quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Notas de aula: Exemplo de mandado de injunção coletivo

Excelentíssimo Senhor
Ministro GILMAR MENDES
Presidente do Supremo Tribunal Federal
Brasília-DF


MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO
(Assunto: Servidor Público – Aposentadoria Especial – Mora legislativa)


O SINDICATO NACIONAL DOS SERVIDORES FEDERAIS AUTÁRQUICOS NOS ENTES DE FORMULAÇÃO, PROMOÇÃO E FISCALIZAÇÃO DA POLÍTICA DA MOEDA E DO CRÉDITO – SINAL, entidade sindical regularmente constituída, inscrita no CNPJ sob o nº 61.053.070/0001-00, com sede no SCS, Quadra 1, Bloco G, Edifício Baracat, Sala 401, Asa Sul, Brasília, DF, atuando como substituto processual de seus filiados, vem à presença de Vossa Excelência, por seus procuradores signatários, que recebem intimações no Setor Bancário Norte (SBN), Quadra 02, Bloco J, Ed. Engenheiro Paulo Maurício, Salas 809/813, Telefones (61) 3327-0934 e 3326-0554, Brasília-DF, com suporte nos artigos 5º, LXXI, e 8º, III, da Constituição da República, impetrar MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO em face da omissão do Excelentíssimo Senhor PRESIDENTE DA REPÚBLICA, conforme segue:

1. DO OBJETO E DO INTERESSE DE AGIR

O Impetrante é entidade sindical de base, de nível nacional, que congrega os servidores públicos federais autárquicos pertencentes aos quadros do Banco Central do Brasil - BACEN, regidos pela Lei nº 8.112, de 1990, e pretende, através do presente Mandado de Injunção, obter pronunciamento mandamental que assegure a obtenção de aposentadoria especial aos servidores processualmente substituídos “cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física” (artigo 40 § 4º, III, da Constituição Federal1), ante a omissão legislativa em editar a Lei Complementar para regulamentar o exercício do direito.

A omissão denunciada deriva da mora do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, vez que, nos termos do disposto no artigo 61, § 1°, II, c, da Constituição Federal, detém ele iniciativa privativa para a deflagração de processo legislativo que trate da aposentadoria dos servidores públicos da União, como se vê:

Art. 61 A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (…)
II - disponham sobre:
(…)
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
(…)”

O interesse de agir exsurge a partir da jurisprudência da Suprema Corte, que, em controle difuso, é rigorosa ao afirmar a impossibilidade de concessão da aposentadoria especial, porque ausente lei regulamentadora da matéria.2 Nesse sentido vale observar que diversos servidores do Banco Central do Brasil - BACEN têm atribuições que envolvem atividades perigosas ou insalubres (artigo 68 da Lei nº 8.112, de 19903), porque permanentemente sujeitos a riscos à integridade física ou a agentes nocivos à saúde,4 exercendo atividades abrangidas pelo disposto no artigo 40, § 4º, III, da Constituição Federal, o que ensejaria a obtenção de aposentadoria especial.

Como exemplo atividades perigosas registra-se os servidores que exerceram, até a data da vigência da Portaria 196/1989, o cargo de vigilante e, após essa data aqueles que se mantiveram na atividade, com porte de armas. Há, também, servidores que exercem atividades perigosas ligadas a transporte de valores, expostos permanentemente a situações de risco.

A insalubridade, por sua vez, atinge, entre outros, os servidores lotados no Meio Circulante – MECIR conforme já restou comprovado em Laudo de Avaliação Ambiental elaborado por Médico do Trabalho, após perícia realizada nas dependências do Departamento do Meio Circulante do BACEN das cidades de Belém, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo quando restaram bem definidos os riscos da atividade em face dos fatores ‘ruído’ e ‘poeira’.

Por isso, é cabível a pretensão, pois a impetração tem suporte constitucional, no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal que assim dispõe:

Art. 5º (…)
(...)
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; (…)”

Com efeito, é competente o E. Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar este Mandado de Injunção, porque o ato omissivo deriva de autoridade ou órgão submetido à jurisdição dessa Corte, ex vi do artigo 102, I, q, da Constituição Federal.5

2. DA LEGITIMIDADE

Trata-se da defesa de interesse ou direito coletivo6 da categoria representada pela entidade sindical ou, pelo menos, de interesse ou direito de parte da categoria;7 senão, de direitos individuais homogêneos dos servidores interessados, porque “decorrentes de origem comum”,8 hipóteses que, indistintamente, alcançam legitimidade ativa extraordinária ao sindicato, porquanto pleiteia, em nome próprio, direito alheio, assim autorizado no artigo 6º, do Código de Processo Civil, quando afirma que “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.”

A exigida autorização legislada vem da Constituição Federal, cujo artigo 8º, III, atribui aos sindicatos “a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”, tal que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que “os sindicatos têm legitimidade processual para atuar na defesa de todos e quaisquer direitos subjetivos individuais e coletivos dos integrantes da categoria por ele representada”.9

Logo, o sindicato é parte legitima para impetrar Mandado de Injunção Coletivo, também porque a “jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de admitir a utilização, pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe, do mandado de injunção coletivo, com a finalidade de viabilizar, em favor dos membros ou associados dessas instituições, o exercício de direitos assegurados pela Constituição”.10

Cumpre consignar que, para propor esta ação, do sindicato é inexigível a obtenção de expressa autorização dos servidores sindicalizados, bem como inexigível a apresentação da relação nominal daqueles processualmente substituídos, conforme assegura a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, como se vê:

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. OBJETO A SER PROTEGIDO PELA SEGURANÇA COLETIVA. C.F., art. 5º, LXX, "b".
I. - A legitimação das organizações sindicais, entidades de classe ou associações, para a segurança coletiva, é extraordinária, ocorrendo, em tal caso, substituição processual. C.F., art. 5º, LXX.
II. - Não se exige, tratando-se de segurança coletiva, a autorização expressa aludida no inciso XXI do art. 5º da Constituição, que contempla hipótese de representação.
III. - O objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do writ, exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido na titularidade dos associados e que exista ele em razão das atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe.
IV. - R.E. conhecido e provido.”11

O artigo 8º, III, da Constituição não exige que a entidade sindical obtenha autorização dos sindicalizados para a atuação judicial ou administrativa, porquanto se trata de substituição processual, diferentemente do que ocorre com a legitimidade mediante representação atribuída às associações não-sindicais. O artigo 8º, III, da Constituição estabeleceu um poder-dever aos sindicatos, pois os autoriza a atuação em defesa dos direitos e interesses da categoria e, ao mesmo tempo, impõe-lhes o dever de defendê-los (também por conta do princípio da unicidade sindical; artigo 8º, II, da Constituição). Diferente é o artigo 5º, XXI, da Constituição, que, ao atribuir legitimidade para as associações não-sindicais representar seus filiados, exige expressa autorização deles. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça: “(...) 3 - A Lei nº 8.073/90 (art. 3º), em consonância com as normas constitucionais (art. 5º, incisos XXI e LXX, CF/88), autorizam os sindicatos a representarem seus filiados em juízo, quer nas ações ordinárias, quer nas seguranças coletivas, ocorrendo a chamada substituição processual. Desnecessária, desta forma, autorização expressa ou a relação nominal dos substituídos (cf. STF, Ag Reg RE 225.965/DF e STJ, RMS nº 11.055/GO e REsp. nº 72.028/RJ)12

Do exposto se extrai que as decisões obtidas nesta ação favorecem todos aqueles que, independente de estarem relacionados, se encontrarem na situação fático-jurídica a seguir relatada.13


3. DO DIREITO

3.1. Das disposições constitucionais

A Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 47/2005 prevê, no artigo 201, a aposentadoria especial para os segurados do Regime Geral de Previdência Social:

Art. 201 (…)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.”

Na redação anterior (Emenda Constitucional nº 20/1998) já havia regra semelhante, como se constata:

Art. 201 (…)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.”


A diferença entre as disposições está em que a Emenda 47 estendeu a possibilidade de aposentadoria especial para a hipótese de “se tratar de segurados portadores de deficiência”, caso inexistente no texto da Emenda Constitucional nº 20.14

Para os servidores públicos titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, o tratamento constitucional da questão está disposto no § 4º do artigo 40, também na redação dada pela Emenda Constitucional 47, de 2005:

Art. 40 (…)
(...)
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:
I – portadores de deficiência;
II – que exerçam atividades de risco;
III – cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.”

Também neste caso, a redação dada a esse dispositivo pela Emenda Constitucional nº 20/1998, já disciplinava a questão:15

Art. 40 (…)
(...)
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.”

Assim, para os servidores públicos, a diferença está em que, atualmente, a Constituição Federal permite critérios diferenciados de aposentadoria também aos “portadores de deficiência” e àqueles que “exerçam atividades de risco”, além do que já constava para atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

No último caso antes constava que as atividades deveriam ser exercidas “exclusivamente” sob condições especiais, o que foi suprimido pela Emenda Constitucional nº 47/2005.

Pode-se dizer que as regras constitucionais atuais vedam a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria, o que suporta as seguintes exceções, nas quais se permite a aposentadoria dita especial:

  • para os segurados do regime geral de previdência social: (a) nas atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e (b) aos portadores de deficiência;


  • para servidores públicos: (a) nas atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, (b) aos portadores de deficiência e (c) aos que exerçam atividades de risco.


Em todos os casos a regulamentação da matéria deve ser definida em Lei Complementar, forma com a qual o legislador constitucional qualificou a possibilidade de se estabelecer os requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria.

3.2. Das disposições infraconstitucionais

3.2.1. Dos segurados do Regime Geral de Previdência Social

A Lei nº 8.213/1991 dispõe sobre a aposentadoria especial para os beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, nos termos dos artigos 57 e 58. É assim por força do disposto no artigo 15 da Emenda Constitucional n° 20/1998, que assegura a aplicabilidade desses dispositivos, até a publicação da exigida Lei Complementar, o que não ainda não ocorreu.

Art. 15 - Até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, seja publicada, permanece em vigor o disposto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8213, de 24 de julho de 1991, na redação vigente à data da publicação desta Emenda.”

A partir da Lei nº 9.032/1995, que alterou a Lei nº 8.213, houve significativa mudança na concessão da aposentadoria especial, não mais sendo concedida em função do exercício de atividade profissional que prejudique a saúde ou a integridade física.

Conforme a atual redação do artigo 57 da Lei nº 8.213, a aposentadoria especial aos segurados do Regime Geral de Previdência Social é concedida ao empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual (esta hipótese somente quando cooperado filiado à cooperativa de trabalho ou de produção), que tenha trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante quinze, vinte ou vinte e cinco anos, conforme o caso. Verbis:

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.
.§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício.
§ 2º A data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49.
§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social–INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.
§ 4º O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.
§ 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.
§ 6º O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.
§ 7º O acréscimo de que trata o parágrafo anterior incide exclusivamente sobre a remuneração do segurado sujeito às condições especiais referidas no caput.
§ 8º Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei.”

Portanto, é assegurada aos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social a contagem especial do tempo de serviço para fins de aposentadoria.

Com efeito, o benefício passou a ser concedido em função (a) da comprovação de tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e (b) da efetiva exposição dos trabalhadores aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.

A Lei nº 8.213/1991 determina que a relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial será definida pelo Poder Executivo:

Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo.”
Assim, o Anexo IV do Decreto nº 3.048/1999, ao regulamentar a Lei nº 8.213, estabeleceu a classificação dos agentes nocivos que autorizam a aposentadoria especial e o correspondente período exigido para a concessão do benefício:
Art. 68. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, considerados para fins de concessão de aposentadoria especial, consta do Anexo IV.”

A definição de trabalho permanente também consta do Decreto 3.048/1999, nos seguintes termos:

Art. 65. Considera-se trabalho permanente, para efeito desta Subseção, aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço.”
A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário denominado perfil profissiográfico previdenciário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, ex vi do § 2º do artigo 68 do Decreto nº 3.048/1999.

Art. 68 (…)
(...)
§ 2º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário denominado perfil profissiográfico previdenciário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.”

Para o segurado do Regime Geral de Previdência Social que houver exercido, sucessivamente, duas ou mais atividades sujeitas a condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física, sem completar em qualquer delas o prazo mínimo exigido para a aposentadoria especial, os respectivos períodos serão somados após conversão, conforme a seguinte tabela, considerada a atividade preponderante (artigo 66 do Decreto 3.048, de 1999):

Tempo a
converter
Multiplicadores
Para 15 anos
Para 20 anos
Para 25 anos
De 15 anos
-
1,33
1,67
De 20 anos
0,75
-
1,25
De 25 anos
0,6
0,8
-

Já a conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela, prevista no artigo 70 do Decreto nº 3.048:

Tempo a
converter
Multiplicadores
Mulher (para 30)
Homem (para 35)
De 15 anos
2,00
2,33
De 20 anos
1,50
1,75
De 25 anos
1,20
1,40

A última hipótese de conversão acontece com suporte no § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213/1991, assim redigido:

Art. 57 (…)
(...)
§ 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.”16

Percebe-se que, favorecendo os beneficiários do Regime Geral da Previdência Social, nos casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, há extensa regulamentação de aposentadoria especial, o que constitui apenas a primeira hipótese da ressalva do § 1º do artigo 201 da Constituição Federal.

No que diz respeito à aposentadoria especial de segurados do Regime Geral Portadores de Deficiência – segunda hipótese da ressalva do § 1º do artigo 201 da Constituição Federal, criada pela Emenda Constitucional 47/2005, ainda não há regulamentação.

3.2.2. Dos servidores públicos

Ainda que o § 4° do artigo 40 da Constituição Federal trate da aposentadoria especial para o servidor público, não existe regulamentação do assunto, diferentemente do que acontece para os beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, para a hipótese de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, como se demonstrou.

Não há, portanto, possibilidade de contagem especial de serviço para fins de aposentadoria aos servidores públicos, em nenhuma das hipóteses constitucionais, quais sejam: (a) servidores portadores de deficiência, (b) servidores que exerçam atividades de risco e (c) servidores cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

Por isso a presente impetração com vistas a obter pronunciamento mandamental que assegure a aposentadoria especial àqueles servidores processualmente substituídos “cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física” (artigo 40 § 4º, III, da Constituição Federal, porque há omissão legislativa em editar a Lei Complementar para regulamentar o exercício deste direito, a torná-lo inviável.

3.3. Da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Em 30 de agosto de 2007, o plenário do Excelso Supremo Tribunal Federal julgou o Mandado de Injunção nº 721, relatado pelo Excelentíssimo Ministro Marco Aurélio, oportunidade que acolheu pedido formulado por servidora pública federal contra a Presidência da República17 para, de forma mandamental, adotar o sistema do Regime Geral de Previdência Social (Lei nº 8.213/1991, artigo 57), assentando o direito à aposentadoria especial de que trata o § 4º do artigo 40 da Constituição.

A Suprema Corte adotou a corrente que admite a remoção da omissão legislativa pelo Poder Judiciário, viabilizando o exercício do direito no caso concreto, ao conferir à sua decisão natureza mandamental, não simplesmente declaratória da inércia legislativa.

No Mandado de Injunção nº 721 o Supremo Tribunal Federal asseverou caber-lhe não apenas a declaração da omissão do poder incumbido de regulamentar o direito, mas viabilizar, no caso concreto, o exercício desse direito, afastando as conseqüências da inércia do legislador.

A decisão do Mandado de Injunção nº 721 restou assim resumida (publicada em 30 de novembro de 2007):

MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada. MANDADO DE INJUNÇÃO - DECISÃO - BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA - TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR - ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral - artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91.”

O direito dos servidores públicos à obtenção de aposentadoria especial, anunciado na Constituição Federal desde 1988, não pode ser resolvido sem a intromissão concreta do Supremo Tribunal Federal, porque a norma faltante é constitutiva para o exercício do direito, cuja ausência impede toda e qualquer manifestação dele. Sem a norma, emanada do Congresso ou declarada pelo Supremo, é impossível a obtenção da aposentadoria especial aos servidores públicos, embora diga respeito a direito constitucionalmente assegurado.

Para bem perceber a importância do Mandado de Injunção nº 721 – o que, de outro lado, evidencia o interesse de agir, a obter a regra faltante mediante esta impetração –, cumpre lembrar que a jurisprudência da Suprema Corte, em controle difuso, é absolutamente rigorosa quanto à impossibilidade de concessão da aposentadoria especial, porque faltante a lei regulamentadora da matéria. Veja-se, por exemplo:

O direito à contagem especial do tempo de serviço prestado sob condições insalubres pela servidora pública celetista, à época em que a legislação então vigente permitia tal benesse, incorporou-se ao seu patrimônio jurídico. Não obstante, para o período posterior ao advento da Lei 8.112/90, é necessária a regulamentação do art. 40, § 4º da Carta Magna. Precedentes. Recurso extraordinário conhecido e parcialmente provido.” (RE 382.352/SC, Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 06/02/2004);

1. Servidor público federal: contagem especial de tempo de serviço prestado enquanto celetista, antes, portanto, de sua transformação em estatutário: direito adquirido, para todos os efeitos, desde que comprovado o efetivo exercício de atividade considerada insalubre, perigosa ou penosa. Com relação ao direito à contagem de tempo referente ao período posterior à L. 8.112/90, firmou esta Corte entendimento no sentido de que, para concessão de tal benefício, é necessária a complementação legislativa de que trata o artigo 40, § 4º, da CF. Precedentes. 2. Agravo Regimental provido, em parte, para, alterando-se a parte dispositiva da decisão agravada, dar parcial provimento ao extraordinário e reconhecer ao agravado o direito à contagem especial do tempo de serviço prestado sob efetivas condições insalubres no período anterior à L. 8.112/90.” (RE 367.314AgR/SC, Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 14/05/2004).

Ainda quanto à importância do Mandado de Injunção nº 721, sob o aspecto da mudança de paradigma jurisprudencial, não se pode esquecer que, até então, a Suprema Corte considerava que a ausência de norma regulamentadora da aposentadoria especial não permitia a concessão de Mandado de Injunção aos servidores públicos, conforme constou do Mandado de Injunção nº 444, Ministro Sydney Sanches, publicado em novembro de 1994, assim resumido:

Aposentadoria especial. Atividades insalubres. Artigos 5., inc. LXXI, e 40, par. 1., da Constituição Federal. 1. O par. 1. do art. 40 da C.F. apenas faculta ao legislador, mediante lei complementar, estabelecer exceções ao disposto no inciso III, ‘a’ e ‘c’, ou seja, instituir outras hipóteses de aposentadoria especial, no caso de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas. 2. Tratando-se de mera faculdade conferida ao legislador, que ainda não a exercitou, não há direito constitucional já criado, e cujo exercício esteja dependendo de norma regulamentadora. 3. Descabimento do Mandado de Injunção, por falta de possibilidade jurídica do pedido, em face do disposto no inc. LXXI do art. 5. da C.F., segundo o qual somente é de ser concedido mandado de injunção, quando a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes a nacionalidade, a soberania e a cidadania. 4. Mandado de Injunção não conhecido. Votação unânime.”

No mesmo sentido, os seguintes julgados: MI 425/DF, Min. Sydney Sanches (DJ 11/11/1994); MI 462/MG, Moreira Alves (DJ 24/11/1995); MI 446/RJ, Néri da Silveira (DJ 04/04/1997); MI 484/RJ, Néri da Silveira (DJ 03/10/1997) e; MI 494/MT, Sydney Sanches (DJ 12/12/1997).

Agora, no entanto, o cenário jurisprudencial é outro, conforme se demonstrou, ensejando a procedência do pedido mandamental, para reconhecer a falta de norma regulamentadora do direito à aposentadoria especial dos servidores substituídos e remover o obstáculo criado por essa omissão, para tornar viável o exercício do direito que trata o artigo 40, § 4º, III, da Constituição Federal.

3.4. Das razões que autorizam o presente Mandado de Injunção com pedido mandamental

Na esteira de decisões do Excelso Supremo Tribunal Federal que têm conferido efetiva eficácia às decisões proferidas em Mandados de Injunção, conclui-se que, no caso específico da aposentadoria especial, para os servidores que laboram em condições especiais que prejudicam a saúde ou a integridade física, impõe-se o julgamento de procedência do presente Mandado de Injunção, de forma mandamental, eis que:

(a) as alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 47/2005, restaram superados os entendimentos anteriormente manifestados acerca da matéria;

(b) não pairam dúvidas sobre a existência da mora legislativa, e

(c) incumbe ao STF garantir a efetividade de suas decisões, formulando supletivamente a norma regulamentadora faltante para o caso, conforme reconhecido no julgamento do MI 721-7/DF.

Se sob a égide da redação original do texto constitucional (artigo 40, § 1°) entendia-se que o constituinte tratara de mera faculdade de se estabelecer requisitos e critérios diferenciados para alcançar a aposentadoria aos servidores que laboram em condições especiais, com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 20/1998, e pela Emenda Constitucional nº 47/2005, restou superada qualquer dúvida sobre a existência desse direito, vez que o constituinte não mais se utilizou do verbo “poder”, permanecendo o exercício do direito, no entanto, obstado pela ausência de lei complementar.

Em razão disso, embora amparados pela Constituição Federal, há vários anos, os servidores que laboram em condições especiais, que prejudicam a saúde ou a integridade física, estão impedidos de exercer o direito à aposentadoria especial, em razão da mora legislativa, cuja ocorrência, na hipótese, é inquestionável.18

Para casos assim é que a Constituição da República autorizou a concessão do mandado de injunção, sempre que a ausência da norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais (artigo 5°, LXXI).

Por outro lado, a mera declaração da mora legislativa e a conseqüente solicitação ao Poder Legislativo para que cumpra seu dever, não tem o condão de dar efetividade à garantia constitucional, de modo que a decisão assim proferida acaba por ser ineficaz.

Atenta a essa situação, é que esta Corte Constitucional tem questionado sua própria atuação no julgamento dos mandados de injunção, como se vê do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio, relator do MI 721:

É tempo de se refletir sobre a timidez inicial do Supremo quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e harmonia entre os Poderes. É tempo de se perceber a frustração gerada pela postura inicial, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória do ato omissivo, resultando em algo que não interessa, em si, no tocante à prestação jurisdicional, tal como consta no inciso LXXI do artigo 5° da Constituição Federal, ao cidadão. Impetra-se este mandado de injunção não para lograr-se simples certidão de omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes a nacionalidade, à soberania e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da Lei Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas conseqüências da inércia do legislador.”

A mesma preocupação é demonstrada pelo Ministro Eros Grau, em seu voto, no mesmo mandado de injunção:

8. Havendo, portanto, sem qualquer dúvida, mora legislativa na regulamentação do preceito veiculado pelo artigo 40, § 4°, a questão que se coloca é a seguinte: presta-se, esta Corte, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia?”

Prossegue o Ministro:

9. Esta é a questão fundamental a considerarmos. Já não se trata de saber se o texto normativo de que se cuida – Artigo 40, § 4° - é dotado de eficácia. Importa verificarmos é se o Supremo Tribunal Federal emite decisões ineficazes; decisões que se bastam em solicitar ao Poder Legislativo que cumpra o seu dever, inutilmente. Se é admissível o entendimento segundo o qual, nas palavras do Ministro Néri da Silveira, ‘a Suprema Corte do País decid[e] sem que seu julgado tenha eficácia’. Ou, alternativamente, se o Supremo Tribunal Federal deve emitir decisões que efetivamente surtam efeito, no sentido de suprir aquela omissão.”

O Ministro Carlos Britto, de igual modo, reconheceu a carga mandamental que deve conter a decisão proferida em mandado de injunção, de modo a garantir-lhe eficácia, observando:

(…) nas discussões anteriores, observei que somente cabe mandado de injunção perante uma norma constitucional de eficácia limitada. Sendo assim, não faz sentido proferir uma decisão judicial também de eficácia limitada. É uma contradição nos termos. A decisão judicial há de ser plenoperante, marcada pela sua carga de concretude, ou seja, tem de ser mandamental, como é da natureza da ação constitucional agora sob julgamento.”

As discussões supra, travadas nessa Corte, são de suma importância quando se trata do direito à aposentadoria especial, visto que está em jogo a saúde e a integridade física do servidor que labora em condições prejudiciais à saúde e à integridade física.

Nesse diapasão, em razão da mora legislativa, esses servidores são obrigados a permanecer, durante muito mais tempo, expostos a essas condições prejudiciais, o que acarreta danos irreversíveis a sua saúde.

Nessa situação, não é só o direito à aposentadoria especial que resta prejudicado, mas também um outro direito social fundamental que na está na base do reconhecimento do direito ao estabelecimento de regras e critérios diferenciados quando se trate de servidor submetido a condições de trabalhos especiais: o direito à saúde (Constituição Federal, artigo 6°).

O princípio da isonomia (Constituição Federal, artigo 5°, caput), de igual modo, constitui fundamento para o reconhecimento de um direito à aposentadoria especial, na medida em que, mediante o estabelecimento de requisitos e critérios diferenciados busca-se igualar o trabalhador que labora em condições especiais ao trabalhador que labora em condições normais. Trata-se, portanto, de garantir uma igualdade real, e não meramente formal, a partir da aplicação do princípio de que se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

A previsão constitucional, contudo, possui eficácia limitada, reclamando, para o seu exercício a edição de lei complementar que até hoje não foi editada.

O artigo 5°, LXXI, da Constituição Federal, por seu turno, autoriza o Supremo Tribunal Federal a, nessa hipótese, se verificada a mora legislativa, estabelecer, para o caso concreto e até que se edite a lei pertinente, os limites do exercício do direito constitucionalmente garantido.

Tal autorização está consubstanciada, ainda, no § 1°, do artigo 5°, que estabelece que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Nesse sentido, bem acentuou o Ministro Marco Aurélio, no julgamento do MI 721:

Iniludivelmente, buscou-se, com a inserção do mandado de injunção, no cenário jurídico-constitucional, tornar concreta, tornar viva a Lei Maior, presentes direitos, liberdades e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Não se há de confundir a atuação no julgamento do mandado de injunção com atividade do Legislativo. Em síntese, ao agir, o Judiciário não lança, na ordem jurídica, preceito abstrato. Não, o que se tem, em termos de prestação jurisdicional, é a viabilização, no caso concreto, do exercício do direito, do exercício da liberdade constitucional, das prerrogativas ligadas a nacionalidade, soberania e cidadania.”

No que se refere à finalidade do mandado de injunção, o Excelentíssimo Ministro Eros Grau traz em seu voto esclarecedora exposição do Professor José Ignácio Botelho de Mesquita, que diz:

O mandado de injunção ‘[d]estina-se, apenas, à remoção do obstáculo criado pela omissão do poder competente para a norma regulamentadora. A remoção desse obstáculo se realiza mediante a formação supletiva da norma regulamentadora faltante. É este o resultado prático que se pode esperar do mandado de injunção.
(…)
O que cabe ao órgão da jurisdição não é, pois constranger alguém a dar cumprimento ao preceito constitucional, mas, sim, suprir a falta de norma regulamentadora, criando, a partir daí, uma coação da mesma natureza daquela que estaria contida na norma regulamentadora.”

Salienta o Ministro Eros Grau que a formulação supletiva da norma regulamentar faltante constitui um dever-poder do Judiciário, vez que lhe cabe remover o obstáculo advindo da omissão legislativa.

Assim, de acordo com o que foi exposto, se concedida a injunção no presente caso, deve essa Corte definir a norma adequada à regulação da matéria, de modo a viabilizar o exercício do direito à aposentadoria especial aos servidores que laboram em condições especiais, até que seja editada a lei complementar a que se refere o texto constitucional.

3.5. Das regras a serem declaradas

A Constituição Federal assegura a aposentadoria especial tanto para os trabalhadores submetidos ao Regime Geral de Previdência, quanto aos servidores públicos (artigos 201, § 1°, e 40, § 4°, da CF).

Em ambos os casos, o direito ampara aqueles que laboram em condições especiais, que prejudiquem a saúde e a integridade física e aos portadores de deficiência. A única diferença está em que, no caso dos servidores públicos, com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional 47/2005, incluiu-se na previsão também os servidores que exercem atividades com risco de vida. A eficácia do direito está na dependência da edição de lei complementar, até agora inexistente.

Ocorre que, a própria Constituição Federal, mediante a Emenda Constitucional nº 20/1998, estabeleceu que, enquanto não for publicada a lei complementar a que se refere o artigo 201, § 1°, para aqueles que laboram em atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física será aplicado o disposto nos artigos 57 e 58, da Lei 8.213/1991, na redação vigente na data de publicação da emenda.

Desse modo, para os trabalhadores submetidos ao Regime Geral de Previdência Social, que laboram em condições prejudiciais à saúde e à integridade física, a aposentadoria especial encontra regramento provisório que permite o exercício do direito constitucionalmente assegurado.

Considerando que o objetivo do legislador constituinte, em ambos os casos foi um só, isto é, de dar proteção ao direito social à saúde e efetividade ao princípio da isonomia, além de promover a dignidade da pessoa humana, tem-se por razoável a aplicação provisória do mesmo regramento contido nos artigos 57 e 58, da Lei nº 8.213/1991, aos servidores públicos “cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”.

Busca-se, por conseguinte, mediante mandado de injunção, tornar viável o exercício, pelos servidores públicos que preenchem os requisitos para tanto, do direito consagrado no § 4° do artigo 40 da Constituição, nos termos dos artigos 57 e 58, da Lei nº 8.213/1991.

4. DO PEDIDO

Ante o exposto, em favor dos servidores processualmente substituídos que se encontrem ou se encontrarem na situação fática relatada, o Impetrante requer:

(a) a notificação da autoridade impetrada, acima indicada, para que preste as informações que entender necessárias;

(b) a intimação do representante do Ministério Público, para que opine;

(c) no mérito, a concessão da injunção, para, reconhecendo a falta de norma regulamentadora do direito à aposentadoria especial dos servidores públicos “cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”, remover o obstáculo criado pela omissão legislativa e, supletivamente, viabilizar o exercício do direito estabelecido no artigo 40, § 4°, III, da Constituição, nos termos dos artigos 57 e 58, da Lei 8.213, de 1991, até que seja editada a lei complementar pertinente;

Dá-se à causa, o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

N. Termos,
P. Deferimento.

Brasília, 04 de junho de 2008.



Vera Mirna Schmorantz Carlos Alberto M. Cidade
    OAB/DF 17.966                        OAB/DF 16.800
1 Constituição da República: “Art. 40 (…) § 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: (…) III - cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.”
2 Veja-se, por exemplo, os seguintes julgados em controle difuso: “O direito à contagem especial do tempo de serviço prestado sob condições insalubres pela servidora pública celetista, à época em que a legislação então vigente permitia tal benesse, incorporou-se ao seu patrimônio jurídico. Não obstante, para o período posterior ao advento da Lei 8.112/90, é necessária a regulamentação do art. 40, § 4º da Carta Magna. Precedentes. Recurso extraordinário conhecido e parcialmente provido.” (RE 382.352/SC, Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 06/02/2004); “1. Servidor público federal: contagem especial de tempo de serviço prestado enquanto celetista, antes, portanto, de sua transformação em estatutário: direito adquirido, para todos os efeitos, desde que comprovado o efetivo exercício de atividade considerada insalubre, perigosa ou penosa. Com relação ao direito à contagem de tempo referente ao período posterior à L. 8.112/90, firmou esta Corte entendimento no sentido de que, para concessão de tal benefício, é necessária a complementação legislativa de que trata o artigo 40, § 4º, da CF. Precedentes. 2. Agravo Regimental provido, em parte, para, alterando-se a parte dispositiva da decisão agravada, dar parcial provimento ao extraordinário e reconhecer ao agravado o direito à contagem especial do tempo de serviço prestado sob efetivas condições insalubres no período anterior à L. 8.112/90.” (RE 367.314AgR/SC, Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 14/05/2004).
3 Lei 8.112, de 1990: “Art. 68. Os servidores que trabalhem com habitualidade em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou com risco de vida, fazem jus a um adicional sobre o vencimento do cargo efetivo.”
4 Quanto às situações e condições ambientais do trabalho que ensejam a insalubridade, a Lei 8.112, de 1990, remeteu a regulamentação à “legislação específica”, nos termos do seu artigo 70 (“Na concessão dos adicionais de atividades penosas, de insalubridade e de periculosidade, serão observadas as situações estabelecidas em legislação específica.”) Portanto, para os servidores públicos são aplicadas as regras da legislação trabalhista que dizem respeito às condições de trabalho insalubres, notadamente a Norma Regulamentadora nº 9 – Programas de Prevenção de Riscos Ambientais e a Norma Regulamentadora nº 15 – Atividades e Operações Insalubres, ambas aprovadas pela Portaria 3.214, de 8 de junho de 1978, e sucessivas modificações, do Ministério do Trabalho e Emprego, com suporte no artigo 200 da Consolidação das Leis do Trabalho.
5 CF: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (…) q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal; (…)”
6 Em atenção ao artigo 81, parágrafo único, II, da Lei 8.078, de 1990, está-se diante de um interesse ou direito coletivo quando “todos os co-titulares dos direitos mantêm relações jurídicas ou vínculos jurídicos formais com a parte contrária, ou seja, a parte contra a qual se dirige a pretensão ou o pedido” ou em razão “de uma relação jurídica base que une os sujeitos entre si, de modo a fazer com que eles integrem grupo, classe ou categoria diferenciada de pessoas determinadas ou determináveis com interesses convergentes sobre o mesmo bem indivisível (jurídica ou faticamente), independente de manterem ou não vínculo jurídico com a parte contrária”, conforme leciona Alcides A. Munhoz da Cunha (Evolução das Ações Coletivas no Brasil. Revista de Processo, n. 77, 1995, p. 229). Pedro Lenza (Teoria Geral da Ação Civil Pública. São Paulo, RT, 2003, p. 71), explica sobre a indivisibilidade dos bens sobre os quais convergem os interesses coletivos: “Em relação aos interesses coletivos, a indivisibilidade dos bens é percebida no âmbito interno, dentre os membros do grupo, categoria ou classe de pessoas. Assim, o bem ou interesse coletivo não pode ser partilhado internamente entre as pessoas ligadas por uma relação jurídica-base ou por um vínculo jurídico; todavia externamente, o grupo, categoria ou classe de pessoas, ou seja, o ente coletivo, poderá partir o bem, exteriorizando o interesse da coletividade.”
7 A possibilidade de proteção coletiva dos direitos e interesses de parte da categoria representada pela entidade de classe é afirmada na Súmula 630 do Supremo Tribunal Federal: “A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria.”
8 Em atenção ao artigo 81, parágrafo único, III, da Lei 8.078, de 1990, está-se diante de direitos individuais homogêneos, quando um direito eminentemente individual foi erigido à categoria de interesses metaindividuais meramente para fins de tutela coletiva. A transindividualidade do direito individual homogêneo é legal ou artificial. Pode-se dizer “acidentalmente coletivos” os direitos individuais homogêneos, porquanto os sujeitos são perfeitamente identificados ou identificáveis e a união entre aqueles coletivamente tutelados decorrerá de uma situação fática de origem comum a todos. Pedro Lenza (Teoria Geral da Ação Civil Pública. São Paulo, RT, 2003, p. 71) entende que os interesses individuais homogêneos “caracterizam-se por sua divisibilidade plena, na medida em que, além de serem os sujeitos determinados, não existe, por regra, qualquer vínculo jurídico ou relação jurídica-base ligando-os”; ao passo que Ada Pellegrini Grinover (Código de Defesa do Consumidor comentado, 7. Ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 813) posiciona-se em sentido contrário: “Isso significa, no campo do direito processual, que, antes das liquidações e execuções individuais (…), o bem jurídico objeto de tutela ainda é tratado de forma indivisível, aplicando-se a toda a coletividade, de maneira uniforme, a sentença de procedência ou improcedência.
9 Supremo Tribunal Federal, Primeira Turma, AgReg-RE 197029/SP, Ministro Ricardo Lewandowski, j. 13/12/2006, DJ 16/02/2007, p. 40: “(…) O Plenário do Supremo Tribunal Federal deu interpretação ao art. 8º, III, da Constituição e decidiu que os sindicatos têm legitimidade processual para atuar na defesa de todos e quaisquer direitos subjetivos individuais e coletivos dos integrantes da categoria por ele representada. (…)”
10 STF, MI 20/DF, ministro Celso de Mello, j. 19/05/1994, DJ 22/11/1996. No mesmo sentido: “(…) Entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do mandado de injunção coletivo, que constitui instrumento de atuação processual destinado a viabilizar, em favor dos integrantes das categorias que essas instituições representam, o exercício de liberdades, prerrogativas e direitos assegurados pelo ordenamento constitucional. Precedentes sobre a admissibilidade do mandado de injunção coletivo: MI 20, Rel. Min. CELSO DE MELLO; MI 342, Rel. Min. MOREIRA ALVES, e MI 361, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. (…) (STF, MI 472/DF, ministro Celso de Mello, j. 06/09/1995, DJ 02/03/2001); “(…) A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite legitimidade ativa ad causam aos sindicatos para a instauração, em favor de seus membros ou associados, do mandado de injunção coletivo. II. - Precedentes: MMII 20, 73, 342, 361 e 363. (…)” (STF, MI 102/PE, ministro Marco Aurélio, para o acórdão ministro Carlos Velloso, j. 12/02/1998, DJ 25/10/2002, p. 25); e “1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. (…)” (STF, MI 689/PB, Rel. Min. EROS GRAU, j. 07/06/2006, DJ 18/08/2006, p. 19).
11 Supremo Tribunal Federal, RE 193382/SP, Carlos Velloso, j. 28/06/1996, Tribunal Pleno, DJ 20/09/1996

12 STJ, RESP 547.690/RS, 5ª Turma, Min. Jorge Scartezzini, publicado em 28/06/2004

13 Humberto Theodoro Junior ensina que: “Em se tratando de ACP ou de ação coletiva, um mesmo fato lesivo pode atingir o interesse coletivo e o interesse individual de certos membros da comunidade. Quando isto se dá, a coisa julgada formada no processo coletivo não fica restrita às pessoas que ocuparam as posições de parte na relação processual. Seus efeitos podem manifestar-se erga omnes, propiciando benefícios a terceiros cujos interesses individuais se enquadrem na hipótese apreciada de forma coletiva. (…) A procedência da ação coletiva produz, invariavelmente, efeitos erga omnes.” (Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, nº 9, jan/fev 2001, Assunto Especial – Algumas Observações sobre a Ação Civil Pública e outras Ações Coletivas, p. 156.) Da mesma forma didática, pronunciou-se, por exemplo, o TRF da 4ª Região: “Sindicato. legitimidade ativa. Artigo 8º, II da Constituição. Extensão dos efeitos de antecipação da tutela a associados não arrolados na inicial. Possibilidade. Nas hipóteses em que o sindicato atua como substituto processual, ele exerce a representação de toda a categoria, e qualquer decisão proferida no processo alcançará, necessariamente, todos os seus associados, estejam eles, ou não, arrolados na inicial.” (TRF da 4ª Região, AI 97.04.21221-6/PR, 2ª T., Rel. Juíza TÂNIA ESCOBAR, DJ 02/09/1998.)
14 A redação original do artigo 201 da Constituição não vedava a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria pelo regime geral de previdência social.
15 Na redação original a Constituição não vedava a adoção de critérios e requisitos diferenciados para concessão de aposentadoria de servidores públicos, no entanto o § 1º do seu artigo 40 previa o seguinte: “Lei complementar poderá estabelecer exceções ao disposto no inciso III, ‘a’ e ‘c’, no caso de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas.” O inciso III tratava da aposentadoria voluntária do servidor público e as referidas alíneas tratavam das hipóteses de aposentadoria com proventos integrais e proporcionais.

16 As discussões em torno revogação tácita ou não do § 5° do artigo 57 da Lei 8.213, de 1991, não obsta o julgamento de procedência deste mandado de injunção, sendo que, na hipótese de ser o dispositivo da Lei 8.213 adotado como norma adequada à regulação que se busca, até a edição da lei complementar pertinente, a revogação ou não do parágrafo em comento estará sujeita à interpretação pelo aplicador, conforme observado pelo Min. Eros Grau, no julgamento do MI 721 (“À este Tribunal incumbirá – permito-me repetir – se concedida a injunção, remover o obstáculo decorrente da omissão, definindo a norma adequada à regulação do caso concreto, norma enunciada como texto normativo, logo sujeito a interpretação pelo seu aplicador”). Sobre a ausência de revogação tácita da disposição, veja-se a Apelação Cível 1221609, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e a Apelação Cível 200204010248301, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

17 Na espécie, a impetrante, auxiliar de enfermagem, pleiteava fosse suprida a falta da norma regulamentadora a que se refere o art. 40, § 4º, a fim de possibilitar o exercício do seu direito à aposentadoria especial, haja vista ter trabalhado por mais de 25 anos em atividade considerada insalubre.


18 O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a mora legislativa na hipótese, por mais de uma vez.

Nenhum comentário:

Postar um comentário