Rui Barbosa foi o primeiro a
estabelecer as diferenças entre direitos fundamentais e garantias fundamentais. Segundo o jurista, os direitos
fundamentais
são aquelas disposições declaratórias que asseguram um bem ou uma
vantagem ao cidadão. Já as garantias
fundamentais
são aquelas que visam concretizar os bens ou vantagens,
instrumentalizando sua efetividade contra o arbítrio estatal.
As
vezes um direito e garantia é contemplado em um mesmo dispositivo
constitucional. O princípio do juiz natural, por exemplo, é ao mesmo tempo um
direito e uma garantia, assegurada através da vedação aos
tribunais de exceção.
Os
remédios constitucionais constituem espécies de garantias
fundamentais. Nem sempre um direito fundamental do cidadão é
garantido através de garantia fundamental. As vezes é protegido por
um remédio constitucional.
O
primeiro grande remédio constitucional é o mandado
de injunção.
O
mandado de injunção está previsto no art. 5, VXXI, da Constituição
Federal. Sempre que uma norma constitucional depender de
regulamentação infraconstitucional e sempre que o Poder Legislativo
permanecer omisso na regulamentação desta norma constitucional,
será cabível o mandado de injunção. É essa a finalidade do
mandado de injunção: efetivar as normas
constitucionais de
eficácia
limitada. Injunção
é sinônimo de imposição.
José
Afonso da Silva faz a célebre classificação das normas
constitucionais quanto a sua eficácia e aplicabilidade: a) normas
de eficácia plena,
que possuem aplicabilidade imediata e plena, sem necessidade de
regulamentação infraconstitucional; b) normas
de eficácia contida,
que possuem as mesmas características das normas de eficácia plena,
com a particularidade de que a legislação infraconstitucional pode
reduzir, em certa medida, seu âmbito de incidência e c) normas de
eficácia limitada: cria um direito que, porém, não pode ser
imediatamente exercido, sendo dependente de uma lei regulamentadora
(ex: direito de greve dos servidores públicos, art. 37, VII).
O
servidor público tem direito a greve? Sim. Mas ele pode exercê-lo?
Em princípio não, pois é necessária a superveniência de uma
norma infraconstitucional para regulamentar esse direito. Ocorre que
passados mais de 20 anos da promulgação da Constituição Federal,
essa norma regulamentadora ainda não foi editada pelo Poder
Legislativo.
Portanto,
o objeto
do mandado de injunção
é sempre uma norma
constitucional de eficácia limitada.
Há
dois entendimentos doutrinários: a primeira corrente sustenta que a
utilidade do mandado de injunção é apenas comunicar ao Legislativo
a mora legislativa, pois o Poder Judiciário não poderia exercer a
função de legislador positivo. O segundo entendimento defende que o
mandado de injunção se presta a efetivar concretamente um direito
constitucional que não está sendo exercido pela falta da norma
constitucional regulamentadora.
A
expressão “norma infraconstitucional regulamentadora” prevista
no art. 5º, VXXI, da CF deve ser interpretada extensivamente no
sentido amplo, englobando não só a lei em sentido estrito, mas
também decreto, portaria, resolução.
Quanto
a expressão “direitos e liberdades constitucionais” prevista no
art. 5º, VXXI, da CF, há três correntes doutrinárias. A primeira
é defendida, entre outros, por Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
segundo a qual apenas os direitos políticos (nacionalidade,
cidadania, que digam respeito a soberania estatal), poderiam ser
protegidos por mandado de injunção. A segunda corrente, sustentada
por JJ Calmon de Passos, não só os direitos políticos, mas
qualquer direito fundamental expressamente previstos no Título II da
Constituição Federal podem ser tutelados por mandado de injunção.
Por fim, a terceira corrente, sustentada por Flávia Piovesan e Luis
Roberto Barroso, defende que todos os direitos fundamentais previstos
na CF como um todo, aí incluídos os direitos individuais, os
direitos coletivos, os direitos difusos e até mesmo os direitos
sociais, são passíveis de tutela via mandado de injunção, sendo
essa a interpretação que tem prevalecido na jurisprudência.
Apesar
da Constituição Federal contemplar apenas o mandado de injunção
individual, tem-se admitido pela jurisprudência do STF o mandado
de injunção coletivo,
podendo ser impetrado pelos mesmos legitimados a impetração do
mandado de segurança coletivo (art. 5º, VXX, CF), acrescentando aí
o Ministério Público, quando os interesses em jogo forem interesses
difusos (isso tem previsão expressa no art. 6º da lei Complementar
n. 75/93 e do art. 80 da Lei n. 8.625).
A
associação de classe, para impetrar mandado de injunção coletivo,
não precisa ser constituída há pelo menos um ano. O STJ entendeu
que essa exigência é exclusiva para impetração de mandado de
segurança, não se aplicando ao mandado de injunção (Mandado de
Injunção n. 19 do Distrito Federal).
Quanto
a competência
para processar e julgar o mandado de injunção, adota-se o critério
ratione
personae,
ou seja, a competência dependerá de quem é a atribuição de
editar a norma constitucional regulamentadora. Se a omissão apontada
é do Presidente da República ou ao Congresso Nacional, a
competência é do STF (art. 102, I, “q”, CF). Se a atribuição
é de uma autoridade administrativa federal diversa, a competência é
do STJ (art. 105, I, “h”, CF).
É
muito comum confundir o mandado
de injunção
com uma ação
direta de inconstitucionalidade por omissão.
A única coincidência existente diz respeito ao objetivo: ambas as
ações buscam efetivar normas constitucionais carentes de normas
infraconstitucionais regulamentadoras.
Mas
há várias diferenças:
a)
os
legitimados para a ADI por omissão estão previstos no art. 103 da
CF, já o rol de legitimado para mandado de injunção é bem amplo.
Qualquer pessoa (física ou jurídica, nacional ou estrangeira) que
dependa da edição de norma infraconstitucional regulamentadora para
exercer um direito fundamental é legitimada ativa para o mandado de
injunção;
b)
a ADI por omissão é uma ação abstrata, com efeitos erga
omnes,
já o mandado de injunção é uma ação de natureza concreta, de
natureza subjetiva, com efeitos inter
partes (salvo
no mandado de injunção coletivo); c)
a ADI por omissão é uma ação de garantia da CF como um todo,
enquanto o mandado de injunção é uma ação de garantia do direito
do cidadão; d)
na
ADI por omissão, o procedimento é o mesmo da ação direta por
ação, naquilo que couber (Lei n. 9.868/99, naquilo que couber. Por
exemplo, cabe medida cautelar na ADI por ação, mas na ADI por
omissão não), no mandado de injunção, adota-se por analogia a lei
do mandado de segurança, naquilo que couber (Lei n. 12.016/2009,
naquilo que couber. Ex: a jurisprudência do STF vem entendendo pelo
não cabimento de liminar em mandado de injunção); e)
os critérios de competência para julgamento de ADI por omissão e
mandado de injunção são diferentes (ADI por omissão que viole a
CF a competência é do STF, já o critério de competência para
julgar mandado de injunção é ratione
personae,
depende de quem tem a atribuição de editar a norma
infraconstitucional regulamentadora.
A
Constituição Federal não prevê para os Tribunais de Justiça a
competência para julgar mandado de injunção, mas cada estado da
federação tem autonomia legislativa, dentro do seu poder
constituinte derivado decorrente, para prever o mandado de injunção.
O
STF, ao longo de vários anos, adotou a posição não concretista
nos julgamentos das ADIs por omissão. Se o legislador era omisso, o
STF se limitava a declarar a mora legislativa e comunicar ao Poder
Legislativo, pois o STF não poderia agir como legislador positivo,
sob pena de ofensa a separação dos poderes. Se, porém, a inércia
fosse atribuída ao Poder Executivo, o entendimento do STF se
mantinha. Apenas em se tratando de um órgão administrativo do Poder
Executivo, o STF dava eficácia mandamental a ADI por omissão,
fixando prazo de 30 dias para suprir a omissão, sob pena de
responsabilidade do agente público omisso.
Quanto
a eficácia da decisão proferida em mandado de injunção, a
jurisprudência do STF há alguns anos atrás deixou de adotar a
teoria não concretista para adotar a teoria
concretista
do mandado de injunção: a procedência do mandado de injunção
autoriza não só a declaração da mora legislativa e ciência ao
órgão responsável pela omissão, mas também ao STF preencher
provisoriamente a lacuna,
garantindo o exercício do direito até que a norma regulamentadora
venha a dispor de forma diferente (MI n. 712 – direito de greve dos
servidores públicos, MI n. 721 – aposentadoria especial do
servidor público).
Assim,
a decisão de mérito em mandado de injunção é uma decisão
provisória,
regulando a situação até que a lei seja editada.
O
STF decidiu que a superveniência da lei regulamentadora, em regra,
prejudica a análise do mandado de injunção. Porém, em casos em
que o julgamento do mandado de injunção foi suspenso para a
edição, pela corte, de proposta de regulamentação provisória do
direito fundamental a ser incluída na decisão da Suprema Corte, a
superveniência da norma infraconstitucional regulamentadora não
prejudica a análise desses mandado de injunção. De forma
interessante, o STF decidiu que a norma regulamentadora superveniente
não seria aplicável retroativamente aos casos pendentes, mas seria
possível a Suprema Corte adotar
parâmetros idênticos ao da norma regulamentadora superveniente,
sem que se tenha por malferido o princípio da irretroatividade.
Nessa
linha, “destacou-se
que a superveniência da lei não prejudicaria a continuidade de
julgamento dos presentes mandados de injunção. Asseverou-se que, na
espécie, a interrupção somente ocorrera para consolidar-se
proposta de regulamentação provisória, a ser incluída na decisão
da Corte, a qual já teria reconhecido a mora legislativa e julgado
procedente o pleito. Em seguida, registrou-se que, a partir da
valoração feita pelo legislador infraconstitucional, seria possível
adotar-se, para expungir a omissão, não a norma regulamentadora
posteriormente editada, mas parâmetros idênticos aos da referida
lei, a fim de solucionar os casos em apreço”
(STF,
MI 943/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.2.2013,
Informativo n. 694).

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