INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL CIVIL CONTEMPORÂNEO.
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO.
Acepções
do termo processo
→ Método
de criação de normas jurídicas
(produção de normas legislativas, administrativas, jurisdicional,
negocial);
→ Ato
jurídico complexo
(conjunto de vários atos jurídicos relacionados entre si,
realizados em contraditório);
→ Relação
jurídica
(conjunto
de relações jurídicas entre os diversos sujeitos processuais).
Relação
circular entre
direito material e direito processual:
o processo serve ao direito material, mas também é servido por ele.
Características
do pensamento jurídico contemporâneo:
→ Reconhecimento
da força normativa da CF;
→ Desenvolvimento
da teoria dos princípios (eficácia
normativa);
→ Papel
criativo da hermenêutica jurídica;
→ Expansão
e consagração dos direitos fundamentais;
Neoconstitucionalismo:
fase atual do pensamento jurídico contemporâneo (com bases teóricas
acima referidas).
Fases
históricas do direito processual
1ª)
praximo
ou sincretismo:
confusão entre direito material e processual
2ª)
processualismo:
delimitação das fronteiras entre o direito material e
processualismo
3ª)
instrumentalismo:
mantém-se reconhecidas as diferenças funcionais entre direito
material e processual, mas é estabelecida a relação circular entre
eles
4ª)
neoprocessualismo: revisão
de categorias jurídicas criadas pelo processualismo a partir de
novas premissas teóricas, destacando a importância que se deve dar
aos valores constitucionalmente protegidos na pauta de direitos
fundamentais na construção e aplicação do formalismo processual.
Há uma corrente que usa a expressão “formalismo-valorativo”
para designar o mesmo fenômeno.
Constitucionalização
do direito processual: sob dois ângulos:
→ incorporação
aos textos constitucionais de normas processuais (direito
fundamental ao processo devido e consectários: contraditório, ampla
defesa, juiz natural, vedação da prova ilícita, etc);
→ a
interpretação de normas processuais infraconstitucionais levando-se
em conta sua função de concretizar as disposições constitucionais
(eficácia normativa da CF).
Nova
feição da atividade jurisdicional
Sistema
de precedentes judiciais:
eficácia normativa de determinadas orientações jurisprudenciais:
(Súmulas dos tribunais, súmula vinculante do STF;
Criatividade
da função jurisdicional:
na construção da norma jurídica individual ou geral (súmulas
vinculantes, impeditivas de recurso, etc);
Cláusulas
gerais processuais: conceitos jurídicos indeterminados
(ex: devido processo legal, poder geral de cautela, abuso de direito
do exequente, boa-fé processual, adequação do processo em
jurisdição voluntária). Exigem concretização, não subsunção.
Reforçam a função criativa da jurisdição.
Dimensão
objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais:
a)
subjetiva:
direitos subjetivos que trazem situação jurídica de vantagem aos
seus titulares
b)
objetiva:
valores básicos da ordem jurídica que devem presidir a
interpretação/aplicação de todo o ordenamento jurídico.
DEVIDO
PROCESSO LEGAL E OUTROS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO
Devido
processo legal
A
palavra “legal” não quer dizer “lei”, mas sim “Direito”.
Devido processo legal é o direito a um processo justo, equitativo,
etc. É uma garantia contra o exercício abusivo do poder. Processo
equitativo (Portugal),
processo
giusto
(Itália), due
process of law
(EUA), fair
trial
(Inglaterra).
A
definição de devido processo legal é obra eternamente em
progresso.
Há uma evolução do que se entende por “devido” processo legal
no século XIV (absolutismo), no século XX (consolidação da
igualdade formal, separação entre Igreja e Estado) e o que é
“devido” atualmente (informatização das relações, sociedade
de massas, globalização, etc.) e o que será “devido” daqui a
dois séculos.
São
concretizações do devido processo legal (conteúdo mínimo):
→ contraditório
e ampla defesa (art. 5º, LV, CF)
→ tratamento
paritário entre as partes do processo (art. 5º, I, CF)
→ publicidade
do processo (art. 5º, LX, CF)
→ vedação
das provas ilícitas (art. 5º, LXVI, CF)
→ juiz
natural (art. 5º, XXXVII e LIII, CF)
→ acesso
à justiça (art. 5º, XXXV, CF)
Devido
processo legal formal ou procedimental:
composto pelas garantias acima referidas (contraditório, ampla
defesa, juiz natural etc).
Devido
processo legal substancial ou substantivo:
desenvolveu-se os EUA. Não basta a observância das exigências
formais. É preciso que as próprias exigências formais sejam, em si
mesmas, substancialmente
devidas
(justas, equitativas, etc). O STF extraiu essa exigência substancial
do devido processo legal sob a faceta do princípio da
proporcionalidade, vedando o abuso do poder de legislar (RE 374, Rel.
Min. Celso de Mello, 28/03/2005).
O
devido processo legal, tal como qualquer direito fundamental,
aplica-se também às relações privadas (eficácia
horizontal dos direitos fundamentais).
Teorias
sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais na esfera
privada
→ state
action:
nega eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas,
pois o único sujeito passivo seria o Estado (prevalece nos EUA);
→ eficácia
indireta ou mediata dos direitos fundamentais na esfera privada:
a CF não confere aos particulares direitos subjetivos privados, mas
baliza o legislador infraconstitucional, que deve tomar como
parâmetro valores constitucionais na elaboração das leis de
direito privado (prevalece na Alemanha, Áustria e França)
→ eficácia
direta e imediata dos direitos fundamentais na esfera privada:
os direitos fundamentais podem ser invocados imediatamente nas
relações privadas, independente de mediação do legislador
(prevalece
no Brasil,
Espanha e Portugal).
O
STF reconheceu expressamente essa eficácia no RE n. 201.819, em
11/10/2005, anulando a exclusão de associado em razão da
inobservância do devido processo legal substancial.
exemplo
recente: Lei n. 11.127/2005 que alterou o art. 57 do Código Civil
para assegurar o devido processo legal nas hipóteses de exclusão de
associado.
Princípio
do contraditório
O
contraditório é enxergado sobre 2 ângulos: participação
(audiência, comunicação, ciência) e possibilidade
de influência na decisão.
A
garantia de participação é a dimensão
formal do princípio do contraditório.
É a oportunidade de ser ouvido, de participar do processo, de ser
comunicado, de poder falar no processo.
A
dimensão substancial do contraditório
é o “poder de influência”. É necessário permitir que a parte
seja ouvida, porém em condições de poder influenciar no
convencimento do magistrado. É fundamental perceber isso: o
contraditório não se efetiva apenas com a ouvida da parte; exige-se
a participação com possibilidade conferida à parte, de influenciar
no conteúdo da decisão. Faz parte dessa dimensão do contraditório
o direito a ser acompanhado por um advogado.
Ex:
durante o processo, o magistrado não pode punir a parte sem antes
dar ciência de manifestar-se sobre os fundamentos da punição. É o
que preconiza o art. 599, II, do CPC. No mesmo sentido STJ, RESP n.
250.781, 19/06/2000.
Sustenta-se
que a dimensão substancial do contraditório exige que o juiz
provoque previamente as partes quando pretende decidir com base em
fato por elas não discutido (como prescrição ou
inconstitucionalidade de uma lei, por exemplo), ainda que seja
possível apreciar a matéria de ofício. Evita-se a propalação de
uma “decisão-surpresa”.
Princípio
da ampla defesa
Tendo
em vista desenvolvimento do princípio do contraditório, pode-se
dizer que a ampla defesa a ele se fundiu: a ampla defesa corresponde
a um aspecto substancial do princípio do contraditório. Não há
contraditório sem defesa nem defesa sem contraditório.
Princípio
da publicidade
Os
atos processuais hão ser públicos: a) protege-se as partes contra
juízos arbitrários e secretos; b) controle da opinião pública
sobre os serviços de justiça. Publicidade interna (publicação dos
atos processuais para as partes) e externa (acesso por terceiros)
Obs.:
o
tribunal arbitral PODE
ser sigiloso quanto a publicidade EXTERNA.
A
CF só admite restrição a publicidade quando a defesa da intimidade
ou o interesse social exigirem (art. 5º, LX).
O
CPC admite restrição a publicidade quando exigir o interesse
público; b) casamento, filiação, separação, conversão em
divórcio, alimentos e guarda de menores (art. 155, parágrafo único)
Princípio
da duração razoável do processo
Convenção
Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) art.
8, I.
Processo
devido é, pois, processo com duração razoável.
Corte
Européia dos Direitos Humanos firmou
3 critérios para determinar a duração razoável do processo: a)
complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes e seus
procuradores; c) a atuação do órgão jurisdicional.
Importante:
não existe um princípio da celeridade. O processo não tem que ser
rápido/célere. O processo deve demorar o tempo necessário e
adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional.
Princípio
da igualdade processual (paridade de armas)
O
processo é uma luta. A garantida de igualdade significa dar as
mesmas oportunidades e os mesmos instrumentos processuais para que
possam fazer valer seus direitos e pretensões, ajuizando ação,
deduzindo resposta, etc. Mas essa paridade de armas não significa
identidade absoluta entre os poderes das partes de um mesmo processo.
O que importa é que as diferenças de tratamento sejam justificadas
racionalmente.
Princípio
da boa-fé processual
Os
sujeitos processuais devem se pautar com base na boa-fé como norma
de conduta (boa-fé objetiva: independente da existência de boa ou
má intenção). Está previsto no art. 14, II, do CPC.
Deste
princípio se extrai uma cláusula
geral processual:
é que a infinidade de situações que podem surgir ao longo do
processo torna pouco eficaz qualquer enumeração legal exaustiva das
hipóteses de comportamento desleal.
A
boa-fé objetiva é norma de conduta: impõe e proíbe condutas, além
de criar situações jurídicas ativas e passivas. Sempre que existir
um vínculo jurídico, as pessoas nele envolvidas estarão obrigadas
a não frustrar a confiança razoável do outro, devendo se comportar
como se pode esperar de uma pessoa de boa-fé.
TODOS
os que de qualquer forma participam do processo são destinatários
da cláusula geral da boa-fé processual (não somente as partes).
Impõe
deveres
de cooperação.
A
cláusula geral não dispensa a existência de regras de proteção à
boa-fé. Ex: normas sobre litigância de má-fé (arts. 17 e 18 do
CPC).
O
STF entende que o princípio da boa-fé está implícito no princípio
do devido processo legal e é dirigido não só às partes, mas a
todos que participam do processo (RE 464963-2, Rel. Min. Gilmar
Mendes, DJ 30/06/2006).
Princípio
da adequação (legal e jurisdicional) do processo
É
visualizado em 2 momentos: legislativo
(informador
da produção legislativa das regras processuais e jurisdicional
(permite ao juiz, no caso concreto, adaptar o procedimento às
peculiaridades da causa que lhe é submetida.
A
construção do processo deve levar em conta a natureza e as
peculiaridades do objeto do processo a que servirá. Um procedimento
inadequado ao direito material pode importar verdadeira negação da
tutela jurisdicional. Não só o procedimento deve ser adequado, mas
também a tutela jurisdicional.
O
princípio da inafastabilidade da jurisdição e o princípio da
efetividade garantem o direito à tutela adequada a realidade do
direito material.
→ adequação
subjetiva:
se opera em razão dos litigantes (ex: intervenção obrigatória do
MP em caso de interesse de incapazes, prazos especiais para a Fazenda
Pública, regras especiais de competência – domicílio do
alimentando)
→ adequação
teleológica:
leva em conta as finalidades que visa (ex: juizados especiais e
duração razoável do processo)
→ adequação
objetiva:
leva em conta a natureza do direito objeto do litígio e a situação
processual de urgência.
Princípio
da adaptabilidade ou adequação judicial:
o magistrado pode conformar o procedimento às peculiaridades do caso
concreto como meio de mais bem tutelar o direito material (ex:
corrigindo o procedimento que se revele inconstitucional, por ferir
um direito fundamental, como o contraditório). As vezes, há regras
legais autorizando tal prática (ex: art. 6º, VIII CDC, conversão
do procedimento sumário em ordinário, em razão da complexidade da
causa – art. 277, §§ 4º e 5º, CPC; julgamento antecipado da
lide, possibilidade do relator da rescisória fixar prazo para
resposta dentro de certos limites; adequação do processo em
jurisdição voluntária – art. 1109, CPC).
Mas
o princípio da adequação pode incidir também DIRETAMENTE:
Exemplo:
o prazo legal para oferecimento de contestação é de 15 dias.
Suponha um caso em que a petição inicial vem acompanhada de 11
volumes de documentos, totalizando mais de 2 mil documentos. O prazo
de 15 dias para contestar, previsto em lei, revela-se concretamente
inadequado. É lícito e constitucional que o juiz confira prazo mais
dilatado, pois o direito à adequação do processo é um direito
fundamental.
Exemplo:
o depósito de 20% do valor da causa para proposição de ação
rescisória visa desestimular ações temerárias. Porém, em um caso
concreto, essa exigência pode se tornar um obstáculo intransponível
ao acesso à justiça. Caberá o afastamento desta cláusula,
dependendo das circunstâncias do caso concreto, quando se revelar
inadequada aos fins a que se destina.
Modelo
do processo civil brasileiro. Princípio da cooperação.
Modelos
de processo na civilização ocidental
→ Adversarial:
competição ou disputa entre as partes, diante um órgão
jurisdicional relativamente passivo, cuja função principal é a de
decidir. A maior parte da atividade processual é das partes.
Prepondera o
princípio dispositivo:
maiores poderes às partes para a condução do processo.
→ inquisitorial:
uma pesquisa oficial, sendo o órgão jurisdicional o grande
protagonista do processo. A maior parte da atividade processual é do
juiz. Prepondera o
princípio inquisitivo:
maiores poderes para o juízo na condução do processo.
Obs.:
nenhum sistema é absolutamente adversarial ou inquisitorial. Há
apenas a preponderância de um ou outro. Nada impede que o
legislador, em um específico tema, opte pelo sistema adversarial e,
em relação a outro tema, opte pelo sistema inquisitivo.
→ sistema
cooperativo:
prega uma nova dimensão do princípio do contraditório, inserindo o
magistrado no diálogo processual, não mais como mero espectador de
um duelo entre as partes. A condução do processo não é mais
apenas das partes ou só do juiz. Passa a ser uma condução
cooperativa, dos 3 sujeitos processuais, sem destaque para algum
deles. É o modelo mais adequado para uma democracia. Há cooperação
na condução do processo até o momento em que o juiz vai proferir a
decisão, que continua sendo atividade dele exclusiva. A decisão
judicial será fruto de atividade processual conduzida por todos os
sujeitos processuais em cooperação.
O
princípio da cooperação torna devidos certos comportamentos das
partes, inclusive do magistrado (esclarecimento, lealdade, proteção)
dever
de lealdade:
não litigar de má-fé (art. 17, CPC)
dever
de esclarecimento:
petições claras e coerentes, sob pena de inépcia (art. 295,
parágrafo único, CPC)
dever
de proteção:
não causar danos à parte adversária (punição ao atentado, art.
879-881, CPC).
O
juiz tem dever de esclarecimento e lealdade:
oportunizar às partes a emenda a inicial (284, CPC); requerer
esclarecimentos juntos as partes para evitar a prolação de decisões
equivocadas; dever de proferir decisões claras (decisões obscuras
são atacáveis mediante embargos de declaração – art. 535, I, do
CPC). Deve apontar deficiências das postulações das partes para
que possam ser supridas (é chamado também dever
de prevenção).
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