quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Decisões relevantes: TRF da 4ª Região nega provimento a apelação da OAB/RS e mantém sentença que desobriga os defensores públicos federais de inscrição na OAB/RS para exercício de suas atribuições institucionais.

Associação Nacional
dos Defensores Públicos Federais


  O Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou provimento ao recurso de apelação interposto pela Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Rio Grande do Sul - OAB/RS, bem como ao reexame necessário, mantendo sentença de procedência do pedido em mandado de segurança impetrado pela Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais - ANADEF com objetivo de impedir a OAB/RS de negar provimento aos requerimentos de licenciamento ou cancelamento de inscrição junto à OAB/RS, bem como seja declarada a inaplicabilidade do regime disciplinar estabelecido pela Lei 8.906/94 à categoria dos defensores públicos federais.

  A questão já vem sendo discutida nos tribunais há algum tempo. A Associação Paulista de Defensores Públicos - APADEP ajuizou mandado de segurança com semelhante escopo, tendo obtido parecer favorável do Ministério Público Federal (acesse o documento aqui).

  O Conselho Federal da OAB propôs a ADI n. 3720 em que pretende seja declarada a inconstitucionalidade do parágrafo 6º art. 4º da Lei Complementar n. 80/94 (incluído pela Lei Complementar n. 132/2009). No bojo dessa ação, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, atuando na qualidade de amicus curiae, juntou aos autos parecer do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, o qual sustenta que o referido dispositivo legal é compatível com os ditames constitucionais e desobriga o defensor público, desde o momento da posse, da manutenção de inscrição nos quadros da OAB (acesse o documento aqui).

  O Procurador-Geral da República, atuando na qualidade de fiscal do direito, exarou parecer nos autos da ADI n. 3720, opinando pela improcedência do pedido formulado pelo Conselho Federal da OAB, ou seja, pela constitucionalidade do dispositivo legal que confere ao defensor público a capacidade postulatória para exercício de suas funções institucionais, derivando tal exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo, sendo dispensada, portanto, a inscrição na OAB (acesse o documento aqui). A referida ação direta de inconstitucionalidade tem como relator o Ministro Gilmar Mendes e ainda está pendente de julgamento.

   Como não foi deferida qualquer medida cautelar nos autos da ADI, os juízes e tribunais ainda são livres para apreciar o tema, tendo o TRF da 4ª Região adotado a posição que nos parece a acertada, valendo conferir integralmente o voto condutor:



APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5015380-78.2014.404.7100/RS
RELATOR
:
FERNANDO QUADROS DA SILVA
APELANTE
:
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL
APELADO
:
ASSOCIACAO NACIONAL DOS DEFENSORES PUBLICOS DA UNIAO
ADVOGADO
:
DEBORA CAMILA DE ALBUQUERQUE CURSINE
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL



EMENTA
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ANADEF. OAB/RS. ESTATUTO DA ADVOCACIA. LEI 8.906/94. MANUTENÇÃO DA INSCRIÇÃO NOS QUADROS DA OAB. DEFENSORES PÚBLICOS FEDERAIS. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE DA LEI NOVA. LC 132/09.
1. Hipótese em que a existência de Ação Direta de Inconstitucionalidade, por si só, não impede o ajuizamento, nem determina a suspensão de processos individuais com base no preceito normativo questionado.
2. A não aplicação da legislação invocada não representa em ofensa ao disposto no art. 97 da CF, porquanto não houve pronunciamento de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. Assim, não incide, na espécie, a reserva de plenário prevista na Súmula Vinculante n.º 10 do STF.
3. Com o advento da LC 132/2009, especificamente no ponto em que acrescentou o §6º ao art. 4º da LC 80/1994, foi criado um aparente conflito de normas com o expresso no §1º do art. 3º do Estatuto da Advocacia e com o disposto no art. 26 da LC 80/1994.
4. Segundo o disposto no §6º ao art. 4º da LC 80/94, com redação pela LC 132/09, a capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público. Aplica-se o princípio da especialidade, revogando-se as disposições em contrário.
5. Permanece o disposto no art. 26 da LC 80/94, exigindo-se a inscrição do candidato junto à OAB apenas no momento em que prestado o concurso público para ingresso na carreira da Defensoria Pública da União.
6. Após a posse e nomeação desnecessária a manutenção da inscrição do Defensor Público Federal junto aos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, os quais passam a submeterem-se exclusivamente ao regime disciplinar expresso na LC 80/94.
7. Com a suspensão dos processos disciplinares e da cobrança de anuidades, suspensos também os prazos prescricionais.
8. Apelação e remessa oficial improvidas.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 28 de janeiro de 2015.



Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator



Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7239140v4e, se solicitado, do código CRC AC1559C9.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a):
Fernando Quadros da Silva
Data e Hora:
28/01/2015 19:03



RELATÓRIO



Trata-se de mandado de segurança impetrado pela ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS FEDERAIS - ANADEF - contra ato do PRESIDENTE DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECCIONAL DO RIO GRANDE DO SUL, por meio do qual pretende provimento jurisdicional que impeça a autoridade impetrada de negar provimento aos requerimentos de licenciamento ou cancelamento de inscrição junto à OAB/RS, bem como seja declarada a inaplicabilidade do regime disciplinar estabelecido pela Lei 8.906/94 à categoria que representa.

Sentenciando o feito, o juízo a quo julgou parcialmente procedente os pedidos e concedeu a segurança para:

a) declarar que a capacidade postulatória dos Defensores Públicos Federais decorre exclusivamente da nomeação e posse no cargo público de Defensor Público Federal, sendo desnecessária para a atuação judicial do Defensor Público Federal a inscrição na OAB; determino à autoridade impetrada que se abstenha de negar provimento aos requerimentos apresentados pelos substituídos de licenciamento ou cancelamento de inscrição na OAB/RS;
b) declarar a inaplicabilidade do regime disciplinar estabelecido pela Lei nº 8.906/94, e demais atos normativos que a regulamentam, aos Defensores Públicos Federais associados à impetrante e lotados no Rio Grande do Sul; determino à autoridade impetrada que se abstenha de praticar quaisquer atos tendentes a promover, em desfavor dos substituídos, medidas administrativas de cunho disciplinar;
c) anular todos os atos administrativos praticados pela OAB/RS eventualmente praticados durante o trâmite deste mandado de segurança e que tenham gerado a aplicação de sanções disciplinares aos associados da impetrante.
Defiro a concessão de ordem liminar para (1) determinar a suspensão dos processos referentes a pedidos de licenciamento ou cancelamento de inscrições, formulados junto à OAB/RS, pelos associados da impetrante, até o julgamento definitivo da presente ação, para (2) determinar a suspensão da cobrança de anuidades originárias da condição de inscritos na OAB/RS dos associados da impetrante, e para (3) determinar a suspensão dos processos referentes a sanções disciplinares existentes contra os substituídos, ficando a autoridade impetrada impedida de aplicar qualquer penalidade até o julgamento definitivo da ação.
Não considero apropriado, neste momento processual, a concessão de ordem para provimento aos pedidos de licenciamento ou cancelamento de inscrições, dada a inexistência de prejuízo aos substituídos - ante a abrangência da tutela antecipada ora concedida - e o desnecessário e excessivo trabalho que seria atribuído à OAB/RS em caso de alteração desta sentença.
Custas na forma da lei. Sem honorários advocatícios, na forma do artigo 25, da Lei nº 12.016/2009.

A OAB/RS apela. Em suas razões, preliminarmente, pugna pela suspensão da ação, tendo em vista a relevância da questão constitucional discutida na ADI 4636 pelo STF e o grau de abrangência do debate jurídico. Afirma que a sentença afastou, em parte, a incidência de dispositivos do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906/94, art.3º, §1º), em violação ao que prevê a Súmula Vinculante n.º 10. No mérito, defende a obrigatoriedade de inscrição dos defensores públicos federais na OAB, porquanto não há dúvidas do exercício da atividade de advocacia. Aduz que perfeitamente razoável a sujeição dos defensores públicos ao regime ético-disciplinar da OAB e ao regime disciplinar-funcional da Defensoria Pública, inexistindo incompatibilidade entre as leis que regem a carreira e o Estatuto da OAB. Refere que a lei estabeleceu que a inscrição na OAB seria condição para o exercício da advocacia pública, o que deve prevalecer. Assevera que a sentença não salvaguardou a possibilidade de prosseguimento dos processos disciplinares instaurados e suspensos, bem como a instauração de novos processos, o que pode importar na prescrição da punibilidade.

Com contrarrazões, vieram os autos eletrônicos a esta Corte.

O Ministério Público Federal opina pelo desprovimento da apelação e da remessa oficial.

É o relatório. Peço dia.


VOTO


Tratando-se de mandado de segurança, a remessa oficial é devida quando concedida a ordem, ainda que parcialmente, nos termos do artigo 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009. Assim, no caso em tela, há fundamento para o recurso de ofício.

Preliminarmente, com relação ao pedido de suspensão do feito até o julgamento definitivo da ADI n.º 4636, trata-se de questão já examinada na Turma nos autos do Agravo de Instrumento n.º 5013750-44.2014.404.0000, oportunidade em que, por unanimidade, foi negado provimento ao recurso, sob o seguinte fundamento: 'a existência de Ação Direta de Inconstitucionalidade, por si só, não impede o ajuizamento, nem determina a suspensão de processos individuais com base no preceito normativo questionado'.

Conforme exposto naquela oportunidade, a ADI em questão foi autuada e despachada ainda em agosto de 2011, sem previsão de julgamento, não tendo sido excepcionada eventual urgência ou relevância da matéria, para que, por meio de ordem cautelar deferida pelo STF, fosse determinada a suspensão dos processos judiciais em andamento.

Prevalece o então exposto, não havendo motivos para modificação do entendimento precluso.

Sobre a incidência da a reserva de plenário prevista na Súmula Vinculante n.º 10 do STF, entendo que a não aplicação da legislação invocada não representa em ofensa ao disposto no art. 97 da CF, porquanto não houve pronunciamento de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

No caso, aplicou-se o princípio da especialidade da lei nova (§ 6º do artigo 4º da Lei Complementar nº 80/94, com a redação atual, dada pela Lei Complementar nº 132/09) sobre o disposto no §1º, art. 3º, da Lei 8.906/94, o que não importou na declaração de inconstitucionalidade da lei antiga.

No mérito, certo que o Juízo a quo deslindou com precisão a lide, merecendo ser mantida a sentença prolatada por seus próprios fundamentos, verbis:

'2. FUNDAMENTAÇÃO
 
Suspensão da ação

A questão foi analisada na decisão proferida no Evento 25. Indeferida a suspensão do feito.
 
Abrangência subjetiva da sentença

O mandado de segurança coletivo é impetrado pela associação demandante em substituição processual, conforme dispõem o inciso LXX do artigo 5º da Constituição e o artigo 21 da Lei nº 12.016/2009 ('Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências').
De acordo com o artigo 45, da Lei nº 8.906/94 '(Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, OAB'), os Conselhos Seccionais são órgãos da Ordem dos Advogados do Brasil dotados  de personalidade jurídica própria, com jurisdição sobre os respectivos Estados-membros, Distrito Federal e Territórios (§ 2º), competindo-lhes privativamente editar seus regimentos internos e resoluções.
A Seção do Estado do Rio Grande do Sul da OAB tem atuação no território da referida unidade federativa, segundo o que estabelece o seu regimento interno, disponível no sítio eletrônico da Ordem. Logo, a decisão proferida nesta ação abrangerá os Defensores Públicos da União associados à impetrante e abrangidos pela competência territorial de atuação da autoridade indicada pela demandante, o Estado do Rio Grande do Sul.

Defensores públicos. Capacidade postulatória. Inscrição na OAB e regime disciplinar próprio

A Constituição, sobre a matéria objeto desta ação mandamental, prevê, no Capítulo IV (Das Funções Essenciais à Justiça), nas Seções III e IV:
Seção III
Da Advocacia
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Seção IV
Da Defensoria Pública
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)
§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. (Renumerado do parágrafo único pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 74, de 2013)
§ 4º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

A Advocacia e a Defensoria Pública, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 80, em junho de 2014, passaram a ser tratadas em seções distintas, o que revela intenção do legislador de conferir destaque à diferença entre ambas as funções essenciais à Justiça.
No âmbito infraconstitucional, o artigo 3º da Lei nº 8.906/94 assim dispõe:
Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
§ 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional.
Por sua vez, a Lei Complementar nº 80/94 ('Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências'), em seu artigo 26, estabelece:
Art. 26. O candidato, no momento da inscrição, deve possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvada a situação dos proibidos de obtêla, e comprovar, no mínimo, dois anos de prática forense, devendo indicar sua opção por uma das unidades da federação onde houver vaga.
Ou seja, antes do advento da nova lei instituidora de diretrizes para a Defensoria Pública da União - a Lei Complementar nº 132, publicada em outubro de 2009 -, a inscrição na OAB figurava como requisito para ingresso na carreira de Defensor Público e, em princípio, não existiam incompatibilidades entre os dois diplomas legais.
Mais recentemente, a Lei Complementar nº 132, de 7 de outubro de 2009, alterou dispositivos da Lei Complementar nº 80/94; entre as alterações, houve o acréscimo do parágrafo 6º ao artigo 4º, com a seguinte redação:
Art. 4º. (...)
§ 6º A capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público.
A partir da edição da Lei Complementar nº 132/09, ficou abalada a compatibilidade que até então existia entre o Estatuto da Advocacia e a Lei Complementar nº 80/94, que organizou a Defensoria Pública, criando-se verdadeiro conflito de normas.
Desse modo, o artigo 3º, § 1º da Lei nº 8.906/94 não se aplica aos Defensores Públicos, porquanto ao conflitar com o § 6º do artigo 4º da Lei Complementar nº 80/94 (com a redação atual, dada pela Lei Complementar nº 132/09), prevalecem as disposições da lei complementar, pois a organização da Defensoria Pública foi tema que o legislador constitucional reservou à normatização através de lei complementar (cf. artigo 134 da Constituição). No conflito de normas, prevalece a norma inovadora, mais recente.
Quanto à regra inscrita no artigo 26 da Lei Complementar nº 80/94, deve ser interpretada literalmente, no sentido de que apenas no momento da inscrição no concurso público para o ingresso na carreira da Defensoria Pública da União exige-se do candidato o registro na Ordem dos Advogados. Essa a melhor inteligência do dispositivo, adotada pelo Conselho Superior da Defensoria Pública da União e externada na Resolução nº 55/2011, citada na petição inicial.
Relevante, ainda, a conclusão do parecer do Ministério Público Federal, invocando a promoção daquele órgão quando chamado a se manifestar nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4636, de que 'não há disposição constitucional que autorize entendimento de que os Defensores Públicos devam estar inscritos na OAB para atuarem como tal. Muito pelo contrário, o tratamento dispensado a essa instituição livra-a de ingerências externas, especialmente no que diz respeito ao exercício das funções que lhe são típicas' (cf. Evento 30).
Conclui-se que não é lícito à OAB/RS negar as solicitações de cancelamento de inscrição na Ordem dos Defensores Públicos, vez que, uma vez nomeados e empossados no cargo, a capacidade postulatória aí encontra fundamento e daí decorre.
Quanto ao pedido da impetrante de determinação, 'de forma retroativa', de licenciamento ou cancelamento da inscrição de seus associados na OAB/RS que já tiveram denegado o pleito administrativamente, não é pedido que possa ser examinado no mandado de segurança coletivo. Tal pedido, arrolado como pleito liminar no item 'b' dos requerimentos finais da petição inicial, depende do conhecimento da situação individual de cada requerente, com produção de prova documental individualizada, de impossível efetivação na ação coletiva. Além disso, em mandado de segurança, a tempestividade da impetração é pressuposto processual indispensável à admissibilidade da ação quando se trata de ato de autoridade que já ocorreu. O prazo decadencial, para o cabimento do mandado de segurança, é de 120 dias da ciência do ato impugnado (cf. art. 23 da Lei 12.016/09), circunstância cuja apuração é incompatível com o processo coletivo e que influi no próprio conhecimento da ação mandamental coletiva.
No que toca à aplicabilidade do regime disciplinar estabelecido pela Lei nº 8.906/94 aos Defensores Públicos Federais, a controvérsia já foi analisada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 5003634-15.2011.404.7200 (j. em 24/4/2013), em que foi relatora a Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, cujo voto transcrevo a seguir:
A Constituição Federal de 1988 trata da Advocacia e da Defensoria Pública no mesmo capítulo, consignando acerca desta:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.
§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. (Renumerado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
[...]'.
Em atenção ao comando constitucional, a Lei Complementar nº 80/94 organizou a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e deu outras providências, estabelecendo os direitos, as prerrogativas, as garantias, os impedimentos, as proibições, os deveres e a responsabilidade funcional dos Defensores Públicos Federais, assim dispondo, no artigo 136:
Art. 136. Os Defensores Públicos Federais, bem como os do Distrito Federal, estão sujeitos ao regime jurídico desta Lei Complementar e gozam de independência no exercício de suas funções, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, o instituído pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).
Deste modo, é inegável que os Defensores Públicos que, frise-se, não são advogados públicos, possuem regime disciplinar próprio. Resta apurar, assim, se as disposições disciplinares constantes na Lei 8.906/94 são aplicáveis concomitantemente com o regime disciplinar específico.
Tenho que a resposta é negativa, justamente porque a capacidade postulatória decorre da própria relação estatutária que os Defensores Públicos possuem com a União, e a representação que oferecem decorre diretamente da Constituição Federal. A Lei Complementar de regência destes servidores públicos é norma especial em relação à Lei 8.906/94, e nela não se verifica qualquer determinação no sentido da obrigatoriedade da inscrição destes profissionais na Ordem dos Advogados do Brasil.
É imperioso, considerando a aplicação da norma especial (LC 86/94), reconhecer que o parágrafo 1º do art. 3º da Lei 8.906/94 é aplicável quando o próprio estatuto exige a inscrição na OAB para a posse e exercício do cargo, quando a filiação é voluntária e o defensor opta por permanecer vinculado ou quando há a possibilidade de exercício paralelo de advocacia privada. Não sendo qualquer destes casos, a obrigatoriedade de inscrição inexiste nos termos da lei de regência e o hígido exercício de suas atribuições está garantido pela Carta Constitucional.
Com efeito, pois, são abusivos os atos relativos às notificações de associados da ANADEF (Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais) feitas pela OAB/SC acerca de iminentes medidas administrativas por falta de inscrição em seus registros, eis que, decorrente da fundamentação supra, entendo que o artigo 3º, § 1º da Lei nº 8.906/04 não é oponível aos Defensores Públicos, porquanto se contrapõe ao § 6º do artigo 4º da LC 80/94, com a redação atribuída pela LC 132/09.'
Considerando a similitude entre as demandas, adoto as mesmas conclusões acima erigidas como fundamentos para decidir também a presente ação mandamental. Ressalto que, atualmente, a ação nº 5003634-15.2011.404.7200 encontra-se no Superior Tribunal de Justiça, aguardando julgamento de recurso especial interposto pela Ordem dos Advogados - Secção de Santa Catarina.
Merece referência, ainda, no mesmo sentido do julgamento acima referido - inadmitindo a coexistência de dois sistemas de correição disciplinar para titular de cargo de advogado público, prevalecendo o regime jurídico disciplinar estatutário da carreira -, o precedente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DISCIPLINAR. SUPOSTA INFRAÇÃO COMETIDA POR ADVOGADO PÚBLICO. OAB. ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. 1- Não cabe ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB julgar suposta infração cometida por Procurador da Fazenda Nacional no exercício de suas funções públicas, especialmente considerando o art. 5º da LC 73/93 e o art. 75 da MP 2.229-43/2001, de modo que se mostra impositivo o arquivamento do processo administrativo. 2- Na hipótese dos autos, permitir que a mesma conduta seja submetida à apreciação da Corregedoria-Geral da Advocacia da União e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB implica em possibilitar que este usurpe competência daquela, bem como que haja julgamentos contraditórios por parte dos aludidos órgãos. (TRF4, APELREEX 5002576-92.2011.404.7000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Candido Alfredo Silva Leal Junior, juntado aos autos em 23/09/2013)'

Com efeito, a solução para o impasse em discussão já foi devidamente elaborada quando do julgamento pela Turma do Agravo em Apelação/Reexame Necessário n.º 5003634-15.2011.404.7200, oportunidade em que, por unanimidade, negado provimento aos recursos, verbis:

AGRAVO. DECISÃO MONOCRÁTICA. DEFENSOR PÚBLICO. VINCULAÇÃO À OAB. NÃO OBRIGATORIEDADE. Proferi decisão monocrática e não vislumbro no recurso da autoridade impetrada qualquer novo fundamento de fato ou de direito suficiente para reconsiderar meu entendimento. Os Defensores Públicos, que entendo não são advogados públicos, possuem regime disciplinar próprio e têm sua capacidade postulatória decorrente diretamente da Constituição Federal. (TRF4 5003634-15.2011.404.7200, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia Luz Leiria, juntado aos autos em 25/04/2013)

Eis o teor do voto-condutor da lavra da Eminente Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, cuja fundamentação também adoto como razão de decidir:

'Trago o feito em mesa para exame da matéria por este Colegiado, respeitado integralmente o art. 557 do CPC. Examinando os recursos, quanto ao mérito, não vislumbro tenha a autoridade impetrada demonstrado qualquer novo fundamento de fato ou de direito suficiente para reconsiderar meu entendimento. Os Defensores Públicos, que entendo não são advogados públicos, possuem regime disciplinar próprio e têm sua capacidade postulatória decorrente diretamente da Constituição Federal. Transcrevo a decisão recorrida nos termos em que a proferi para evitar tautologia:

'A Constituição Federal de 1988 trata da Advocacia e da Defensoria Pública no mesmo capítulo, consignando acerca desta:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.

§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. (Renumerado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
[...]'.

Em atenção ao comando constitucional, a Lei Complementar nº 80/94 organizou a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e deu outras providências, estabelecendo os direitos, as prerrogativas, as garantias, os impedimentos, as proibições, os deveres e a responsabilidade funcional dos Defensores Públicos Federais, assim dispondo, no artigo 136:

Art. 136. Os Defensores Públicos Federais, bem como os do Distrito Federal, estão sujeitos ao regime jurídico desta Lei Complementar e gozam de independência no exercício de suas funções, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, o instituído pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

Deste modo, é inegável que os Defensores Públicos que, frise-se, não são advogados públicos, possuem regime disciplinar próprio. Resta apurar, assim, se as disposições disciplinares constantes na Lei 8.906/94 são aplicáveis concomitantemente com o regime disciplinar específico.

Tenho que a resposta é negativa, justamente porque a capacidade postulatória decorre da própria relação estatutária que os Defensores Públicos possuem com a União, e a representação que oferecem decorre diretamente da Constituição Federal. A Lei Complementar de regência destes servidores públicos é norma especial em relação à Lei 8.906/94, e nela não se verifica qualquer determinação no sentido da obrigatoriedade da inscrição destes profissionais na Ordem dos Advogados do Brasil.

É imperioso, considerando a aplicação da norma especial (LC 86/94), reconhecer que o parágrafo 1º do art. 3º da Lei 8.906/94 é aplicável quando o próprio estatuto exige a inscrição na OAB para a posse e exercício do cargo, quando a filiação é voluntária e o defensor opta por permanecer vinculado ou quando há a possibilidade de exercício paralelo de advocacia privada. Não sendo qualquer destes casos, a obrigatoriedade de inscrição inexiste nos termos da lei de regência e o hígido exercício de suas atribuições está garantido pela Carta Constitucional.

Com efeito, pois, são abusivos os atos relativos às notificações de associados da ANADEF (Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais) feitas pela OAB/SC acerca de iminentes medidas administrativas por falta de inscrição em seus registros, eis que, decorrente da fundamentação supra, entendo que o artigo 3º, § 1º da Lei nº 8.906/04 não é oponível aos Defensores Públicos, porquanto se contrapõe ao § 6º do artigo 4º da LC 80/94, com a redação atribuída pela LC 132/09.

Andou bem, pois, o MM Juízo de primeiro grau ao assim decidir:

'Certo, no entanto, que no caso de conflito de normas, mesmo que interno, prevalece a mais nova, entendo que o artigo 26 da LC 80/94 foi derrogado pela LC 132/09 no que refere à exigência de inscrição na OAB. Neste contexto, o artigo 3º, § 1º da Lei nº 8.906/04 não é oponível aos defensores públicos, porquanto se contrapõe ao § 6º do artigo 4º da LC 80/94, com a redação atribuída pela LC 132/09.

Prevalece, assim, até em razão da se tratar de tema reservado à normatização por Lei Complementar (CF, art. 134), a desnecessidade de filiação do defensor público perante a OAB e a consequente submissão dos integrantes da carreira, tão-somente, ao regime disciplinar próprio, nos termos da Lei Complementar nº 80/94.

Consigo que apesar de não estar em discussão nos autos a necessidade ou não de inscrição dos defensores públicos nos quadros da OAB, a abordagem da questão se fez necessária para a análise da matéria posta sub judice.

Ante o exposto, reconheço a ilegitimidade passiva do Presidente do 1º Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SC e julgo extinto o processo sem exame do mérito com relação a ele (CPC, art. 267, VI). No mérito, concedo a segurança para declarar a inaplicabilidade do regime disciplinar estabelecido pela Lei 8.906/94 e demais atos normativos que a regulamente aos Defensores Públicos Federais, bem como a nulidade de quaisquer atos administrativos disciplinares praticados pela OAB/SC em face dos associados da impetrante. Determino aos impetrados que se abstenham da prática de atos tendentes a promover em desfavor dos associados da Impetrante quaisquer medidas administrativas de cunho disciplinar.'

Declarada a inaplicabilidade do regramento àqueles entendidos como categoria diversa da advocacia pública, foi dada aplicação entendida como correta aos seguintes dispositivos, os quais não há, portanto, que se falar em violação, mas evidente respeito nos moldes do entendimento adotado: art. 3º da Lei nº 8.906/94; Lei Complementar nº 80/94, em especial 4º, 16, 26, 46; 94, 103-B, 104, 134 da CRFB/88; 2º da LICC; além dos demais aplicáveis ao caso em comento, merecendo enfatizar que é desnecessário ao magistrado indicar todos os dispositivos nos quais lastreia seu entendimento quando é ele suficientemente fundamentado.
Ante o exposto, voto por negar provimento aos agravos.'

Conforme se vê, com o advento da LC 132/2009, especificamente no ponto em que acrescentou o §6º ao art. 4º da LC 80/94, foi criado um aparente conflito de normas com o expresso no §1º do art. 3º do Estatuto da Advocacia e com o disposto no art. 26 da LC 80/94.

Contudo, tal conflito resolve-se pela aplicação do princípio da especialidade, de forma que, em razão da inclusão do §6º no art. 4º da LC 80/94, estabelecendo que a capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público, os dispositivos em contrário restaram revogados pela lei nova.

Razão porque entendo por correta a conclusão pela desnecessidade de manutenção da inscrição do Defensor Público Federal junto aos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, os quais, a partir da nomeação e posse, passam a submeterem-se exclusivamente ao regime disciplinar expresso na LC 80/94.

Por fim, alega a apelante a possibilidade de prescrição dos processos administrativos disciplinares, o que não teria sido abarcado pela sentença.

Ocorre que a sentença determinou a suspensão dos processos disciplinares e da cobrança de anuidades, no que suspenso também os prazos prescricionais, até o julgamento definitivo da ação, logo, restou resguardado o direito ao restabelecimento dos processos e cobranças suspensos e de instauração de novos processos após o trânsito em julgado, no caso de eventual reforma.

Nesses termos, a controvérsia trazida a juízo foi solvida em harmonia com entendimento jurisprudencial da Corte sobre o assunto, inexistindo fundamentos para reforma da sentença prolatada.

Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação e à remessa oficial.


Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator



Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7239139v2e, se solicitado, do código CRC CF8CBCC2.
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Signatário (a):
Fernando Quadros da Silva
Data e Hora:
28/01/2015 19:03




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