização
dos países do leste europeu, temos um quadro com grande mudança.
Muitos países que estavam submetidos à tutela da União Soviética
agora tornam-se países independentes, perfilhando modelos políticos
mais variados. Em geral, esses países perfilharam o modelo da Corte
Constitucional. Se inicialmente eram poucas as cortes
constitucionais, hoje são muitos os países dotados de cortes
constitucionais: Polônia, Hungria, todos os países oriundos da
antiga União Soviética. Inclusive na américa (Chile, Colômbia)
Desenvolveram-se
também os modelos
mistos,
ou seja, que congregam elementos do sistema americano e europeu. Um
dos mais famosos modelos mistos é o modelo
português.
A Constituição Portuguesa de 1911, que é a constituição que
consagra a república em Portugal, vai adotar como instrumento de
controle de constitucionalidade o modelo americano, por influência
da doutrina brasileira emanada especialmente da pena de Rui Barbosa.
A Constituição brasileira de 1891 foi muito estudada em Portugal a
partir do trabalho de Rui Barbosa, que escreveu clássicos sobre o
assunto e esses elementos vão ser incorporados em Portugal. De
alguma forma, essa cultura substituiu, de modo que Portugal, agora,
vai adotar uma corte constitucional, mantendo, porém, o controle
concreto.
![]() |
| Supremo Tribunal de Justiça de Portugal |
Outro
modelo misto importante que merece ser estudado é o modelo
brasileiro. É o modelo, no qual, inicialmente, nós tentamos
reproduzir o sistema americano (do caso concreto).
A
partir de 1934, começam a se desenhar, especialmente em razão das
controvérsias federativas, as ações
diretas.
E, depois, chegamos ao controle abstrato.
Quando
chegamos em 1988, acabamos por adotar um
modelo que é misto:
tem o controle concreto de índole americana e temos várias ações
diretas por influência do modelo europeu (ADI, ADC e ADPF). Hoje, o
Brasil se destaca entre os mais eminentes integrantes desta filiação
mista.
Há
modelos que tentam de alguma forma se especializar-se sem serem
modelos puramente políticos de controle de constitucionalidade, como
o modelo
francês, que
confere ao Conselho Constitucional a competência para fazer o
controle preventivo de constitucionalidade, admitindo-se, também o
controle repressivo de constitucionalidade, especialmente quando o
tema envolve direitos fundamentais.
Em
linhas gerais, são essas as considerações sobre a evolução ou os
modelos de controle de constitucionalidade.
- Formação de dois blocos:
- a) modelo americano
- b) modelo europeu;
- Intermediação dos modelos mistos de controle de constitucionalidade
- a) modelo português
- b) modelo brasileiro
- Conselho Constitucional Francês.
*Escrevi o presente resumo tomando por base aula proferida pelo professor e Ministro do STF Gilmar Mendes no programa "Saber Direito" veiculado no TV Justiça.




Nenhum comentário:
Postar um comentário