sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Decisões relevantes - Em ACP proposta pelo MPF, Justiça Federal reconhece a ilegalidade do prazo de 120 dias para requerimento de seguro-desemprego. (Sentença inteiro teor)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5009237-73.2014.404.7100/RS
AUTOR  :  MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU  :  UNIÃO

SENTENÇA

I - Relatório:

O MINISTÉRIO  PÚBLICO  FEDERAL ajuizou  ação  civil  pública contra a UNIÃO, postulando provimento jurisdicional que:

a) declare ilegais os prazos finais fixados no art. 14, caput, da Resolução CODEFAT 467/05 e  no  art.  7º  da  Resolução  CODEFAT  306/02  para  protocolo  do  requerimento  do seguro-desemprego;
b)  determine  à  União  que  se  abstenha  de,  mantidos  os  termos  da  Lei  7.998/90,  indeferir  o  benefício de seguro-desemprego de que tratam o seu art. 2º, inciso I, e art. 2º-C em razão do  escoamento de prazos para o protocolo do respectivo requerimento, desde que mantidas todas  as condições legais para percepção do auxílio;
c) fixação de multa diária no valor de R$ 50.000,00, a ser revertida para o Fundo de Defesa  dos Direitos Difusos para o caso de descumprimento da sentença (art. 13 da Lei n.º 7.347/85). Narrou, em síntese, que o Ministério do Trabalho tem indeferido os  requerimentos  de  seguro-desemprego  formulados  após  os  prazos  de  120  e  90  dias, contados da rescisão do contrato de trabalho ou do resgate do trabalhador da  situação análoga  à de escravo, nos termos previstos nas Resoluções CODEFAT  467/05 e 306/02. Defendeu a ilegalidade das resoluções, por excesso de poder,  tendo em vista que a Lei n.º 7.998/90 não menciona qualquer data limite para o  requerimento  do  seguro-desemprego,  limitando-se  a  afirmar  que  pode  ser  requerido a partir do sétimo dia subsequente à rescisão do contrato de trabalho.

Aduziu  que 'jamais  poderá  o  administrador,  no  exercício  de  função  normativa  secundária, expedir atos que confrontem ou estejam à margem das leis  formais  regulamentadas'.  Asseverou  que  o  direito  ao  seguro-desemprego  independe  da  atualidade da demissão ou do resgate do trabalhador.  Ponderou que se trata de  direito  fundamental  social,  que  não  pode  sofrer  restrição  por  ato  normativo  secundário. Alegou  que 'o objetivo da Lei 7.998/90 é conferir auxílio financeiro  ao  trabalhador  dispensado  sem  justa  causa,  mas  não  apenas  àqueles  recentemente demitidos ou resgatados. Isto não se infere da lei em questão. Em  realidade  ela  não  traça  qualquer  distinção  entre  trabalhadores  recente  ou  remotamente demitidos ou resgatados. A lei não diz proteger apenas o primeiro  caso  e  qualquer  inferência  em  contrário  será  ir  além  do  que  ela  estabelece'.  Invocou  a  jurisprudência  do  Tribunal  Regional  Federal  da  4ª  Região  para  amparar a tese exposta.

Por  fim,  discorreu  sobre  a  eficácia  subjetiva  da  sentença,  defendendo  a  impossibilidade  de  limitação  dos  seus  efeitos  à  circunscrição  territorial do órgão prolator de sentença em ação civil pública. Argumentou que a  jurisprudência  do  Superior  Tribunal  de  Justiça  tem  evoluído  no  sentido  de  desfazer 'a  confusão  terminológica  que  deu  origem  à  interpretação  de  que  o  provimento  jurisdicional  em  Ação  Civil  Pública  apenas  irradia  efeitos  nos  limites da competência territorial do órgão prolator'. Uma vez que não se pode  admitir  que  se  reconheça  a  ilegalidade  da  conduta  administrativa  apenas  em  Porto Alegre  -  ou na 4ª Região  -, sustentou que 'a coisa julgada encontrará seu  limite  subjetivo  em  tantos  quantos  forem  os  trabalhadores  demitidos  sem  justa  causa ou resgatados de situação análoga à de escravo que pretendam receber as  parcelas  do  seguro-desemprego  após  os  prazos  fixados  nas  resoluções  do  CODEFAT'.  Isso  porque 'não  se  pode  cogitar  que  essa  prerrogativa  seja  conferida apenas a parte dos trabalhadores brasileiros segundo o território onde  vivam'.

A  União  foi  citada  e  contestou  a  ação  (ev.  7).  Em  preliminar,  defendeu que, nos termos do art. 16 da Lei n.º 7.347/1985, com a redação que lhe  foi dada pela Lei n.º 9.494/97, 'a sentença civil fará  coisa julgada erga omnes,  nos limites da competência territorial do órgão prolator'.

Afirmou que ainda não  estão  superados  os  precedentes  jurisprudenciais  que  aplicam  textualmente  o  dispositivo  em  questão.  No  mérito,  pugnou  pela  improcedência  do  pedido.  Afirmou  que  o  objetivo  do  seguro  desemprego  é 'possibilitar  o  sustento  do  trabalhador e de sua  família por um período máximo de cinco meses, acaso o  empregado seja demitido sem justa causa', não sendo apenas um benefício, mas  um conjunto de ações integradas voltadas ao atendimento do trabalhador.

Referiu  que o benefício é pago com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT,  vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, e que sua gestão é atribuída ao  Conselho Deliberativo do Fundo de  Amparo ao Trabalhador  -  CODEFAT, que  possui  poder  regulamentar  expressamente  atribuído  pelo  art.  19,  V,  da  Lei  n.º  7.998/1990.  Alegou  que  as  resoluções  do  CODEFAT,  ao  estipularem  prazo  máximo  para  requerimento  do  benefício,  não  desbordaram  do  poder  regulamentar,  pois 'o  legislador  não  tem  a  faculdade  de  imaginar  todas  as  situações  possíveis  de  serem  tuteladas  ou  disciplinadas  para  enquadrá-las  na  norma  legal',  sobretudo  porque  a  Lei  confere  ao  CODEFAT  a  atribuição  de  estabelecer  as  regulamentações  necessárias  ao  cumprimento  da  Lei  para  a  execução do programa. Em virtude das resoluções, o trabalhador dispensado sem  justa  causa  pode  apresentar  o  requerimento  de  seguro-desemprego  a  partir  do  sétimo dia posterior à dispensa, até o 120º dia posterior ao desligamento; no caso  do trabalhador submetido à condição análoga à de escravo, o trabalhador terá o  prazo de até 90 dias, a partir do resgate, para requerer o benefício.

Sustentou que  a  regulamentação  respeita  a  Lei  de  regência,  é  razoável,  proporcional  e  necessária, porquanto 'não existe nada mais lógico do que estipular um prazo, a  contar  da  dispensa,  ou  do  evento  ensejador  do  deito  à  percepção  do  seguro-desemprego,  para  que  o  benefício  seja  requerido  perante  a  Administração'.  Aduziu  que  a  Administração 'não  pode  ficar  indefinidamente  à  mercê  de  o  trabalhador  exercer  o  seu  direito  à  requisição  do  benefício' .  Por  fim,  argumentou  que  há  representação  dos  trabalhadores  na  gestão  do  CODEFAT,  que participaram da elaboração das resoluções, com direito a voz e a voto.

O  MPF  ofertou  réplica  (ev.  7),  por  meio  da  qual  reiterou  os  argumentos  expostos  na  inicial,  especialmente  acerca  do  alcance  subjetivo  da  demanda. Sem necessidade de dilação probatória, os autos vieram conclusos  para sentença.

É o relatório.

Passo a decidir.

II - Fundamentação:

II.1. Questões preliminares:

Antes  de  adentrar  no  mérito,  cabe  a  análise  de  algumas  questões  preliminares, para evitar futuras controvérsias.

Competência do Juízo

Embora  o  desemprego  involuntário  seja  risco  coberto  pela  previdência social, nos termos do art. 201, III, da Constituição, não é benefício  pago pelo Regime Geral de Previdência Social, na forma do art. 9º, § 1º, da Lei  n.º 8.213/1991. O benefício é regido pela Lei n.º 7.998/1990. Em virtude disso,  firmou-se  o  entendimento  de  que  se  trata  de  matéria  administrativa,  de  competência  das  Varas  Cíveis  e  das  Turmas  da  Segunda  Seção  do  Tribunal  Regional Federal da 4ª Região (TRF4, CC 2009.04.00.020410-1, Corte Especial,  Relator  Tadaaqui  Hirose,  D.E.  30/10/2009).  Assim, correta  a  distribuição  do  feito perante este Juízo.

Legitimidade ativa do MPF e cabimento da ação civil pública

O  Ministério  Público  Federal  possui  legitimidade  para  defender,  por  meio  de  ação  civil  pública,  interesses  individuais  homogêneos,  acaso  evidenciado interesse social relevante, como no caso dos autos. Nesse sentido:

AGRAVO.  CONSTITUCIONAL.  PREVIDENCIÁRIO.  AÇÃO  CIVIL  PÚBLICA.  MPF.  LEGITIMIDADE ATIVA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. ADEQUAÇÃO DA VIA  ELEITA.  BENEFÍCIOS  PREVIDENCIÁRIOS  E  ASSISTENCIAIS  DE  VALOR  MÍNIMO.  ANTECIPAÇÃO  DE  TUTELA.  REQUISITOS.  1. O  Ministério  Público  Federal  tem  legitimidade  para  ajuizar  ação  civil  pública  em  defesa  de  direitos  individuais  homogêneos,  desde  que  evidenciado  interesse  social  relevante,  como  no  caso  dos  autos.  Precedentes  do  STF e desta Corte. 2. Estando-se diante de situação que afeta interesses sociais e individuais  indisponíveis,  a  ação  civil  pública  revela-se  via  processual  adequada. (...)  (TRF4,  AG  5012046-30.2013.404.0000, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos  em 06/09/2013)
PREVIDENCIÁRIO.  AÇÃO  CIVIL  PÚBLICA.  MINISTÉRIO  PÚBLICO  FEDERAL.  LEGITIMIDADE ATIVA. INTERESSE DE AGIR. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.  AUSÊNCIA DE PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. DESCUMPRIMENTO DE NORMAS  DE  CUNHO  CONSTITUCIONAL.  DIGNIDADE  DA  PESSOA  HUMANA,  LEGALIDADE  E  EFICIÊNCIA.  MANUTENÇÃO  DE  PERITOS  MÉDICOS  DO  INSS  EM  NÚMERO  SUFICIENTE.  PRAZO  DE  45  (QUARENTA  E  CINCO)  DIAS  PARA  REALIZAÇÃO  DAS  PERÍCIAS.  VIABILIDADE.  1.  Consoante  iterativa  jurisprudência  do  Supremo  Tribunal  Federal,  ao  Ministério  Público  é  dado  promover,  via  ação  coletiva,  a  defesa  de  direitos  individuais  homogêneos,  porque  tidos  como  espécie  dos  direitos  coletivos,  desde  que  o  seu  objeto se revista da necessária relevância social. 2. Deve ser afastada a carência de ação por  falta  de  interesse  de  agir,  visto  que  há  resistência  na  pretensão  deduzida  em  juízo  pelo  Ministério  Público  Federal,  com  o  intuito  de  zelar  pela  eficiência  da  prestação  do  serviço  público,  de  forma  efetiva,  conferindo  adequada  aplicabilidade  ao  art.  37  da  Constituição  Federal.  3.  Inconsistente  a  alegação  de  impossibilidade  jurídica  do  pedido,  haja  vista  a  possibilidade  de  controle  da  Administração  e  de  suas  políticas  pela  via  judicial,  quando  necessário à tutela de direitos fundamentais. 4. Evidenciada grave situação, consolidada pela  falta do mínimo existencial em relação aos serviços públicos prestados pela Autarquia Federal,  haja vista a carência de  profissionais no quadro de peritos do INSS, inviabilizando o exercício  de  direitos  constitucionalmente  assegurados  a  pessoas  que  se  encontram  impossibilitadas  de  trabalhar  por  motivo  de  enfermidade,  impõe-se  a  correção  da  situação.  5.  Hipótese  em  que  caracterizado  descumprimento  de  normas  de  cunho  constitucional,  como  os  princípios  da  legalidade e da eficiência, o que clama a intervenção do Poder Judiciário, a fim de equilibrar a  situação,  garantindo  a  dignidade  da  pessoa  humana.  6.  Deve  o  INSS  manter,  de  forma  permanente  e  em  número  suficiente,  profissionais  habilitados  para  a  realização  de  perícias  médicas  indispensáveis  à  análise  dos  pedidos  de  benefícios  previdenciários,  no  prazo  de  45  (quarenta e  cinco)  dias,  contados  da  data  do  agendamento  inicial,  sob  pena  de  implantação  automática.  (TRF4,  APELREEX  5004831-56.2012.404.7010,  Quinta  Turma,  Relator  p/  Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 16/07/2014)

Assenta-se,  pois,  a  legitimidade  ativa  e  o  cabimento  da  ação  proposta.

Abrangência subjetiva da sentença

Questão ainda polêmica é o alcance da sentença proferida em ação  civil  pública  em  casos  que  tais.  Não  se  desconhece  a  jurisprudência  atual  das  Turmas integrantes da Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região  de  que a sentença proferida em ação civil pública alcança apenas a competência  territorial  do  órgão  prolator  (dentre  outros,  TRF4  5043804-04.2012.404.7100,  Terceira  Turma,  Relator  p/  Acórdão  Carlos  Eduardo  Thompson  Flores  Lenz,  juntado  aos  autos  em  04/04/2013;  TRF4,  AG  5014318-94.2013.404.0000,  Terceira  Turma,  Relator  p/  Acórdão  Fernando  Quadros  da  Silva,  D.E.  17/10/2013).

Não  obstante,  o  Superior  Tribunal  de  Justiça,  em  casos  mais  recentes, tem decidido pela possibilidade de abrangência nacional em ação civil  pública. Cito, por exemplo, o REsp n.º 1.243.386/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi,  julgado em 12 de junho de 2012. Transcrevo parte do voto-condutor, in verbis:

'Conquanto  a  Corte  Especial  tenha  modificado  o  entendimento  que  eu  defendera  quanto  a  matéria, a questão ainda se manteve atual e efervescente. Tanto que a doutrina permaneceu a  debatê-la e, recentemente, ela novamente foi aberta e rediscutida pela Corte, por ocasião do  julgamento do Recurso Especial em Controvérsia Repetitiva nº 1.247.150/PR (Cort e Especial,  Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ de 12/12/2011), julgado nos termos da seguinte ementa:
(...)
Ao ensejo da reabertura de tal discussão, entendo ser pertinente reafirmar meu entendimento  acerca  da  matéria,  pelos  mesmos  fundamentos  que  defendi  quando  do  julgamento  do  mencionado REsp 411.529/SP. Com efeito, naquela oportunidade ponderei:
'II - Mérito
(...)
II.2  -  A  irrelevância  do  art.  16  da  LACP  para  limitar  a  eficácia  da  sentença,  dada  a  independência de seus efeitos em relação à coisa julgada. Novamente formulando um argumento subsidiário, vale ressaltar que, ainda que se entenda que  o art. 16 da LACP pode estender sua eficácia também às hipóteses de Ação Civil Pública na  qual se busque a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, ainda assim essa norma  jamais terá o condão de limitar a eficácia da sentença proferida em tal ação. Isso porque, ao estabelecer que a sentença 'fará coisa julgada nos limites territoriais do órgão  prolator', a referida  norma  acabou por regular  apenas  e tão  somente  o  fenômeno da  coisa  julgada, que é absolutamente distinto da eficácia da sentença.
A constatação da independência entre a eficácia da sentença e a eficácia da coisa julgada não  é nova, e resta cediça no direito processual civil brasileiro. Sua defesa originária foi feita por  ENRICO  TULLIO  LIEBMAN,  para  quem  a  eficácia  da  sentença  consubstanciaria  os  efeitos  modificativos do mundo jurídico promovidos por esse ato judicial, enquanto eficácia da coisa  julgada seria meramente a imutabilidade conferida a tais efeitos em decorrência do trânsito em  julgado da  decisão.  Nesse  sentido, confiram-se  as  palavras do ilustre professor  italiano,  que  tanto  influenciou  o  direito  processual  civil  brasileiro  (LIEBMAN,  Enrico  Tullio,  Eficácia  e  Autoridade  da  Sentença  e  outros  escritos  sobre  a  coisa  julgada,  3ª  Edição,  Forense,  Rio  de  Janeiro, 1984, pág. 170):
'I  - A  declaração  oriunda  da  sentença,  assim  como  seus  outros  efeitos  possíveis,  pode
conceber-se e  produzir-se independentemente  da  coisa  julgada;  na  aptidão  da  sentença em  produzir  os  seus  efeitos  e  na  efetiva  produção  deles  (quaisquer  que  sejam,  segundo  o  seu  conteúdo) consiste a sua eficácia, e esta se acha subordinada à validade da sentença, isto é, à  sua conformidade com a lei.
II - A eficácia da sentença, nos limites de seu objeto, não sofre nenhuma limitação subjetiva;  vale em face de todos.
III  -  A  autoridade  da  coisa  julgada  não  é  efeito  ulterior  e  diverso  da  sentença,  mas  uma  qualidade  dos  seus  efeitos  e  a  todos  os  seus  efeitos  referente,  isto  é,  precisamente  a  sua  imutabilidade. Ela está limitada subjetivamente só às partes do processo.'
Dessa lição, extraem-se três noções fundamentais: (i) a eficácia da sentença, por ser distinta  da eficácia da coisa julgada, se produz independentemente desta;  (ii) a eficácia da sentença,  desde que não confundida com a figura do trânsito em julgado, não sofre qualquer limitação  subjetiva: vale perante todos; (iii) a imutabilidade dessa eficácia, ou seja, a impossibilidade de  se  questionar  a  conclusão  a  que  se  chegou  na  sentença,  limita-se  às  partes  do  processo
perante as quais a decisão foi proferida, e só ocorre com o trânsito em julgado da decisão. Assim, ainda que o objetivo do legislador, ao criar o art. 16 da LACP, fosse o de efetivamente  limitar a eficácia da sentença ao território em que seria competente o juiz que a prolatou, esse  escopo  não  foi  atingido  pela  norma  da  forma  como  ela  restou  redigida.  Ao  dizer  que  'a  sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão  prolator', tudo  o  que  o legislador logrou êxito  em  fazer  foi  definir  que  a  sentença,  em que  pese  estender  seus  efeitos  a  todo  o  território  nacional,  não  poderá  ser  questionada  em  nenhuma demanda futura a ser decidida dentro da base territorial mencionada na lei. Nada  mais que isso.
Os efeitos da sentença, portanto, tanto principais (representados pela existência do elemento  declaratório característico de toda a decisão judicial) como secundários (representados pela  criação  do  título  executivo  nas  ações  condenatórias),  estendem-se  a  todos  os  terceiros  que  eventualmente se beneficiariam com a decisão.' Em adição, algumas ponderações devem ser feitas acerca do dispositivo contido no art. 2º-A da 
Lei 9.494/97. Referida norma dispõe: Art.  2º-A  A  sentença  civil  prolatada  em  ação  de  caráter  coletivo  proposta  por  entidade  associativa,  na  defesa  dos  interesses  e  direitos  dos  seus  associados,  abrangerá  apenas  os  substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência  territorial do órgão prolator.
Referida  norma,  ao  tratar  de  substituição  processual,  claramente  se  destina  à  regulação  de  ações coletivas ajuizadas para a defesa de direitos individuais homogêneos. Contudo, em que  pese  falar  de  substituição  processual,  ela  dispõe  sobre  ações  coletivas  propostas  visando  à  tutela de interesses, não de uma coletividade indeterminada, mas dos associados da instituição  autora.
Destarte, essa disposição legal não terá o condão de alterar as conclusões a que se chegou até  aqui. Isso porque, ao tratar de ação de caráter coletivo, proposta por entidade associativa, na  defesa dos interesses de seus associados, a lei claramente exclui de sua incidência o processo  sob julgamento.
Não  obstante  esta  ação  tenha  sido  proposta  por  Sindicatos  e  a  ela  tenham  aderido  outras  instituições  da  mesma  natureza,  a  presente  ação  não  foi  proposta  exclusivamente  para  a  defesa  dos  interesses  trabalhistas  dos  associados  da  entidade.  Ela  foi  ajuizada  objetivando  tutelar,  de  maneira  ampla,  os  interesses  de  todos  os  produtores  rurais  que  laboram  com  sementes transgênicas de Soja RR, ou seja, foi proposta para a tutela de interesse de toda a  categoria  profissional,  independentemente  de  sua  condição  de  associado  de  cada  titular.
Referida  atuação  é  possível  e  vem  sendo  corroborada  pela  jurisprudência  do  STF  há  muito  tempo, do que são exemplos o AgRg no RE 555.720 (Rel. i. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma,  DJE de 21/11/2008 e o AgRg no RE 217.566 (Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma DJE de  3/3/2011). A limitação do art. 2-A, da Lei nº 9.494/97, portanto, não se aplica.
Importante  frisar  que  especialmente  na  hipótese  sob julgamento é  importante  que  a  eficácia  das decisões se produza de maneira ampla. Não é possível conceber uma tutela jurídica que  isente apenas os produtores  do Rio Grande do Sul do pagamento dos royalties pela utilização  de  soja  transgênica.  Independentemente  de  qualquer  ponderação  sobre  o  mérito  da  legitimidade de tal cobrança, a eventual isenção destinada apenas a um grupo de produtores  causaria um desequilíbrio substancial no mercado atacadista de soja.
Forte nessas razões, conheço de ambos os recursos especiais, nego provimento ao recurso da Monsanto e dou provimento ao recuso dos Sindicatos.' - grifei

Note-se  que  a  ação  fora  ajuizada  por  Sindicato  e  mesmo  assim  o  STJ  estendeu  a  eficácia  da  sentença  a  todo  o  território  nacional. Igual  entendimento  foi  manifestado  no  REsp  n.º  1.320.693/SP,  julgado  em  27  de  novembro de 2012, Relator o Min. Mauro Campbell Marques, cuja ementa é a  seguinte:

ADMINISTRATIVO.  PROCESSUAL  CIVIL.  IMPROBIDADE  ADMINISTRATIVA.  PRIVATIZAÇÃO DA ELETROPAULO. RECURSOS ESPECIAIS. CONEXÃO. COMPETÊNCIA  FUNCIONAL  PARA  PROCESSAMENTO  E  JULGAMENTO  DA  DEMANDA.  DANO  DE  NATUREZA  NACIONAL.  MAGNITUDE  DOS  INTERESSES  ENVOLVIDOS.  FORO  DE  ESCOLHA  DO  AUTOR  DA  AÇÃO  CIVIL  PÚBLICA.  JUÍZO  FEDERAL  DE  SÃO  PAULO.  SEDE DA EMPRESA PRIVATIZADA. OPÇÃO QUE FACILITA O EXERCÍCIO DO DIREITO  DE DEFESA DOS RECORRENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1.  Os  recursos  especiais  1.326.593,  1.327.205,  1.320.693,  1.320.694,  1.320.695,  1.320.697,  1.320.894 e 1.320.897, todos submetidos a minha relatoria, são conexos porque são resultantes  do  inconformismo  em  face  do  entendimento  firmado  pelo  Tribunal  Regional  Federal  da  3ª  Região no sentido de que é a subseção judiciária federal do Rio de Janeiro aquela competente  para  instrução  e  julgamento  da  ação  civil  pública  por  improbidade  administrativa  nº  2004.61.00.020156-5.  Por  essa  razão,  nos  termos  do  art.  105  do  Código  de  Processo  Civil,  devem  as  presentes  demandas  serem  julgadas  simultaneamente,  a  fim  de  evitar  decisões  contraditórias entre si.
2. Em se tratando de ação civil pública em trâmite na Justiça Federal, que tem como causa de  pedir  a  ocorrência  dano  ao  patrimônio  público  de  âmbito  nacional,  a  jurisprudência  deste  Sodalício orienta no sentido de que cumpre ao autor da demanda optar pela Seção Judiciária  que  deverá  ingressar  com  ação,  sendo  que  o  Juízo  escolhido  se  torna  funcionalmente  competente  para  o  julgamento  e  deslinde  da  controvérsia,  nos  termos  do  art.  2º  da  Lei  nº  7.347/85.
3.  A  análise  atenta  do  acórdão  recorrido  revela  que  os  fatos  se  relacionam  a  empréstimos  concedidos  pelo  BNDES  em  favor  de  empresas  quando  da  privatização  da  ELETROPAULO  S/A.  Diante  do inadimplemento  do financiamento  concedido,  foi  celebrado  Termo  de  Acordo  entre as partes interessadas o qual resultou na criação de outra empresa  -  Brasiliana Energia  S/A, que ficou responsável pelo adimplemento das obrigações anteriormente contraídas.
4. A conclusão acima indicada  -  caráter nacional dos danos causados ao erário  -  se ratifica  também  em  face  dos  vultuosos  valores  que  são  objeto  da  presente  lide,  sendo  certo  que  o  processo  de  privatização  de  uma  empresa  estatal  de  energia  elétrica  não  se  restringe  aos  limites  territoriais  de  um  determinado  Estado  por  envolver  interesses  de  investidores  não  só  nacionais  mas  também  internacionais.  Assim,  não  há  como  negar  a  amplitude  nacional  dos  danos ao erário que foram causados em decorrência da suposta fraude investigada no âmbito  da referida ação civil pública.
5.  Verifica-se  que  o  Ministério  Público  Federal  -  autor  da  demanda  -  optou  por  ajuizar  a  referida  ação  civil  pública  por  improbidade  administrativa  na  subseção  judiciária  de  São  Paulo. Ressalta-se a racionalidade desta escolha, tendo em vista que a empresa que foi objeto  do processo de privatização - ELETROPAULO - se situa no Estado de São Paulo.
6.  Além  disso,  muitos  dos  recorrentes  possuem  residência  na  capital  paulista  ou  mesmo  facilidade  de  acesso  àquela  municipalidade,  sendo certo  que  não  seria  plausível  admitir  que  esta escolha do MPF acarretaria qualquer tipo de constrangimento ou mesmo de cerceamento  de defesa àqueles que figuram no pólo passivo da referida ação civil pública por improbidade  administrativa.
7. Recurso especial provido para declarar competente o Juízo Federal de São Paulo/SP. (REsp  1320693/SP,  Rel.  Ministro  MAURO  CAMPBELL  MARQUES,  SEGUNDA  TURMA,  julgado em 27/11/2012, DJe 05/12/2012)

Ao que se vê, a jurisprudência atual do STJ tem se inclinado pela  abrangência  nacional  das  ações  em  casos  como  o  presente,  em  que  se  discute  dano  que  ocorre  em  todo  o  território  nacional.  O  próprio  Tribunal  Regional  Federal  da  4ª  Região  já  assentou  essa  possibilidade  em  alguns  casos  emblemáticos, como na Ação Civil Pública que determinou à União a adoção de  medidas que possibilitassem aos transexuais a realização, pelo SUS, de todos os  procedimentos médicos necessários à cirurgia de transgenitalização.

O julgamento unânime, transitado em julgado, de minha relatoria,  está sintetizado na ementa, quanto a este ponto, nos seguintes termos:

(...)
17 - Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal e deste Tribunal Regional Federal da  4ª  Região,  é  possível  a  atribuição  de  eficácia  nacional  à  decisão  proferida  em  ação  civil  pública,  não  se  aplicando  a  limitação  do  artigo  16  da  Lei  nº  7.347/85  (redação  da  Lei  nº  9.494/97), em virtude da natureza do direito pleiteado e das graves conseqüências da restrição  espacial  para  outros  bens  jurídicos  constitucionais.  18  -  Apelo  provido,  com  julgamento  de  procedência do pedido e imposição de multa diária, acaso  descumprido o provimento judicial  pela Administração Pública. (TRF4, AC 2001.71.00.026279-9, Terceira Turma, Relator Roger  Raupp Rios, D.E. 22/08/2007)
Da  mesma  forma,  em  caso  recente,  que  envolvia  prazo  para  realização  de  perícias  médicas  pelo  INSS,  a  Quinta  Turma  do  TRF4  assim  decidiu, mutatis mutandis, verbis:
PREVIDENCIÁRIO.  AÇÃO  CIVIL  PÚBLICA.  PRAZO  PARA  REALIZAÇÃO  DE  PERÍCIAS  PARA  ANÁLISE  DE  PEDIDOS  DE  BENEFÍCIO  POR  INVALIDEZ.  IMPLANTAÇÃO  AUTOMÁTICA  DO  BENEFÍCIO  SE  NÃO  REALIZADA  A  PERÍCIA  EM  45  DIAS.  CREDENCIAMENTO  DE  PERITOS  TEMPORÁRIOS.  PRELIMINARES.  ABRANGÊNCIA  TERRITORIAL.  ESTADO  DE  SANTA  CATARINA. EXCLUSÃO  DOS  BENEFÍCIOS  ACIDENTÁRIOS.  COMPETÊNCIA  DA  JUSTIÇA  ESTADUAL.  LEGITIMIDADE  DO  MINISTÉRIO  PÚBLICO  FEDERAL.  ADEQUAÇÃO  DA  VIA  ELEITA.  1. Legitimidade: o  Ministério Público Federal é parte legitima para propor ação civil pública em defesa de direito  individuais homogêneos em matéria previdenciária. 2. Competência Territorial em Ação Civil  Pública: a regra geral do art. 16 da Lei n. 7.347/85, limitando a coisa julgada à competência  territorial  do  órgão  prolator  admite  exceções,  se  a  matéria  debatida  no  feito  transborde  os  perímetros  da  circunscrição  territorial  do  órgão  prolator  da  decisão. No  caso  em  tela,  a  natureza do pedido é incompatível com  a restrição imposta pela norma geral, uma vez que o  atraso na realização das perícias médicas junto ao INSS não é isolado de um ou outro posto de  atendimento,  mas  sim  de  quase  totalidade  da  rede  de  atendimento  no  Estado  de  Santa  Catarina. A jurisprudência mais coerente já aponta a ampliação territorial, inclusive por que  o  ideal,  nesses  casos,  seria  a ampliação  da  competência em  âmbito  nacional. (...) (TRF4,  APELREEX 5004227-10.2012.404.7200, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto,  juntado aos autos em 23/05/2014) - grifei
Também digno de registro o precedente referido pelo MPF em sua  réplica:
PROCESSUAL  CIVIL  E  PREVIDENCIÁRIO.  AÇÃO  CIVIL  PÚBLICA.  COMPETÊNCIA  TERRITORIAL. ART. 16 DA LEI N. 7.347/85. ABRANGÊNCIA RESTRITA AOS LIMITES DA  COMPETÊNCIA  TERRITORIAL  DO  ÓRGÃO  PROLATOR.  IMPROPRIEDADE.  ENTENDIMENTO  FIRMADO  NO  RESP  REPETITIVO  1.243.887/PR.  RECONSIDERAÇÃO  PARCIAL. RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROVIDO.
[...]
In casu, a decisão da presente ação civil pública apresenta como limite objetivo a aplicação de norma específica sobre suspensão do prazo para requerimento de pensão por  morte para dependentes absolutamente incapazes, previsto no art. 74, incisos I e II, da Lei n.  8.213/91, de abrangência federal, e, como limite subjetivo, grupo indeterminado e isonômico,  distribuído por todo o território nacional, composto por dependentes, absolutamente incapazes,  de  segurados  da  previdência  social,  sendo  despicienda  a  distinção  sobre  o  local  de  sua  residência para fins de aplicação da suspensão do referido prazo.
Com efeito, neste contexto, não é possível restringir a eficácia da decisão proferida nos autos  aos limites geográficos da competência territorial do órgão prolator, sob pena de chancelar a  aplicação  de  normas  distintas  a  pessoas  detentoras  da  mesma  condição  jurídica.  Ante  o  exposto, utilizando-me do juízo de retratação, reconsidero em parte a decisão de fls. 341/359  (e-STJ),  para  conhecer  do  recurso  especial  do  MPF  e  dar-lhe  provimento,  para  afastar  a  limitação  da  competência  territorial  do  órgão  julgador,  facultando-se  aos  beneficiários  o  ajuizamento da execução no juízo de seu domicílio.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 17 de março de 2014.
(AgRg no REsp 1.426.874, Ministro HUMBERTO MARTINS, 20/03/2014)

Na mesma linha do que vem decidindo o STJ, a doutrina já alertava  sobre  a  leitura  equivocada  do  art.  16  da  Lei  n.º  7.347/85.  Cito,  por  exemplo,  Hugro Nigro Mazzilli, cuja abordagem é esclarecedora (A Defesa dos Interesses  Difusos em Juízo. 25ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 294/299), verbis:

'A alteração trazida ao art. 16 da Lei da Ação Civil Pública pela Lei n.º 9.494/97 consistiu em  introduzir  a  locução  adverbial  'nos  limites  da  competência  territorial  do  órgão  prolator',  pretendendo-se  assim  limitar  a  eficácia  erga  omnes  da  coisa  julgada  no  processo  coletivo.
Trata-se de acréscimo de todo equivocado, de redação infeliz e inócua. O legislador de 1997  confundiu limites da coisa julgada (cuja imutabilidade subjetiva, nas ações civis públicas ou  coletivas, pode ser erga omnes) com competência (saber qual órgão do Poder Judiciário está  investido de uma parcela da jurisdição estatal); e ainda confundiu a competência absoluta (de  que  se  cuida  no  art.  2º  da  LACP)  com  competência  territorial  (de  que  cuidou  na  alteração  procedida no art. 16, apesar de que, na ação civil pública, a competência não é territorial, e  sim absoluta).
(...)
Não  há  como  confundir  a  competência  do  juiz  que  deve  conhecer  e  julgar  a  causa  com  a  imutabilidade dos efeitos que uma sentença produz e deve mesmo produzir dentro ou fora da  comarca em que foi proferida, imutabilidade essa que deriva de seu trânsito em julgado e não  da  competência  do  órgão  jurisdicional  que  a  proferiu  (imutabilidade  do  decisum  entre  as  partes ou erga omnes, conforme o caso). Assim, p. ex., uma sentença que proíba a fabricação  de um produto nocivo que vinha sendo produzido e vendido em todo o País, ou uma sentença  que  proíba  o  lançamento  de  dejetos  tóxicos  num  rio  que  banhe  vários  Estados  -  essas  sentenças produzirão efeitos em  todo o País ou, pelo menos, em mais de uma região do País.
Se essas sentenças transitarem em julgado, em certos casos poderão restar imutáveis em face  de todos, mas isso em nada se confunde com a competência do órgão jurisdicional que deve  proferi-las, a qual caberá a um único juiz, e não a cada um dos milhares de juízes brasileiros,  absurdamente  'dentro  dos  limites  de  sua  competência  territorial',  como  canhestramente  sugere a nova redação do art. 16 da LACP... Admitir solução diversa seria levar a milhares de  sentenças contraditórias, exatamente contra os mais elementares fundamentos e finalidades da defesa coletiva de interesses transindividuais...
(...)
Sobre estar tecnicamente incorreta, a alteração legislativa trazida ao art. 16 da LACP pela Lei  n. 9.494/97 é ainda inócua, pois o CDC não foi modificado nesse particular, e a disciplina dos  arts. 93 e 103 é de aplicação integrada e subsidiária nas ações civis públicas de que cuida a  Lei n. 7.347/85 (art. 21 desta).
(...)
Ora, é lógico que o juiz tem que ter competência absoluta para decidir uma ação civil pública;  mas  não  se  trata  de  competência  territorial,  nem  sua  sentença  só  vale  para  os  seus  comarcanos...
(...)
A maneira correta de vencer os paradoxos aqui apontados consiste, portanto, em considerar  ineficaz a alteração trazida pela Lei n. 9.494/97. A propósito, como bem anota Ada Pellegrini  Grinover, 'a competência territorial nas ações coletivas é regulada expressamente pelo art. 93  do CDC. (...) E a regra expressa da lex specialis é no sentido da competência da capital do  Estado  ou  do  Distrito  Federal  nas  causas  em  que  o  dano  ou  perigo  de  dano  for  de  âmbito  regional  ou  nacional.  Assim,  afirmar  que  a  coisa  julgada  se  restringe  aos  'limites  da  competência  do  órgão  prolator',  nada  mais  indica  do  que  a  necessidade  de  buscar  a  especificação dos limites legais da competência: ou seja, os parâmetros do art. 93 do CDC, que  regula a competência territorial e regional para os processos coletivos'.
(...)
Nos  termos  da  disciplina  dada  à  matéria  pela  LACP  e  pelo  CDC,  portanto,  e ressalvada  a  competência  da  Justiça  Federal,  os  danos  de  âmbito  nacional  ou  regional  em  matéria  de  interesses  difusos,  coletivos  ou  individuais  homogêneos  serão  apurados  perante  a  Justiça  Estadual,  em  ação  proposta  no  foro  do  local  do  dano;  se  os  danos  forem  regionais,  alternativamente,  no  foro  da  Capital  do  Estado  ou  do  Distrito  Federal; se  nacionais,  igualmente  no  foro  da  Capital  do  Estado  ou  no  foro  do  Distrito  Federal,  aplicando-se  as  regras do Código de Processo Civil nos casos de competência concorrente.' – grifei
Além  disso,  como  bem  observado  pelo  MPF,  é 'inconcebível  reconhecer  a  ilegalidade  da  conduta  da  Ré  apenas  na  região  abrangida  pela  Subseção Judiciária de Porto Alegre, permitindo-se que a conduta ilegal persista  em relação ao restante do País'.
Assim, reconheço a abrangência nacional da presente sentença.

II.2. Mérito:

Os  atos  normativos  impugnados  nesta  ação  possuem  o  seguinte  teor:

Resolução CODEFAT n.º 306/2002 - estabelece procedimentos para a concessão do benefício  do seguro-desemprego ao trabalhador resgatado da condição análoga à de escravo
Art. 7º. O trabalhador poderá requerer o benefício do Seguro-Desemprego até o nonagésimo  dia subseqüente à data do resgate.
Resolução  CODEFAT  n.º  467/2005  -  Estabelece  procedimentos  relativos  à  concessão  do  Seguro-Desemprego
Art.  14.  Os  documentos  de  que  trata  o  artigo  anterior  deverão  ser  encaminhados  pelo  trabalhador a partir do 7º (sétimo) e até o 120º (centésimo vigésimo) dias subseqüentes à data  da sua dispensa ao Ministério do Trabalho e Emprego por intermédio dos postos  credenciados  das suas Delegacias, do Sistema Nacional de Emprego - SINE e Entidades Parceiras.
O  seguro-desemprego  é  direito  social  previsto  expressamente  no  art. 7º, II, da Constituição:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de  sua condição social:
(...)
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
A  partir  da  Emenda  Constitucional  n.º  72/2013  foi  assegurado,  inclusive,  à  categoria  dos  trabalhadores  domésticos,  conforme  condições  expressas em Lei.
O art. 201, III, da Constituição, estabelece que a previdência social  atenderá,  nos  termos  da  lei,  à'proteção  ao  trabalhador  em  situação  de  desemprego  involuntário'.  Não  se  trata  de  benefício  previdenciário  previsto  na  Lei n.º 8.213/1991, por expressa disposição do art. 9º, § 1º, que assim estabelece:
Art. 9º A Previdência Social compreende:
I - o Regime Geral de Previdência Social;
II - o Regime Facultativo Complementar de Previdência Social.
§ 1º O Regime Geral de Previdência Social-RGPS garante a cobertura de todas as situações  expressas no art. 1º desta Lei, exceto a de desemprego involuntário, objeto de lei específica.
§ 1o   O Regime Geral de Previdência Social -  RGPS garante a cobertura de todas as situações  expressas no art. 1o desta Lei, exceto as de desemprego involuntário, objeto de lei específica, e  de aposentadoria por tempo de contribuição para o trabalhador de que trata o § 2o do art. 21  da Lei no8.212, de 24 de  julho de 1991.  (Redação dada pela Lei Complementar nº 123, de 2006)
§ 2º O Regime Facultativo Complementar de Previdência Social será objeto de lei especifica. A Lei específica a que alude o dispositivo é a Lei n.º 7.998/1990,  que 'regula o Programa do Seguro-Desemprego, o Abono Salarial, instituição o  Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e dá outras providências'.
O  art.  2º  elenca  as  finalidades  do  Programa  de  SeguroDesemprego, verbis:
Art. 2º O Programa de Seguro-Desemprego tem por finalidade:
I - prover  assistência  financeira  temporária  ao  trabalhador  desempregado  em  virtude  de  dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, e ao trabalhador comprovadamente resgatado  de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo; (Redação dada pela Lei  nº 10.608, de 20.12.2002)
II - auxiliar os trabalhadores na busca ou preservação do emprego, promovendo, para tanto,  ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional. (Redação dada pela  Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001)

Em seguida, diversos dispositivos regulam as formas de concessão,  os destinatários, os prazos e o valor do benefício, verbis:

Art. 2o-B.  Em caráter excepcional e pelo prazo de seis meses, os trabalhadores que estejam em  situação de desemprego involuntário pelo período compreendido entre doze e dezoito meses,  ininterruptos,  e  que  já  tenham  sido  beneficiados  com  o  recebimento  do  Seguro-Desemprego,  farão  jus  a  três  parcelas  do  benefício,  correspondente  cada  uma  a  R$  100,00  (cem  reais). (Incluído pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001)
§ 1o  O  período  de  doze  a  dezoito  meses  de  que  trata  o caput será  contado  a  partir  do  recebimento da primeira parcela do Seguro-Desemprego.(Incluído pela Medida Provisória nº  2.164-41, de 2001)
§ 2o  O benefício poderá estar integrado a ações de qualificação profissional e articulado com  ações de emprego a serem executadas nas localidades de domicílio do beneficiado. (Incluído  pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001)
§ 3o  Caberá ao Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador  -  CODEFAT o  estabelecimento, mediante resolução, das demais condições indispensáveis ao recebimento do  benefício de que trata este artigo, inclusive quanto à idade e domicílio do empregador ao qual  o  trabalhador  estava  vinculado,  bem  como  os  respectivos  limites  de  comprometimento  dos  recursos do FAT. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001)
Art. 2o-C O  trabalhador  que  vier  a  ser  identificado  como  submetido  a  regime  de  trabalho  forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo, em decorrência de ação d e fiscalização  do Ministério do Trabalho e Emprego, será dessa situação resgatado e terá direito à percepção  de  três  parcelas  de  seguro-desemprego  no  valor  de  um  salário  mínimo  cada,  conforme  o  disposto no § 2o deste artigo.(Artigo incluído pela Lei nº 10.608, de 20.12.2002)
§ 1o  O  trabalhador  resgatado  nos  termos  do caput deste  artigo  será  encaminhado,  pelo  Ministério do Trabalho e Emprego, para qualificação profissional e recolocação no mercado  de  trabalho,  por  meio  do  Sistema  Nacional  de  Emprego  -  SINE,  na  forma  estabelecida  pelo  Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador -  CODEFAT. (Parágrafo incluído  pela Lei nº 10.608, de 20.12.2002)
§ 2o  Caberá  ao  CODEFAT,  por  proposta  do  Ministro  de  Estado  do  Trabalho  e  Emprego,  estabelecer os procedimentos necessários ao recebimento do benefício previsto no caput deste  artigo,  observados  os  respectivos  limites  de  comprometimento  dos  recursos  do  FAT,  ficando  vedado  ao  mesmo  trabalhador  o  recebimento  do  benefício,  em  circunstâncias  similares,  nos  doze meses seguintes à percepção da última parcela.(Parágrafo incluído pela Lei nº 10.608, de  20.12.2002)
Art.  3º  Terá  direito  à  percepção  do  seguro-desemprego  o  trabalhador  dispensado  sem  justa  causa que comprove:
I  -  ter recebido salários de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada, relativos a cada  um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data da dispensa;
II  -  ter sido empregado de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada ou ter exercido  atividade legalmente reconhecida como autônoma, durante pelo menos 15 (quinze) meses nos  últimos 24 (vinte e quatro) meses; (Vide Lei 8.845, de 1994)
III  -  não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, previsto  no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, excetuado o auxílio-acidente e o auxílio  suplementar  previstos  na  Lei  nº  6.367,  de  19  de  outubro  de  1976,  bem  como  o  abono  de  permanência em serviço previsto na Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973;
IV - não estar em gozo do auxílio-desemprego; e
V  -  não  possuir  renda  própria  de  qualquer  natureza  suficiente  à  sua  manutenção  e  de  sua  família.
§  1o   A  União  poderá  condicionar  o  recebimento  da  assistência  financeira  do  Programa  de  Seguro-Desemprego à comprovação da matrícula e da frequência do trabalhador segurado  em  curso de formação inicial e continuada ou qualificação profissional, com carga horária mínima  de 160 (cento e sessenta) horas. (Incluído pela Lei nº 12.513, de 2011)
§  2o   O  Poder  Executivo  regulamentará  os  critérios  e  requisitos  para  a  concessão  da  assistência  financeira  do  Programa  de  Seguro-Desemprego  nos  casos  previstos  no  §  1o,  considerando  a  disponibilidade  de  bolsas-formação  no  âmbito  do  Pronatec  ou  de  vagas  gratuitas  na  rede  de  educação  profissional  e  tecnológica  para  o  cumprimento  da  condicionalidade pelos respectivos beneficiários. (Incluído pela Lei nº 12.513, de 2011)
§ 3o   A oferta de bolsa para formação dos trabalhadores de que trata este artigo considerará,  entre   outros critérios, a capacidade de oferta, a reincidência no recebimento do benefício, o  nível de escolaridade e a faixa etária do trabalhador. (Incluído pela Lei nº 12.513, de 2011)
Art. 3o-A.  A  periodicidade,  os  valores,  o  cálculo  do  número  de  parcelas  e  os  demais  procedimentos operacionais de pagamento da bolsa de qualificação profissional, nos termos do  art. 2o-A desta Lei, bem como os pré-requisitos para habilitação serão os mesmos adotados em  relação  ao  benefício  do  Seguro-Desemprego,  exceto  quanto  à  dispensa  sem  justa  causa. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001)
Art. 4º O benefício do seguro-desemprego será concedido ao trabalhador desempregado, por  um  período  máximo  de  4  (quatro)  meses,  de  forma  contínua  ou  alternada,  a  cada  período  aquisitivo de 16 (dezesseis) meses, contados da data de dispensa que deu  origem à primeira  habilitação. (Vide Lei nº 8.900, de 1994).
Parágrafo único. O benefício do seguro-desemprego poderá ser retomado a cada novo período  aquisitivo, satisfeitas as condições arroladas no art. 3º desta Lei, à exceção do seu inciso II.
Art.  5º  O valor  do  benefício  será fixado em  Bônus  do  Tesouro  Nacional  (BTN),  devendo ser  calculado segundo 3 (três) faixas salariais, observados os seguintes critérios:
I  -  até 300 (trezentos) BTN, multiplicar-se-á o salário médio dos últimos 3 (três) meses pelo  fator 0,8 (oito décimos);
II  -  de 300 (trezentos) a 500 (quinhentos) BTN aplicar-se-á, até o limite do inciso anterior, a  regra nele contida e, no que exceder, o fator 0,5 (cinco décimos);
III  -  acima  de  500  (quinhentos)  BTN,  o  valor  do  benefício  será  igual  a  340  (trezentos  e  quarenta) BTN.
§ 1º Para fins de apuração do benefício, será considerada a média dos salários dos últimos 3  (três)  meses  anteriores  à  dispensa,  devidamente  convertidos  em  BTN  pelo  valor  vigente  nos  respectivos meses trabalhados.
§ 2º O valor do benefício não poderá ser inferior ao valor do salário mínimo.
§ 3º No pagamento dos benefícios, considerar-se-á:
I  -  o  valor  do  BTN  ou  do  salário  mínimo  do  mês  imediatamente  anterior,  para  benefícios  colocados à disposição do beneficiário até o dia 10 (dez) do mês;
II  -  o  valor  do  BTN  ou  do  salário  mínimo  do  próprio  mês,  para  benefícios  colocados  à  disposição do beneficiário após o dia 10 (dez) do mês.
Art.  6º  O  seguro-desemprego  é  direito  pessoal  e  intransferível  do  trabalhador,  podendo  ser  requerido a partir do sétimo dia subseqüente à rescisão do contrato de trabalho.

Note-se que a Lei, de fato, nada refere sobre prazo máximo para o  requerimento de concessão do benefício, limitando-se a dispor sobre o período de  duração  do  benefício,  uma  vez  concedido.  A  esse  respeito,  o  MPF  afirma  que, 'suprindo uma pretensa lacuna legal, o Conselho Deliberativo do Fundo de  Amparo ao Trabalhador  -  fundo, vinculado ao Ministério do Trabalho, do qual  provêm  os  recursos  para  o  pagamento  do  seguro-desemprego  -  (CODEFAT),  exercendo  função  normativa,  estabeleceu,  por  meio  de  Resolução,  os  prazos  peremptórios  de  120  e  90  dias,  em  um  e  noutro  caso,  para  a  formalização  do  requerimento dos benefícios (Resoluções CODEFAT 467/05, art. 14; 306/02, art.  7º)'.

O § 3º do art. 2º-B afirma que 'caberá ao Conselho Deliberativo do  Fundo  de  Amparo  ao  Trabalhador  -  CODEFAT  o  estabelecimento,  mediante  resolução, das demais condições indispensáveis ao recebimento do benefício de  que  trata  este  artigo,  inclusive  quanto  à  idade  e  domicílio  do  empregador  ao  qual  o  trabalhador  estava  vinculado,  bem  como  os  respectivos  limites  de  comprometimento dos recursos do FAT'.

A Lei poderia ter estabelecido prazo máximo para o requerimento  do  benefício.  Não  o  fez.  E  igualmente  não  parece  ter  concedido  à  norma  infralegal esse poder.

Ao desate da lide, cumpre saber se as resoluções do CODEFAT, ao  estipularem prazo máximo para apresentação do requerimento, respeitaram a Lei  que  rege  o  seguro-desemprego  ou  se,  ao  contrário,  extrapolaram  o  poder  normativo, incluindo requisito que, ao fim e ao cabo, obsta o exercício de direito  social constitucionalmente garantido.

A edição de atos administrativos normativos pelo Poder Executivo  decorre  do  poder  normativo  conferido  à  Administração  Pública.  Maria  Sylvia  Zanella  Di  Pietro  fala  em  poder  normativo,  por  ser  mais  amplo  que  poder  regulamentar,  abrangendo  não  só  os  atos  regulamentares  do  Chefe  do  Poder  Executivo  (decretos  regulamentares,  para  fiel  execução  da  lei,  ou  autônomos),  como  os  atos  normativos  editados  por  autoridades  outras  que  não  o  Chefe  do  Executivo,  como  as  resoluções,  portarias,  instruções,  dentre  outros.  Seja  como  for, e em ambos os casos, 'o ato normativo não pode contrariar a lei, nem criar  direitos,  impor  obrigações,  proibições,  penalidades  que  nela  não  estejam  Previstos,  sob  pena  de  ofensa  ao  princípio  da  legalidade' (Direito  Administrativo. 12ª Ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 89).

Sendo  assim,  toda  a  atividade  normativa  do  Poder  Executivo  (ou  mesmo dos outros Poderes, no exercício das suas funções atípicas) deve respeitar  o princípio da legalidade, previsto de forma geral no art. 5º, II, da Constituição  (II  -  ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em  virtude de lei) e de forma específica para a Administração Pública no art. 37. Na  Constituição vigente, o Decreto editado pelo Chefe do Poder Executivo somente  se  destina  a  dispor  sobre  a  fiel  execução  das  leis  (art.  84,  IV),  ressalvada  a  hipótese de decreto autônomo, previstas no inciso VI do mesmo artigo. Assim,  devem respeitar a Lei que pretendem regulamentar e, obviamente, a Constituição.

O  mesmo  se  diga  em  relação  aos  atos  normativos  elaborados  por  outras  autoridades,  que  devem  respeitar,  também,  os  atos  normativos  que  lhe  sejam  superiores.

É  bem  verdade  que  não  se  pode  chegar  a  extremos,  sob  pena  de  tornar  os  atos  normativos  infralegais  inúteis,  meras  repetições  do  texto  legal.  Clèmerson  Merlin  Clève  adverte  com  precisão,  explicando  o  grau  de  inovação  que  é  possível  (Atividade  Legislativa  do  Poder  Executivo  no  Estado  Contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: RT, 1993, p. 226), verbis:

'O regulamento inova a ordem jurídica, mas não todavia do mesmo modo que a lei. Esta inova,  originariamente,  ao  passo  que  o  regulamento  inova,  sim,  mas  de  modo  derivado,  limitado,  subordinado, ou seja, sem a autonomia da lei.
(...)
No Brasil, não há nenhuma matéria reservada ao regulamento. Todos os campos normativos  são disciplináveis pela lei. Vigora, pois, em nosso País, em relação ao campo de ação do ato  legislativo, o princípio da universalidade. Ademais, apenas a lei pode, originariamente, inovar  a  ordem  jurídica  para  criar  direitos  e  obrigações  e,  logo,  para  restringir  a  liberdade  e  a  propriedade. Afinal, dispõe o art. 5º, II, da Constituição, que 'ninguém será obrigado a fazer ou  deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei'.
A  lei,  pois,  pode  perfeitamente  disciplinar  a  matéria  legislativa  de  modo  suficiente,  prescrevendo, inclusive, os detalhes favorecedores de sua aplicação. Ou pode preferir deixar  certa margem para que a Administração Pública atue por meio da atribuição regulamentar.  O  que  importa  salientar  é  que  o  regulamento  sempre  compreenderá  norma  subordinada  e  necessária para a aplicação da lei.
(...)
Reitere-se  o  que  já  foi  afirmado.  O  regulamento  não  se  confunde  com  os  demais  atos  normativos da Administração. O regulamento  constitui, em princípio, ato de eficácia externa.  Os  demais  atos  normativos  da  Administração  apenas  raramente  produzem  eficácia  externa.
Podem  produzir  eficácia  externa  as  instruções  ministeriais  (em  virtude  de  disposição  constitucional) e as 'disposições autônomas', qual autorizadas pela lei. Demais  disso,  os  regulamentos,  na  pirâmide  jurídica,  residem  numa  posição  hierárquica  superior aos demais atos normativos do Executivo. Isso decorre, evidentemente, do fato de o  Presidente da República, nos termos da Constituição (art. 84, II), exercer a direção superior da  Administração Federal. Finalmente, os regulamentos são veiculados por meio de decretos. Os  demais atos normativos são veiculados por meio de outros instrumentos, como as portarias, as  resoluções, ou as circulares. Por conseguinte, os regulamentos são editados pelo Presidente da
República, ao passo que os demais atos normativos serão editados pelos órgãos ou autoridades  competentes.  Uma  coisa,  há,  porém,  em  comum  entre  os  regulamentos  e  os  demais  atos  normativos da Administração: ambos são subordinados à lei'. - grifei

No  caso  ora  em  análise,  discute-se  a  legalidade  de  resoluções  emanadas de órgãos colegiados. Conforme Hely Lopes Meirelles, 'resoluções são  atos administrativos normativos expedidos  pelas altas autoridades do Executivo  (mas  não  pelo  Chefe  do  Executivo,  que  só  deve  expedir  decretos),  ou  pelos  presidentes de tribunais, órgãos legislativos, e colegiados administrativos, para  disciplinar  matéria  de  sua  competência  específica.  Por  exceção  admitem-se  resoluções  individuais.  As  resoluções,  normativas  ou  individuais,  são  sempre  atos  inferiores  ao  regulamento  e  ao  regimento,  não  podendo  invocá-los  ou  contrariá-los,  mas  unicamente  complementá-los  e  explicá-los.  Seus  efeitos  podem ser internos ou externos, conforme o campo de atuação da norma ou os  destinatários  da  providência  concreta' (Direito  Administrativo  Brasileiro.  16ª  Ed. São Paulo: RT, 1991, p. 159).

As  resoluções  do  CODEFAT  encontram  seu  fundamento  de  validade no art. 2º-B, § 3º, e 2º-C, § 2º, que assim estabelecem: § 3o  Caberá ao Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador  -  CODEFAT o  estabelecimento, mediante resolução, das demais condições indispensáveis ao recebimento do  benefício de que trata este artigo, inclusive  quanto à idade e domicílio do empregador ao qual  o  trabalhador  estava  vinculado,  bem  como  os  respectivos  limites  de  comprometimento  dos  recursos do FAT. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001)

§ 2o  Caberá  ao  CODEFAT,  por  proposta  do  Ministro  de  Estado  do  Trabalho  e  Emprego,  estabelecer os procedimentos necessários ao recebimento do benefício previsto no caput deste  artigo,  observados  os  respectivos  limites  de  comprometimento  dos  recursos  do  FAT,  ficando  vedado  ao  mesmo  trabalhador  o  recebimento  do  benefício,  em  circunstâncias  similares,  nos  doze meses seguintes à percepção da última parcela.(Parágrafo incluído pela Lei nº 10.608, de  20.12.2002)

Ao  que  se  vê,  a  Lei  não  atribuiu  expressamente  ao  CODEFAT  a  tarefa  de  estabelecer 'demais  condições  indispensáveis' ao  recebimento  do  benefício,  enumerando  alguns  pontos,  como  idade,  domicílio  do  empregador,  limites de comprometimento dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador,  dentre outros. Sem adentrar na legalidade ou não de se atribuir a resoluções de  um  órgão  colegiado  a  definição  de 'condições  indispensáveis',  analisa-se  especificamente a questão do prazo.

De todo modo, entendo que a inclusão de prazos para a requisição  do benefício não é 'condição indispensável' de que trata a Lei. As resoluções, ao estipularem prazo para o requerimento, acabaram  por inovar originariamente no ordenamento jurídico, sendo, por isso, ilegais. A  estipulação  de  um  prazo  por  uma  resolução  não  é  possível  quando a sua inobservância pelo administrado puder obstar a própria fruição do  direito, o qual, no caso, é garantido constitucionalmente. Tais prazos (120 dias,  no  caso  do  trabalhador  demitido  sem  justa  causa,  e  90  dias,  no  caso  do  trabalhador resgatado da condição análoga à de escravo) geram obrigação para os  empregadores,  a  qual,  se  não  cumprida,  obsta  o  exercício  do  próprio  direito.  Como dito, somente a lei pode impor obrigações.

Mesmo  que  se  considere  que  a  Lei  possibilitou  às  resoluções  a  estipulação  dos  prazos,  haveria,  nas  palavras  de  Celso  Antônio  Bandeira  de  Mello (Curso de Direito Administrativo. 11ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.  253),  verdadeira 'delegação  disfarçada  e  inconstitucional,  efetuada  fora  do  procedimento regular', pois'a lei remete ao executivo a criação das regras que  configuram  o  direito  ou  que  geram  a  obrigação,  o  dever  ou  a  restrição  à  liberdade. Isto sucede quando fica deferido ao regulamento definir por si mesmo  as  condições ou requisitos necessários ao nascimento do direito material ou ao  nascimento  da  obrigação,  dever  ou  restrição.  Ocorre,  mais  evidentemente,  quando a lei faculta ao regulamento determinar obrigações, deveres, limitações  ou  restrições  que  já  não  estejam  previamente  definidos  e  estabelecidos  na  própria lei. Em suma: quando se faculta ao regulamento inovar inicialmente na  ordem  jurídica.  E  inovar  quer  dizer  introduzir  algo  cuja  preexistência  não  se  pode conclusivamente deduzir da lei regulamentada'.

É precisamente o caso dos autos. A  Lei,  sequer  implicitamente,  estipulou  qualquer  prazo  para  o  exercício  do  direito.  Não  se  depreende  da  Constituição,  em  um  primeiro  momento, ou da Lei, que o seguro-desemprego serve para proteger o trabalhador  imediatamente após o desemprego involuntário. Como bem pondera o Ministério  Público, é perfeitamente possível  -  e até salutar  -  que o cidadão tente, por seus  próprios  meios,  reagir  ao  desemprego  involuntário,  seja  sobrevivendo  de  economias próprias, as quais, em um  primeiro momento, pode julgar suficientes,  seja por meio de qualquer outra alternativa. Não podem as resoluções impor ao  trabalhador a obrigação de, em no máximo quatro meses, requerer o benefício.

Note-se que, no caso do trabalhador resgatado da condição análoga  à de escravo, pode-se argumentar até mesmo a respeito da exiguidade do prazo  previsto.  Se  para  o  trabalhador  urbano,  em  situações  normais,  já  poderia  ser  considerado insuficiente o prazo de 120 dias fixado pela Resolução 467/2005, o  que se dirá no caso do trabalhador que esteja em situação análoga à de escravo?

É de se exigir de alguém que já estava em condições sub-humanas de trabalho  que  adote  em  tão  pouco  tempo  todas  as  providências,  inclusive  mediante  apresentação de inúmeros documentos, para  que possa usufruir do benefício? A  meu juízo, não.

Nesse  aspecto,  poder-se-ia  cogitar  de  indevida  discriminação  praticada pelas resoluções ao estabelecerem prazos diversos.

O  direito  de  igualdade  apresenta-se  nos  ordenamentos  jurídicos  contemporâneos, basicamente, pela afirmação simultânea da 'igualdade perante a   lei' e da 'igualdade na lei'. Nestas expressões radicam distintas e complementares  compreensões  do  direito  de  igualdade,  cuja  convivência  possibilita  o  entendimento deste princípio jurídico.

Inicialmente,  pode-se  afirmar  que  a  igualdade  perante  a  lei  (igualdade formal) diz respeito à igual aplicação do direito vigente sem distinção  com  base  no  destinatário  da  norma  jurídica,  sujeito  aos  efeitos  jurídicos  decorrentes da normatividade existente;  a igualdade na lei (igualdade material),  por  sua  vez,  exige  a  igualdade  de  tratamento  dos  casos  iguais  pelo  direito  vigente,  bem  como  a  diferenciação  no  regime  normativo  em  face  de  hipóteses  distintas.  A  distinção,  portanto,  radica,  de  início,  no  destinatário  da  norma  constitucional da igualdade: a igualdade perante a lei como dever do aplicador do  direito  tratar  todos  conforme  a  lei  vigente;  a  igualdade  na  lei  como  dever  do  legislador  considerar  as  semelhanças  e  diferenças  quando  da  instituição  dos  regimes normativos.

O  Direito  Constitucional  brasileiro  insere-se  nesta  tradição,  reconhecendo explicitamente a concomitância dos aspectos formal e material do  princípio da igualdade. Independentemente do exame de quais sejam, no direito  pátrio,  os  destinatários  da  norma  constitucional  que  estabelece  a  'igualdade  perante  a  lei',  é  necessário  aprofundar-se  no  significado  e  na  distinção  destas  dimensões formal e material do princípio da igualdade.

Enquanto  que  a  igualdade  perante  a  lei  (igualdade  formal)  diz  respeito  à  igual  aplicação  do  direito  vigente  sem  distinção  com  base  no  destinatário  da  norma  jurídica,  sujeito  aos  efeitos  jurídicos  decorrentes  da  normatividade existente, a igualdade na lei (igualdade material) exige a igualdade  de tratamento pelo direito vigente dos casos iguais, bem como a diferenciação no  regime normativo em face de hipóteses distintas.

Nos dizeres de Hesse,

'Igualdade jurídica material não consiste em um tratamento igual sem distinção de todos em  todas  as  relações.  Senão  só  aquilo  que  é  igual  deve  ser  tratado  igualmente.  O  princípio  da  igualdade proíbe uma regulação desigual de fatos iguais; casos iguais devem encontrar regra  igual. A questão é, quais fatos são iguais e, por isso, não devem ser regulados desigualmente'.  (HESSE, K., Elementos..., cit., n. 432, p. 330)
A  indagação  fundamental,  portanto,  colocada  pela  igualdade  material reside na determinação da característica a ser levada em conta no juízo  de  equiparação  ou  diferenciação,  para  os  fins  da  instituição  de  um  tratamento  jurídico. Dito de outro modo, a igualdade na lei, ao atentar para as inúmeras e  multifacetadas  diferenças  existentes  entre  as  pessoas  e  situações,  objetiva  reconhecê-las  e  a  elas  empregar  desigual  consideração  jurídica  na  proporção  destas  distinções.  Para  a  obtenção  deste  resultado  precisa-se,  assim,  perceber  aquilo  que  equipara  ou  diferencia  uns  dos  outros.  É  necessário,  portanto,  identificar as semelhanças e as diferenças, adentrar no conteúdo, naquilo que se  considera  relevante  (ou  não)  para  fins  de  equiparação  ou  diferenciação  (RIOS,   Roger  Raupp. O  Princípio  da  Igualdade  e  a  Discriminação  por  Orientação  Sexual  -  A  Homossexualidade  no  Direito  Brasileiro  e  Norte-Americano.  São  Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 31-33).

No caso do benefício de seguro-desemprego, as resoluções fixaram  prazos  diversos  para  os  trabalhadores  comuns  e  os  resgatados  de  condição  análoga  à  de  escravo.  Sem  dúvida,  seria  possível  diferenciação,  para  tratar  desigualmente  pessoas  em  situações  diversas.  O  trabalhador  em  condição  análoga  à  de  escravo  está  em  situação  mais  vulnerável  em  comparação  ao  trabalhador urbano. Ainda assim, porém, o prazo previsto é inferior. Quer dizer, a  resolução,  a  par  de  tudo  o  quanto  já  foi  dito  em  relação  aos  limites  do  p oder  normativo,  violou  a  isonomia,  na  medida  em  que  trata  pior  quem  está  em  situação pior, ou seja, o trabalhador resgatado da condição análoga à de escravo.

De qualquer maneira, considerando-se ou não suficientes os prazos,  importa  é  que  a  Constituição  e  a  Lei  de  regência  não  estabeleceram  qualquer  prazo.  É  finalidade  do  Programa  de  Seguro-Desemprego 'prover  assistência  financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem  justa causa, inclusive a indireta, e ao trabalhador comprovadamente resgatado  de  regime  de  trabalho  forçado  ou  da  condição  análoga  à  de  escravo'.  Não  se  extrai deste objetivo que a assistência deve ser imediata, tão logo cesse o vínculo  anterior. Reconhece-se, evidentemente, que é temporária.

A propósito, é relevante perceber que, como afirma o MPF, a Lei  que  rege  o  seguro-desemprego  no  caso  dos  trabalhadores  domésticos  (Lei  n.º  5.859/72,  art.  6º-A  a  6º-D,  introduzidos  pela  Lei  n.º  10.208/01)  estabelece,  ela  própria,  prazo  expresso  para  requerimento.  Quer  dizer,  quando  a  lei  quis  estabelecer prazo, tal foi feito pelo legislador, o que não é o caso dos autos. Exemplificativamente, a estipulação de prazo não previsto em Lei  por resolução do CODEFAT seria o  mesmo  que Instrução Normativa do INSS  fixar prazos de carência, ou para requerimento de benefício previdenciário, acaso  não tivessem sido eles previstos na Lei n.º 8.213/91. Evidente seria a ilegalidade  de ato normativo que condicionasse o exercício de benefício previdenciário de tal  forma, sem amparo legal.

A  jurisprudência  do  Tribunal  Regional  Federal  da  4ª  Região  inclina-se no mesmo sentido:
ADMINISTRATIVO.  MANDADO  DE  SEGURANÇA.  SEGURO-DESEMPREGO.  VERBA  ALIMENTAR.  PERICULUM  IN  MORA.  AUSÊNCIA  DE  PRAZO  MÁXIMO  PARA  REQUERIMENTO.  AGRAVO  DE  INSTRUMENTO.  PROVIMENTO.  1.  A  Lei  n.º  7.998/1990,  que regula a concessão de benefício de seguro-desemprego, não estabelece prazo máximo para  a formulação de pedido administrativo, dispondo apenas que o requerimento deve ser pleiteado  a partir do sétimo dia da rescisão do contrato de trabalho (art. 6º). A norma da Resolução n.º  19/1991-CODEFAT, que impõe o encaminhamento de requerimento de seguro-desemprego até  120º  (centésimo  vigésimo)  dia  subsequente  à  data  de  sua  demissão,  cria  uma  limitação  a  direito,  sem  amparo  legal,  inovando  restritivamente  o  ordenamento  jurídico.  Ainda  que  se  reconheça  a  possibilidade  de  a  Administração  disciplinar,  por  meio  de  ato  normativo  infralegal,  os  procedimentos  necessários  ao  recebimento  do  benefício  na  via  administrativa,  observados  os  limites  de  comprometimento  dos  recursos  do  FAT  (art.  2º-C,  §  2º,  da  Lei  n.º  7.998/1990), não lhe é dado estabelecer condições que impliquem a perda do direito previsto  em lei, sem o respectivo amparo legal. (TRF4, AC 5050253-84.2012.404.7000, Quarta Turma,  Relatora  p/  Acórdão  Vivian  Josete  Pantaleão  Caminha,  D.E.  24/07/2013)  2.  Os  requisitos  previstos  para  a  concessão  liminar  da  segurança  estão  presentes.  O  'periculum  in  mora',  demonstrado na situação de desemprego, e o fumus boni juris, no fato de a Lei nº 7.998/90 não  estipular  prazo  máximo  para  o  deferimento  do  benefício.  (TRF4,  AG  5008464- 85.2014.404.0000,  Terceira  Turma,  Relatora  p/  Acórdão  Marga  Inge  Barth  Tessler,  juntado  aos autos em 11/07/2014)
ADMINISTRATIVO.  MANDADO  DE  SEGURANÇA.  SEGURO  DESEMPREGO.  REQUERIMENTO  DO  BENEFÍCIO.  PRAZO.  LEI  7.998/90.  AUSÊNCIA  DE  PRAZO  MÁXIMO.  SENTENÇA  MANTIDA.  Em  que  pese  o  requerimento  do  benefício  de  segurodesemprego tenha  se  dado  fora  do prazo  de  120  (cento  e  vinte)  dias,  a  Lei  nº 7.998/90,  que  regula  o  seguro-desemprego,  não  estabelece  prazo  máximo  para  o  pleito  administrativo, dispondo  apenas  que  deve  ser  formulado  a  partir  do  sétimo  dia  da  rescisão  do  contrato  de  trabalho  (art.  6º).  Logo,  ao  impor  que  o  requerimento  deve  ser  protocolizado  até  o  120º  (centésimo vigésimo)  dia subsequente à data de demissão, o art. 14 da Resolução nº 467/2005-CODEFAT  cria  uma  limitação  ao  exercício  do  direito,  sem  amparo  legal,  inovando  restritivamente  o  ordenamento  jurídico.  (TRF4  5060025-28.2013.404.7100,  Quarta  Turma,  Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 29/04/2014) ADMINISTRATIVO.  MANDADO  DE  SEGURANÇA.  SEGURO-DESEMPREGO.  LEI  N.º  7.998/1990.  REQUERIMENTO  ADMINISTRATIVO.  RESOLUÇÃO  N.º  19/1991-CODEFAT.
PRAZO  DE  120  DIAS.  ILEGALIDADE.  A  Lei  n.º  7.998/1990,  que  regula  a  concessão  de  benefício de seguro-desemprego, não estabelece prazo máximo para a formulação de pedido  administrativo, dispondo apenas que o requerimento deve ser pleiteado a partir do sétimo dia  da rescisão do contrato de trabalho (art. 6º).  A norma da Resolução n.º 19/1991-CODEFAT,  que  impõe  o  encaminhamento  de  requerimento  de  seguro-desemprego  até  120º  (centésimo  vigésimo) dia subsequente à data de sua demissão, cria uma limitação a direito, sem amparo  legal, inovando restritivamente o ordenamento jurídico. Ainda que se reconheça a possibilidade  de  a  Administração  disciplinar,  por  meio  de  ato  normativo  infralegal,  os  procedimentos  necessários  ao  recebimento  do  benefício  na  via  administrativa,  observados  os  limites  de  comprometimento dos recursos do FAT (art. 2º-C, § 2º, da Lei n.º 7.998/1990), não lhe é dado  estabelecer  condições  que  impliquem  a  perda  do  direito  previsto  em  lei,  sem  o  respectivo  amparo  legal.  (TRF4,  AC  5050253-84.2012.404.7000,  Quarta  Turma,  Relatora  p/  Acórdão  Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 24/07/2013)

A  jurisprudência  dos  demais  Tribunais  Regionais  Federais  não  destoa do entendimento ora exposto, como demonstram os seguintes precedentes:

PREVIDENCIÁRIO.  AGRAVO  PREVISTO  NO  §  1º  DO  ARTIGO  557  DO  CPC.  SEGURO  DESEMPREGO.  PRAZO  PARA  REQUERIMENTO.  ILEGALIDADE.  CORREÇÃO  MONETÁRIA. JUROS DE MORA. I - A Lei nº 7.998/90 não fez restrição quanto ao prazo para  requerimento do seguro-desemprego, tendo estabelecido tão-somente que o benefício é devido  durante  4  meses,  contados  a  partir  da  dispensa  do  trabalhador,  e  que  pode  ser  pleiteado  a  contar do sétimo dia subseqüente à rescisão do contrato de trabalho. II  -  No sistema jurídico  pátrio, o regulamento não pode extravasar a previsão legal, o que significa que, se o legislador  optou por não estabelecer um prazo para o trabalhador reclamar o seguro-desemprego, não  poderia  o  administrador,  por  resolução,  criá-lo,  sob  pena  de  ilegalidade.  III  -  Não  merece  acolhida a alegação da União de que o demandante manteve vínculo  empregatício durante o  período  em  que  assevera  ter  ficado  desempregado,  visto  que  em  sua  CTPS  consta  apenas  a  dispensa da empresa Armazém Gerais Ibirarema Ltda. em 08.12.2008, sem notícia de contrato  de trabalho posterior. IV  -  A correção monetária e os juros de mora devem ser aplicados de  acordo com os critérios fixados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos  na  Justiça  Federal,  aprovado  pela  Resolução  n.  134/2010,  do  Conselho  da  Justiça  Federal,  observada  a  aplicação  imediata  da  Lei  n.  11.960/09,  a  partir  da  sua  vigência,  independentemente  da  data  do  ajuizamento  da  ação  (EREsp  1.207.197/RS;  REsp 1.205.946/SP),  e  a  incidência  dos  juros  de  mora  até  a  data  da  conta  de  liquidação  que  der  origem ao precatório ou à requisição de pequeno valor  -  RPV (STF -  AI-AgR 492.779/DF). V -Agravo previsto no § 1º do artigo 557 do CPC, interposto pela União Federal, improvido.(AC  00040104020114036125,  DESEMBARGADOR  FEDERAL  SERGIO  NASCIMENTO,  TRF3  -DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/01/2014 .FONTE_REPUBLICACAO) ADMINISTRATIVO. SEGURO DESEMPREGO. PRAZO PARA REQUERIMENTO: 120 DIAS.  ILEGALIDADE.  1.  Norma  regulamentar  não  pode  ultrapassar  os  limites  fixados  pela  lei:  afastado,  portanto,  o  prazo  de  120  dias  a  contar  da  dispensa  para  requerimento  do  seguro desemprego.  2.  Apelação  e  remessa  desprovidas,  sentença  mantida.(AMS  9301349728,  JUIZ  JOSÉ  HENRIQUE  GUARACY  REBÊLO  (CONV.),  TRF1  -  PRIMEIRA  TURMA  SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:01/10/2001 PAGINA:212.)

Finalmente,  cabe  salientar  que  o  fato  de  o  CODEFAT  possuir  representação dos trabalhadores não torna, por si só, o ato normativo legal. Ainda  que assim não seja, a representação dos trabalhadores é insuficiente para barrar  eventual disposição contrária aos  seus interesses, considerando a participação de  representantes  dos  empregadores  (em  igual  número)  e  de  representantes  de  diversos Ministérios e do BNDES.

Da mesma forma, não se argumente que outros beneficiários seriam  prejudicados  acaso  sejam  concedidos  benefícios  sem  observância  do  prazo.  O  custeio do FAT é feito de modo a atender todos os trabalhadores que necessitem  do seguro-desemprego, atendidas as condições legais, de sorte que o exercício do  direito  por  parte  de  um  trabalhador  após  o  término  dos  prazos  previstos  nas  resoluções  não  afeta  de  forma  alguma  os  recursos  necessários  à  concessão  de  outros benefícios.

Por tudo isso, tenho que o pedido é procedente.

III - Dispositivo:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na  presente  ação  civil  pública,  resolvendo  o  processo,  com  resolução  do  mérito,  nos termos do art. 269, I, do CPC, para (a) reconhecer a ilegalidade dos prazos  fixados nos artigos 14, da Resolução CODEFAT  n.º 467/05, e 7º, da Resolução  CODEFAT n.º 306/02, e (b) determinar à União, em todo o território nacional,  que  se  abstenha  de  indeferir  pedidos  de  seguro-desemprego  com  base  na  intempestividade  do  requerimento,  uma  vez  cumpridos  os  demais  requisitos,  sob pena de multa a ser fixada oportunamente, na forma da fundamentação. Demanda isenta de custas (art. 4º, I, III e IV, da Lei n.º 9.289/1996). Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 18  da  Lei  n.º  7.347/1985  (REsp  1346571/PR,  Rel.  Ministra  ELIANA  CALMON,  SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 17/09/2013).

Publique-se. Intimem-se.

Interposto  recurso  de  apelação  e  preenchidos  os  pressupostos  recursais,  recebo-o  no  efeito  cabível  e  determino  que  se  oportunizem  contrarrazões à parte recorrida
.
Após, encaminhem-se os autos ao TRF/4ª. Espécie sujeita ao reexame necessário.

Transitada em julgado a sentença, dê-se baixa.

Porto Alegre, 04 de agosto de 2014.
Roger Raupp Rios
Juiz Federal

Documento eletrônico assinado por Roger Raupp Rios, Juiz Federal, na forma do  artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª  Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do  documento está disponível no endereço eletrônico  http://www.jfrs.jus.br/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código  verificador 11529447v11 e, se solicitado, do código CRC 27426292.
Informações adicionais da assinatura: Signatário (a):  Roger Raupp Rios Data e Hora:  13/08/2014 19:34





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