quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Notas de aula: Exemplo de apelação e de acórdão do TRF 1ª Região a julgando

































EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA 16ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL



Autos Nº xxx


PAJ n, XXX










XXXX, já qualificado nos autos em epígrafe, patrocinado pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, não se conformando com o teor da r. sentença prolatada em 19 de fevereiro de 2013, vêm à respeitosa presença de Vossa Excelência, com fulcro no art. 513 do CPC, interpor o presente recurso de
APELAÇÃO
pelos motivos a seguir delineados nas páginas em anexo, pugnando pelo seu recebimento no efeito devolutivo, remetendo-o para processamento e julgamento pelo E. TRF da 1ª Região.

Pede Deferimento.

Brasília, 08 de maio de 2013.


ALEXANDRE MENDES LIMA DE OLIVEIRA


Defensor Público Federal




Egrégio Tribunal,
Colenda Turma,
Eminente Relator,


I - DA INTIMAÇÃO PESSOAL, DO PRAZO EM DOBRO E DA DISPENSA DE PROCURAÇÃO:

Cumpre informar que a Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, em seu art. 44, I, preceitua, in verbis:

Art. 44- São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União:
I receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-se-lhes em dobro todos os prazos;

Saliente-se que a ausência de intimação, uma vez comprovado o prejuízo, consubstancia nulidade absoluta, eis que afronta os princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. A Jurisprudência tem respeitado essa prerrogativa dos membros da Defensoria Pública, mesmo antes da vigência da LC nº 80/94, assentando que “A Defensoria Pública, nos termos do § 5º do art. 5º da Lei 1.060/1950, possui as prerrogativas de intimação pessoal e de prazo em dobro” (STJ, EDAGA nº 906012, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, unânime, DJ 24/03/2009).

Acrescente-se, ainda, que a intimação pessoal deverá se dar em relação a todos os atos do processo, sob pena de nulidade, como preconiza o STJ:

ADMINISTRATIVO E “PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. DEFICIENTE AUDITIVO. EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO DA RESERVA DE VAGA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA PRODUÇÃO DE PROVAS. PREJUÍZO MANIFESTO DO AUTOR. NULIDADE. PRECEDENTES.
(...)
A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que o Defensor Público deve ser intimado pessoalmente de todos os atos do processo, sob pena de nulidade
3. Agravo regimental desprovido.”
(STJ, AGRESP nº 1057240, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, unânime, DJ 17/11/2008).

Assim, desde já requer sejam respeitadas essas prerrogativas institucionais dos membros da Defensoria Pública da União, sob pena de nulidade absoluta.

II - SÍNTESE FÁTICA

O autor, a fim de exercer a profissão de vigilante, inscreveu-se no curso técnico da Academia XXX, concluindo-o em xxx, conforme documentos em anexo.

Seu diploma, no entanto, não pôde ser devidamente retirado, por conta de óbice apresentado pela Polícia Federal.

O Sr. xxx, segundo o ofício recebido, não preenchia os quesitos do art. 4° da Lei 10.826/2003, a saber:
Art. 4o Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:
        I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos; (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

O ora apelante foi denunciado por crimes atinentes aos artigos 155 § 4°, IV e 69 do Diploma Penal, por fato ocorrido em 1990, tendo sido extinta a punibilidade por prescrição.

Tal disposição impediu que o autor obtivesse devidamente o registro de conclusão do curso.

A União, em defesa de seus interesses, menciona o artigo 38, do decreto n.5.123/2004:

a autorização para uso de arma de fogo expedida pela Polícia Federal, em nome das empresas de segurança privada e de transporte de valores, será precedida, necessariamente, da comprovação do preenchimento de todos os requisitos constantes do art. 4° da Lei n° 10.826, de 2003, pelos empregados autorizados a portar arma de fogo.”

O magistrado de piso julgou improcedente o pedido formulado na inicial.

A sentença, com a devida vênia, merece reforma.


III - RAZÕES PARA A REFORMA DA SENTENÇA


DA VIOLAÇÃO AO ART. 5º, II, XIII E LVII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL


Ao restringir o direito do recorrente de exercer sua profissão, a sentença recorrida violou frontalmente os incisos II e XIII e LVII, do artigo 5º, da Constituição Federal, ipsis literis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (...)
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; (...)
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”

Se a Constituição Federal garante o exercício de qualquer profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, não pode ato normativo infra legal restringir o direito de exercício profissional.

O exercício da profissão de Vigilante é regulado pela Lei nº 7.102 de 20 de junho de 1983, a qual estabelece no seu artigo 16 as condições para o exercício da profissão de Vigilante:

Art. 16 - Para o exercício da profissão, o vigilante preencherá os seguintes requisitos:
I - ser brasileiro;
II - ter idade mínima de 21 (vinte e um) anos;
III - ter instrução correspondente à quarta série do primeiro grau;
IV - ter sido aprovado, em curso de formação de vigilante, realizado em estabelecimento com funcionamento autorizado nos termos desta lei. (Redação dada pela Lei nº 8.863, de 1994)
V - ter sido aprovado em exame de saúde física, mental e psicotécnico;
VI - não ter antecedentes criminais registrados; e
VII - estar quite com as obrigações eleitorais e militares.
Parágrafo único - O requisito previsto no inciso III deste artigo não se aplica aos vigilantes admitidos até a publicação da presente Lei”(g.n.)

A lei de regência exige a inexistência de antecedentes criminais registrados para o exercício da profissão de Vigilante, id est, o Vigilante ou futuro Vigilante não pode ter condenação criminal transitada em julgado com punibilidade não extinta. Certamente essa é a única interpretação lícita possível do dispositivo infraconstitucional.

No presente caso, de acordo com a certidão acostada aos autos, o ora apelante não apresenta antecedentes criminais.

No entanto, a Diretoria Geral da Polícia Federal, no uso de sua atribuição regulamentar, extrapolou sua competência e feriu o princípio da inocência ao exigir que os Vigilantes comprovem, através de certidões, não ter qualquer condenação penal registrada. Assim prescreve o artigo 109 da Portaria nº 387/2006, expedida pela Diretoria Geral do Departamento de Polícia Federal:

Art. 109. Para o exercício da profissão, o vigilante deverá preencher os
seguintes requisitos, comprovados documentalmente:
I - ser brasileiro, nato ou naturalizado;
ll - ter idade mínima de 21 (vinte e um) anos;
III - ter instrução correspondente à quarta série do ensino fundamental;
IV - ter sido aprovado em curso de formação de vigilante, realizado por empresa de curso de formação devidamente autorizada;
V - ter sido aprovado em exames de saúde e de aptidão psicológica;
VI - ter idoneidade comprovada mediante a apresentação de antecedentes criminais, sem registros de indiciamento em inquérito policial, de estar sendo processado criminalmente ou ter sido condenado em processo criminal;
VII - estar quite com as obrigações eleitorais e militares;
VIII - possuir registro no Cadastro de Pessoas Físicas.”(g.n.)

Ora, se a Lei nº 7.102/1983 exige apenas certidão de antecedentes criminais, na qual pode constar apenas eventual condenação criminal já transitada em julgado com punibilidade não extinta, em respeito ao princípio da inocência, não pode o Diretor Geral da Polícia Federal, usando seu poder regulamentar, aumentar as exigências para exercício profissional do Impetrante.

Ademais, ainda que lei houvesse vedando a expedição do certificado por conta de condenação penal com punibilidade extinta, tal lei seria obviamente INCONSTITUCIONAL por violação ao princípio da presunção de não culpabilidade, previsto no art. 5º, LVIII, da CF.

Ademais, é sabido que a condenação criminal não pode ter efeitos perpétuos sobre a pessoa do apenado, mesmo ainda para impedi-lo de exercer a profissão, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana.

É esse o entendimento do TRF da 1ª Região:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. HOMOLOGAÇÃO DO CERTIFICADO DO CURSO DE VIGILANTE. AUSÊNCIA DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. POSSIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
I - Não obstante se reconheça a legitimidade da exigência de idoneidade moral para o exercício profissional de vigilante, o fato de o impetrante ter figurado como réu em eventual processo penal, não tem o condão, por si só, de configurar a ausência daquele requisito, até que seja efetivamente considerado culpado, com o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/88). Precedentes.
II - Na hipótese dos autos, em que pese o impetrante ter respondido a dois processos penais, verifica-se que nenhum dos referidos processos culminou em uma sentença penal condenatória, a caracterizar, na espécie, a ilegalidade do ato praticado pela autoridade coatora, que não homologou o Certificado do Curso de Vigilante do apelado.
III - Apelação e Remessa Oficial desprovidas. Sentença confirmada.
(grifo nosso) (TRF 1ª Região, Numeração Única: 0015237-79.2009.4.01.3400, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Souza Prudente, e-DJF1 19/09/2012, p. 44)

ADMINISTRATIVO. PENAL. HOMOLOGAÇÃO DE CERTIFICADO DE CURSO DE RECICLAGEM DE VIGILANTE. ANTECEDENTES CRIMINAIS. CUMPRIMENTO DA PENA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
1. Os fatos ocorreram em 1999 e 2004. Tendo a pretensão punitiva sido extinta por cumprimento da pena, não seria razoável impor-se ao apelado os efeitos da condenação perpetuamente.
2. Apelação provida.” (grifo nosso)
(TRF 1ª Região, AMS 0035136-97.2008.4.01.3400/DF, 5ª Turma, Rel. Juiz Federal Convocado Alexandre Laranjeiras, unânime, DJ 15/04/2011)

ADMINISTRATIVO. REGISTRO DE CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE VIGILANTES. LEI 7.102/83. CONDENAÇÃO CRIMINAL POR ESTUPRO. CUMPRIMENTO INTEGRAL DE PENA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. ART. 64, I, DO CÓDIGO PENAL. ART. 5º, XLVII, B), DA CONSTITUIÇÃO. RECURSO PROVIDO.
1. O art. 16, VI, da Lei 7.102/93 exige para o exercício da profissão de vigilante não ter antecedentes criminais registrados.
2. A condenação do candidato a vigilante por dois estupros, com cumprimento da pena há mais de seis anos, não representa empecilho ao registro do certificado do curso. A uma, porque o efeito de uma condenação penal desaparece depois de cinco anos do cumprimento da pena, nos termos do art. 64, I, do Código Penal. A duas, porque a pena não pode gerar efeitos indefinidamente, pela proibição de pena de caráter perpétuo, a teor da alínea b) do inciso XLVII do artigo 5º da Constituição.
3. Apelação provida para determinar o registro do certificado do viligante.” (grifo nosso)
(TRF 1ª Região, AC 0033643-22.2007.4.01.3400/DF, 5ª Turma, Rel. Juiz Federal Convocado Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, unânime, e-DJF1 18/02/2011, p. 103)


Os antecedentes criminais, como se vê, seriam óbices para que, posteriormente, a atividade de vigilância-que inclui o porte de armas- pudesse ser exercida.

Em verdade, o que transparece do ofício emitido pela PF é que parece ser vedado, ao indivíduo já punido pela Lei, exercer atividade honesta, por suposta chaga espiritual, espécie de signo mefistofélico que o acompanha, qual cão sarnento, pelas tortuosas sendas da existência.

Atitude vil, Julgadores, esta que se firma em Direito para assinalar o ex-delituoso como animal réprobo, besta sem porvir que, à semelhança do sino atado ao pescoço dos leprosos, avisava que circulava ali um condenado, com a capacidade de tingir de maldade pessoas de bem.

Indecorosa a disposição da Lei 10.826/2003; a despeito dos mais calorosos discursos em nome da dignidade e do repúdio à sentença ad eternum, almeja remar contra o neopenalismo, e retomar tenebroso paradigma jurídico antediluviano.

É o entendimento do TRF da 1ª região:

ADMINISTRATIVO. REGISTRO DE CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE VIGILANTES. LEI 7.102/83. CONDENAÇÃO CRIMINAL POR ESTUPRO. CUMPRIMENTO INTEGRAL DE PENA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. ART. 64, I, DO CÓDIGO PENAL. ART. , XLVII, B), DA CONSTITUIÇÃO. RECURSO PROVIDO.
1. O art. 16, VI, da Lei 7.102/93 exige para o exercício da profissão de vigilante não ter antecedentes criminais registrados.
2. A condenação do candidato a vigilante por dois estupros, com cumprimento da pena há mais de seis anos, não representa empecilho ao registro do certificado do curso. A uma, porque o efeito de uma condenação penal desaparece depois de cinco anos do cumprimento da pena, nos termos do art. 64, I, do Código Penal. A duas, porque a pena não pode gerar efeitos indefinidamente, pela proibição de pena de caráter perpétuo, a teor da alínea b) do inciso XLVII do artigo da Constituição.(grifo nosso).
3. Apelação provida para determinar o registro do certificado do viligante.
TRF 1ª REGIÃO.AC 33643 DF 0033643-22.2007.4.01.3400. 5ª TURMA.


O ilustre Marquês de Beccaria, em sua mais ilustre obra, já dissertava sobre a nocividade da pena extensiva, que produziria maior efeito do que uma maior intensidade da sanção.

É o que ilegalmente se verifica na atitude da União, ao discriminar para todo o sempre indivíduo que apenas respondeu a processo penal não qual sequer foi condenado.

O que se olvida, nas salas e câmaras acadêmicas, é que a atividade jurisdicional deve, a par de tudo, ser examinada primariamente sob o prisma da Justiça.

Ainda que houvesse sido condenado, infere-se do Código Penal que, após período quinquenal, restaria solvida a questão de reincidência.

Não tendo sido condenado em processo que compareceu em juízo, não há sequer como se falar em ex-condenação, maiores motivos para, no caso em tela, não haver possibilidade limitativa à atividade de vigilância.

O estabelecimento de limitação à livre atividade de qualquer trabalho (art. 5°, CF/88, inciso XIII), atitude que se vislumbra na Lei 10.826/2003 e Decreto n. 5123/2004, opõe-se à ordem constitucional e não corresponde aos paradigmas atuais de dignidade e igualdade.

A tentativa ilegítima de criar signo de intermitente periculosidade, desclassificando perpetuamente a honra objetiva do autor no cerne social consiste em afronta ao equilíbrio fraterno no locus civilis, frontal moléstia ao mútuo apoio e respeito que se espera preservado no ambiente social.

Tais leis infraconstitucionais, por denegrirem a imagem idônea do autor e atinarem contra a fraternidade e a solidariedade, direitos constitucionais de quarta dimensão1, além de acutilarem a isonomia, a presunção de inocência e a livre atividade laboral, são frontalmente INCONSTITUCIONAIS, fazendo-se nulas entre as partes que pelejam em juízo.

DA INAPLICABILIDADE DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO


A autoridade apelada não pode se valer do art. 4º, I, da Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), combinado com o art. 38 do Decreto 5.123/04 (Regulamento do Estatuto do Desarmamento) para eventualmente fundamentar sua postura de desautorizar a frequência do apelante ao curso de reciclagem de vigilantes.

Primeiro, porque o art. 4º, I, da Lei 10.826/03 não se presta a regular o caso concreto, pois cuida de disciplinar os requisitos para aquisição de arma de fogo por particulares, o que não ocorre no caso do vigilante, que recebe arma do empregador. Eis redação do dispositivo: “Art. 4º Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos: I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos”.

Segundo, porque o art. 38 do Decreto 5.123/04 (literalmente: “A autorização para o uso de arma de fogo expedida pela Polícia Federal, em nome das empresas de segurança privada e de transporte de valores, será precedida, necessariamente, da comprovação do preenchimento de todos os requisitos constantes do art. 4o da Lei no 10.826, de 2003, pelos empregados autorizados a portar arma de fogo”), ao invocar os requisitos do art. 4º da Lei 10.826/03, extrapola o âmbito meramente regulamentar (já que o precitado art. 4º não se presta a regular a “autorização para o uso de arma de fogo expedida pela Polícia Federal, em nome das empresas de segurança privada”), incorrendo em ilegalidade.

Terceiro, porque não é aplicável à espécie o art. art. 4º, I, da Lei 10.826/03, mas sim o art. 16 da Lei 7.102/16, que é lei especial em relação ao Estatuto do Desarmamento. Mas, ainda que se entenda aplicável o art. art. 4º, I, da Lei 10.826/03, não há como se escapar da declaração de inconstitucionalidade incidental desse dispositivo, de forma parcial e com redução de texto (a fim de extirpar a expressão “e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal”), na medida do quanto já explicitado, por violar o princípio constitucional da presunção de inocência.

Por todo o exposto, verifica-se o direito líquido e certo do autor tem ter acesso ao certificado de conclusão do curso de vigilante, no qual foi aprovado.

Dessa forma, afigura-se imprescindível a intervenção do Poder Judiciário, a fim de impedir a concretização de ato ilegítimo, abusivo e inconstitucional, consubstanciado na negativa do registro do certificado de vigilante ao Autor.


Ademais, é sabido que a condenação criminal não pode ter efeitos perpétuos sobre a pessoa do apenado, mesmo ainda para impedi-lo de exercer a profissão, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana.


DA REINSERÇÃO SOCIAL

O sistema jurídico brasileiro já há muito superou o paradigma puramente retributivo do âmbito criminal. Os ideais de prevenção e reinserção social, ao longo dos séculos, vieram abrandar o aspecto vingativo do Direito Penal anterior a fim de ajustá-lo, mais harmonicamente, aos novos horizontes abarcados pelo Estado Democrático de Direito.

A vendeta pública, portanto, cedeu espaço a maior humanização punitiva, que inclui, dentre múltiplos aspectos, o respeito à dignidade do indivíduo que meramente se viu submetido a inquérito policial ou a processo criminal ou, ainda, daquele condenado ao cárcere.

A ressocialização do ex-detento ou, como no caso em testilha, daquele que meramente respondeu a processo criminal, vem no intuito de dignificar e resgatar a autoestima do indivíduo que, tendo delinquido uma vez, não se vê necessariamente propenso a cometer novo crime.

Cobra relevo o absurdo: as disposições legais balizadoras da sentença, ao limitar o autor a obter diploma do curso de vigilância, afirmam que ao ex-delinquente é negado o direito de, no seio social, ter confiado a si trabalho lícito, pois restaria inidôneo, imoral e, em sua vileza inata, ameaçaria a paz social.

Parece-nos que, por tal atitude, o Poder Público quase almeja a reincidência.
Há no senso de justiça comum infernal tendência a, por meio de supressão da dignidade do ex- delinquente, rebaixá-lo às vielas e alcovas mais nauseabundas, tolhendo-o, por conta do passado, à perspectiva de ser com plenitude.
Não esperamos, Doutores, que se faça réplica da justiça social costumeira, sob o risco de, como nos sensos comuns populares, cometer-se visível injustiça.

Posto isto, há que se respeitar as prerrogativas da Carta Maior acima de qualquer norma infraconstitucional, essencialmente quando se vislumbra tentativa de punição perpétua, impedindo-se o autor de reinserir-se na sociedade.


IV - DOS PEDIDOS

Ante o exposto, a parte apelante pugna pela concessão monocrática da antecipação da pretensão recursal, pelo conhecimento e provimento do presente recurso para que seja reformada a sentença, julgando procedentes todos os pedidos formulados na inicial, como medida de JUSTIÇA!

Nestes termos,

Pede e espera deferimento.

Brasília, 08 de maio de 2013.

ALEXANDRE MENDES LIMA DE OLIVEIRA
Defensor Público Federal

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EMENTA 
ADMINISTRATIVO. REGISTRO DE CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DO CURSO  DE FORMAÇÃO DE VIGILANTES. NEGATIVA EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE  CONDENAÇÃO CRIMINAL PELO CRIME DE FURTO TENTADO. ART. 64, I, DO  CÓDIGO PENAL E ART. 5º, XLVII, “B’, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.  IMPOSSIBILIDADE. 
I - Não obstante se reconheça a legitimidade da exigência de idoneidade moral  para o exercício profissional de vigilante, eventual condenação penal pelo crime de  furto tentando, não tem o condão, por si só, de configurar a ausência daquele  requisito, mormente em se tratando de hipótese, como no caso, em que o autor  teve a sua pena declarada extinta desde 1996. 
II – Ademais, considerando, ainda, que o art. 64, inciso I, do Código Penal  estabelece que o efeito da condenação penal desaparece depois de transcorrido  cinco anos do cumprimento da pena, bem assim, que a Constituição Federal veda  a pena de caráter perpétuo (CF, art. 5º, inciso XLVII, alínea “b”), afigura-se  juridicamente possível, no caso, o registro do Certificado de Formação de Vigilante  em nome do autor, desde que cumpridos os demais requisitos legais. 
III - A antecipação da tutela poderá ser concedida, liminar ou incidentalmente, nos  termos dos arts. 273, caput, e respectivos §§ 6º e 7º, c/c o art. 461, § 3º do CPC, e  revogada ou modificada a qualquer tempo, afigurando-se legítimo o seu  deferimento, quando presentes os requisitos legais para a sua concessão, como  no caso. 
IV – Apelação do autor provida. 

ACÓRDÃO 
Decide a Turma, por unanimidade, dar provimento à apelação do autor.  Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Em 21/05/2014. 

RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE
(RELATOR):
Cuida-se de recurso de apelação interposto contra sentença proferida pelo douto juízo da 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, que, nos autos ajuizados por XXX contra a União Federal, julgou improcedente o pedido, onde se objetiva a declaração de nulidade do ato administrativo que indeferiu o registro do Certificado do Curso de Formação de Vigilante efetivado pelo autor, independentemente da existência de condenação criminal anterior pela prática do crime de furto tentado.
Em suas razões recursais, o autor sustenta, em resumo que “se a Lei nº 7.102/1983 exige apenas certidão de antecedentes criminais, na qual pode constar eventual condenação criminal já transitada em julgado com punibilidade não extinta, em respeito ao princípio da inocência, não pode o Diretor Geral da Polícia Federal, usando seu poder regulamentar, aumentar as exigências para exercício profissional do impetrante. Ademais, ainda que lei houvesse vedando a expedição do certificado por conta de condenação penal com punibilidade extinta, tal lei seria obviamente inconstitucional por violação ao princípio da presunção de não culpabilidade, previsto no art. 5º, LVIII, da CF. Ademais, é sabido que a condenação criminal não pode ter efeitos perpétuos sobre a pessoa do apenado, mesmo ainda para impedi-lo de exercer a profissão, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana”. Por fim, argumenta a inaplicabilidade do Estatuto do Desarmamento na espécie dos autos.

Apresentadas contrarrazões, subiram os autos a este egrégio Tribunal.

Este é o relatório.


VOTO
SOUZA PRUDENTE
(RELATOR):

I

Na hipótese dos autos, o autor foi condenado pelo crime de furto tentado, sendo a sua pena declarada extinta em 06/11/1996. Com efeito, nos termos do art. 64, I, do Código Penal “não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.”

Deste modo, considerando que o aludido dispositivo legal estabelece que o efeito da condenação penal desaparece depois de transcorridos cinco anos do cumprimento da pena, bem assim, que a Constituição Federal veda a pena de caráter perpétuo (CF, art. 5º, inciso XLVII, alínea “b”), afigura-se juridicamente possível, no caso, o registro do Certificado de Formação de Vigilante em nome do autor, desde que cumpridos os demais requisitos legais.

Nessa linha de entendimento, confiram-se, dentre outros, os seguintes julgados desta Corte Regional, in verbis:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REGISTRO DE CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE FORMAÇÃO/RECICLAGEM DE VIGILANTES. NEGATIVA EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE CONDENAÇÃO CRIMINAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO CUMPRIMENTO DA PENA, PELO CRIME DE LESÃO CORPORAL. ART. 64, I, DO CÓDIGO PENAL E ART. 5º, XLVII, "B', DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE.
I - Não obstante se reconheça a legitimidade da exigência de idoneidade moral para o exercício profissional de vigilante, não mais subsistindo os efeitos da condenação penal imposta ao suplicante, em razão da extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena, como no caso, afigura-se indevida a negativa de registro do curso de formação ou reciclagem por ele realizado, sem prejuízo do cumprimento dos demais requisitos legais.
II - A antecipação da tutela poderá ser concedida, liminar ou incidentalmente, nos termos dos arts. 273, caput, e respectivos §§ 6º e 7º, c/c o art. 461, § 3º do CPC, e revogada ou modificada a qualquer
tempo, afigurando-se legítimo o seu deferimento, quando presentes os requisitos legais para a sua concessão, como no caso.
III - Agravo regimental desprovido. Decisão agravada mantida.
(AGAMS 0019962-14.2009.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.362 de 13/03/2014)

ADMINISTRATIVO. REGISTRO DE CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE VIGILANTES. LEI 7.102/83. CONDENAÇÃO CRIMINAL POR ESTUPRO. CUMPRIMENTO INTEGRAL DE PENA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. ART. 64, I, DO CÓDIGO PENAL. ART. 5º, XLVII, B), DA CONSTITUIÇÃO. RECURSO PROVIDO.
1. O art. 16, VI, da Lei 7.102/93 exige para o exercício da profissão de vigilante não ter antecedentes criminais registrados.
2. A condenação do candidato a vigilante por dois estupros, com cumprimento da pena há mais de seis anos, não representa empecilho ao registro do certificado do curso. A uma, porque o efeito de uma condenação penal desaparece depois de cinco anos do cumprimento da pena, nos termos do art. 64, I, do Código Penal. A duas, porque a pena não pode gerar efeitos indefinidamente, pela proibição de pena de caráter perpétuo, a teor da alínea b) do inciso XLVII do artigo 5º da Constituição.
3. Apelação provida para determinar o registro do certificado do vigilante.
(AC 0033643-22.2007.4.01.3400/DF, Rel. Desembargador Federal Fagundes De Deus, Conv. Juiz Federal Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves (conv.), Quinta Turma,e-DJF1 p.103 de 18/02/2011)

Há de ver-se, ainda, que a Lei nº 7.102, de 20 de julho de 1983, que disciplina a atividade das empresas particulares que prestam serviços de vigilância e de transportes de valores, estipula, em seu art. 16, inciso VI, que o exercício da profissão de vigilante pressupõe a inexistência de antecedentes criminais registrados.

Por sua vez, a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, dispondo sobre o registro, a posse e a comercialização de armas de fogo e munição, estabelece, dentre outros requisitos, que a sua aquisição reclama a “comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos” (art. 4º, inciso I).

Vê-se, pois, que, para o exercício da profissão de vigilante, a exigência legal, dentre outras, é a de que não possua antecedentes criminais registrados (Lei nº 7.102/83, art. 16, VI). Por seu turno, para a aquisição de armas de fogo, exige a lei, além dos demais requisitos, a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais, fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal que poderão ser fornecidos por meios eletrônicos (Lei nº 10.826/2003, art. 4º, inciso I).

Portanto, existe um tratamento claramente diferente quanto aos requisitos exigidos para o exercício da profissão de vigilante, dentre os quais, exige-se, apenas, a comprovação de inexistência de antecedentes criminais, aí compreendidos, evidentemente, apenas aqueles precedidos de competente sentença penal condenatória transitada em julgado, nos termos do art. 5º, LVII, da Constituição Federal, enquanto que para aquisição de armas de fogo, além desses antecedentes criminais, deve o interessado comprovar que não responde a inquérito policial ou a processo criminal.

É bem verdade que o Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004, ao regulamentar a referida Lei nº 10.826/2003, estabeleceu, em seu artigo 38, que “a autorização para o uso de arma de fogo expedida pela Polícia Federal, em nome das empresas de segurança privada e de transporte de valores, será precedida, necessariamente, da comprovação do preenchimento de todos os requisitos constantes do , pelos empregados autorizados a portar arma de fogo”. 

Ocorre, porém, que a imposição em referência afigura-se manifestamente ilegal, na medida em que estabeleceu restrição não prevista em lei, violando, assim, o princípio da legalidade, insculpido no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal.

II

Por fim, vejo presentes, na espécie, os pressupostos legais necessários à concessão da almejada antecipação da tutela, por força do que dispõe o art. 202 da Lei nº. 7.210/84, na dicção de que “cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei” e, também, por se afinar com a orientação jurisprudencial já cristalizada no âmbito deste egrégio Tribunal e do colendo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, “para o registro de que se cuida, indispensável a ausência de antecedentes criminais. Contudo, a existência deles não pode constituir empeço à pretensão, quando, como no caso, o impetrante já cumpriu as penas que lhe foram impostas, estando, inclusive, arquivados os respectivos processos criminais. O indeferimento do pedido, nessa hipótese, significa perpetuar os efeitos da pena, o que é expressamente vedado pela Constituição” (AMS 0001789-10.2008.4.01.4100 / RO, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.367 de 14/09/2009).

Nesse mesmo sentido, confira-se, dentre outros, o seguinte julgado:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. PENAL. HOMOLOGAÇÃO DE CERTIFICADO DE CURSO DE RECICLAGEM DE VIGILANTE. ANTECEDENTES CRIMINAIS. CUMPRIMENTO DA PENA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. 1. Os fatos ocorreram em 1999 e 2004. Tendo a pretensão punitiva sido extinta por cumprimento da pena, não seria razoável impor-se ao apelado os efeitos da condenação perpetuamente. 2. Apelação provida.
(AMS 0035136-97.2008.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL ALEXANDRE JORGE FONTES LARANJEIRA (EM SUBSTITUIÇÃO), QUINTA TURMA, e-DJF1 p.149 de 15/04/2011)

Presentes, pois, na espécie, os pressupostos legais necessários para a concessão da antecipação da tutela, que poderá ser concedida, liminar ou incidentalmente, nos termos dos arts. 273, caput, e respectivos §§ 6º e 7º, c/c o art. 461, § 3º do CPC, e revogada ou modificada a qualquer tempo, impõe-se a concessão da medida.

III

Com estas considerações, dou provimento à apelação do autor, deferindo, desde logo, o pedido de antecipação da tutela formulado, para determinar ao Departamento da Polícia Federal que proceda, de logo, ao registro do certificado do curso de formação da profissão de vigilante realizado pelo recorrente, sem prejuízo do preenchimento dos demais requisitos legais.

Oficie-se ao Sr. Diretor-Geral do Departamento da Polícia Federal, para cumprimento desse Acórdão mandamental, no prazo de 05 (cinco) dias, a contar da ciência deste decisum, sob pena de multa coercitiva no montante de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de atraso, sem prejuízo das sanções previstas no parágrafo único do artigo 14, inciso V, do CPC.

Este é meu voto.





1 BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos.







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