“Onde
não há remédio do rito do habeas corpus, não há, não pode haver
garantia da liberdade física. Errar é humano, coagir é vulgar,
abusar do poder é universal e irremediável. A contemporaneidade
confirma-o a cada passo.” (Rui Barbosa).
HABEAS
CORPUS
Trata-se
de remédio/garantia previsto no art. 5º, LXXII, da Constituição
Federal:
LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;
A
ação de habeas
corpus é
uma garantia constitucional e poderoso instrumento à disposição
das pessoas para fazer cessar a violência ou coação a liberdade de
locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Tem seu berço no
direito inglês, onde constitui-se garantia contra abusos cometidos
por agentes do poder público ou mesmo particulares.
Parte
da doutrina proclama que a origem do habeas
corpus
remonta ao direito romado, que já previa a possibilidade do cidadão
romano invocar o direito de exibição do homem livre indevidamente
detido por meio de uma ação especial conhecida por interdictum
de libero homine exhibendo.
(Nessa linha, Fernando Capez, Curso de Processo Penal, p. 826).
Porém,
a maioria da doutrina aponta a origem no Capítulo XXIX da Magna
Carta outorgada pelo Rei João Sem Terra em 1215. O art. 48 do
referido diploma garantia que “Ninguém
poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e
liberdade, senão em virtude de julgamento por seus pares, de acordo
com as leis do país”.
Com ordens de
Esse
instituto foi acolhido também nos Estados Unidos da América, onde
foi transcrito, pela primeira vez, no texto de uma Constituição,
garantindo-se a impossibilidade de subtração desta garantia via
emenda constitucional (cláusula pétrea).
No
Brasil, foi absolvido pelo ordenamento jurídico por influência de
Rui Barbosa, Pedro Lessa e Pontes de Miranda, considerados os
juristas da chamada “doutrina brasileira do habeas
corpus”,
sendo tal instituto previsto em todas as constituições seguintes à
de 1981.
Embora
não esteja restrito ao tema, o habeas
corpus passou
a ser o grande instrumento de controle da persecução penal,
prestando-se ao trancamento de investigações e ações penais
reputadas como abusivas.
NATUREZA
JURÍDICA
Na
precisa lição de Gaim Foppel e Rafeel Santana, o habeas
corpus
“é
remédio de Direito Processual Constitucional, vocacionado à tutela
da liberdade de locomoção (direito de ir, ficar e vir, ius manendi,
ambulandi, eundi ultro citroque). Ostenta a natureza jurídica de
garantia constitucional, uma vez que mete-se a rol dos direitos e
garantias fundamentais estabelecidas na vigente Carta Constitucional
(Título II). Integra, portanto, o núcleo irredutível da
Constituição (art. 60, § 4º, IV), é dizer, não pode ser
suprimido por emenda constitucional.”
Embora
o Código de Processo Penal brasileiro tenha incluído o habeas
corpus
no título referente aos recursos, desde o seu nascedouro, o
instituto tem natureza de ação
autônoma
de cunho
mandamental.
Nessa linha já lecionava Pontes de Miranda:
“O
pedido de habeas corpus é pedido de prestação jurisdicional em
ação (…) A ação é preponderantemente mandamental. Nasceu assim
o instituto. Os dados históricos no-lo provarão. Não se diga (a
erronia seria imperdoável) que se trata de recurso. A prestação
não é recursal. Nem no foi, nem no é. É ação contra quem viola
ou ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir.” (História e
prática do habeas corpus. Atualização de Vilson Rodrigues Alves.
Campinas: Bookseller, 1999)
Lembre-se
que o recurso pressupõe a existência de um processo e de uma
decisão judicial a ser reapreciada na mesma relação jurídica
processual. O habeas
corpus não
exige isso. É possível a impetração de habeas
corpus
ainda que não exista qualquer processo judicial ou administrativo.
Outra característica do recurso diz respeito a impugnação de
decisões não acobertadas pela coisa julgada material (decisões não
transitadas em julgado), mas pela via do habeas corpus é possível
atacar decisões judiciais acobertadas pela garantia da coisa julgada
material, sendo possível sua utilização como sucedâneo recursal
ou mesmo cumulativamente com o recurso cabível.
Porém,
cabe um alerta: embora a jurisprudência tradicional aceite o habeas
corpus
como sucedâneo recursal, a jurisprudência mais recente do STJ e do
STF, pretendendo diminuir a quantidade de habeas
corpus
impetrados perante esses tribunais, vem adotando
jurisprudência defensiva,
de modo a não mais admitir a possibilidade de conhecer de habeas
corpus como sucedâneo recursal. Em caso de manifesta ilegalidade,
porém, permite-se a concessão da ordem de ofício:
“As
Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a
esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a
utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso
adequado
(v.g.: HC n. 284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de
2/9/2014, HC n. 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, DJe de 28/8/2014, HC n. 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min.
Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC n. 253.802/MG, Sexta Turma, Rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014). II - Portanto,
não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de
habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio,
situação que implica o não conhecimento da impetração. Contudo,
no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a
gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão
da ordem de ofício.”
(STJ HC 290757 / SP, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fisher, unânime, DJe
22/10/2014).
“EMENTA
Habeas
corpus substitutivo de recurso extraordinário. Inadmissibilidade.
Precedente da Primeira Turma. Flexibilização circunscrita às
hipóteses de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia.
Ocorrência. Prisão preventiva. Gravidade em abstrato do delito.
Total de droga apreendida (9,95 gramas de maconha e cocaína) que não
pode ser considerado como grande quantidade ao ponto de caracterizar
uma maior periculosidade do paciente. Inidoneidade dos fundamentos
adotados. Primariedade e bons antecedentes que favorecem o paciente,
dadas as circunstâncias. Writ extinto, em face da inadequação da
via eleita. Ordem concedida de ofício para se substituir a prisão
cautelar do paciente por medidas cautelares dela diversas (CPP, art.
319). Prejudicialidade da questão relativa ao excesso de prazo. 1.
Impetração
manejada em substituição ao recurso extraordinário, a qual esbarra
em decisão da Primeira Turma, que, em sessão extraordinária de
16/10/12, assentou, quando do julgamento do HC nº 110.055/MG,
Relator o Ministro Marco Aurélio, a inadmissibilidade do habeas
corpus nessa hipótese.
2. Nada
impede, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal, quando do manejo
inadequado do habeas corpus como substitutivo, analise a questão de
ofício nas hipóteses de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou
teratologia, como ocorreu na espécie.
3. Está sedimentado na Corte o entendimento de que a gravidade em
abstrato do delito não basta para justificar, por si só, a privação
cautelar da liberdade individual do agente. Precedentes. 4. A
quantidade de droga apreendida (7,7 g de cocaína e 2,25 g de crack)
não pode ser considerada relevante ao ponto de caracterizar uma
maior periculosidade do paciente e de inviabilizar o seu direito de
responder ao processo-crime em liberdade, mormente se se considera a
notícia de ser ele primário e de bons antecedentes. 5. Não foi
demonstrado pelo Juízo de piso que a liberdade do paciente pode
causar perturbações de monta, ou que a sociedade estará desprovida
de garantia para a sua tranquilidade, situações fáticas que, a meu
ver, apontam para o verdadeiro sentido de ‘garantia da ordem
pública’ – o acautelamento do meio social -, muito embora não
haja definição precisa no ordenamento jurídico pátrio para esse
conceito. 6. Writ extinto, por inadequação da via eleita. Ordem de
habeas corpus concedida de ofício para se determinar ao Juízo de
piso que substitua a segregação cautelar do paciente pelas medidas
cautelares dela diversas (CPP, art. 319) que entender pertinentes,
ficando prejudicada, ademais, a questão relativa ao excesso de
prazo.” (HC 121006 / MG, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe
21/10/2014)
A
ordem de habeas
corpus
possui caráter
mandamental,
o que é bastante natural tendo em conta a urgência na cessação de
uma violência ou coação a liberdade de locomoção. Não haveria
muita utilidade nesse instituto se o procedimento não fosse célere
o suficiente para fazer cessar a ilegalidade, ainda mais se a decisão
favorável ao paciente dependesse de novo processo (de execução)
para a sua efetivação. É essa a origem do vocábulo writ (ordem),
que é expedida pelo órgão judicial quando constatada a ilegalidade
do constrangimento à liberdade de locomoção, ordem essa que deve
ser cumprida imediatamente.
ESPÉCIES
São
duas as espécies de habeas
corpus,
segundo a doutrina especializada: liberatório
(também chamado de repressivo)
e preventivo.
Caso
já realizado, consumado o ato constritivo da liberdade de locomoção,
por ilegalidade ou abuso de poder, o habeas
corpus
será considerado liberatório
(também chamado de repressivo).
Se
existe apenas uma ameaça de violência ou coação ilegal à
liberdade de locomoção, será o habeas
corpus
preventivo. Aqui existe uma potencial prática de ilegalidade a
liberdade de ir e vir, uma ameaça que está por acontecer uma
violência ou coação a essa liberdade. Porém, vale o alerta feito
por Gaim Föppel e Rafeel Santana:
“Devemos
salientar, de plano, que a ameaça de violência ou coação ilegal
deve ser séria e efetiva, é dizer, deve o receio do paciente de
sofrer um mal injusto ser decorrente de fundadas razões, lastreadas
em algum ato concreto. Consoante Demercian e Maluly “o mero temor
ou suspeita vaga não autorizam a concessão do salvo conduto
(direito de se locomover sem constrangimento). Deve existir, para a
concessão da ordem, o mínimo de viabilidade fática”. (Ações
constitucionais. Habeas Corpus, Ed. Juspodivm 2006, p. 15)
É
nesse sentido o entendimento jurisprudencial, valendo citar
precedente do STJ: “Somente
é cabível o habeas corpus preventivo quando há fundado receio de
ocorrência de ofensa à liberdade de locomoção iminente. A mera
suposição ou expectativa de que a prisão poderá ser determinada
não constitui ameaça concreta à liberdade de locomoção, capaz de
justificar o manejo do habeas corpus para o fim pretendido.” (RHC
47424 / PA, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, unânime, DJe
01/08/2014).
No
mesmo sentido: “Inviável
utilizar o habeas corpus para obstar eventuais ilegalidades ou
constrangimentos ainda não acontecidos e sem comprovação (fundado
receio) de que realmente ocorrerão, concedendo-se ao paciente, em
caráter definitivo e permanente, salvo-conduto relativamente a
inquérito que sequer se tem notícia tenha sido iniciado. Caso
deflagradas as investigações criminais ou mesmo ofertada denúncia
em desfavor do paciente perante a Corte originária, situações
podem vir a ocorrer que justifiquem a segregação cautelar, nos
termos do art. 312 do CPP , ou mesmo a imposição de medidas
diversas, previstas no art. 319 do CPP . A mera suposição, sem
indicativo fático, de que a prisão poderá ser determinada, não
constitui ameaça concreta à liberdade de locomoção, capaz de
justificar o manejo de habeas corpus para o fim pretendido. Writ não
conhecido.” (HC 219326 / MA, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi,
unânime, DJe 09/09/2013).
Nos
termos do art. 660, § 4º, do Código de Processo Penal, “Se
a ordem de habeas corpus foi concedida para evitar a ameaça de
violência ou coação ilegal, dar-se-á ao paciente salvo-conduto
assinado pelo juiz”.
Como
exemplo de habeas corpus de natureza preventiva, podemos lembrar, no
ano de 2013, quando houve sucessivas manifestações populares contra
o aumento da passagem de ônibus em algumas localidades,
manifestações que passaram a tomar conta de todo país para
protestar sobre também outros temas, como contra a corrupção e os
péssima qualidade dos serviços públicos em geral.
Em
uma dessas manifestações, mais precisamente em Natal-RN,
integrantes do movimento Revolta no Busão impetraram habeas corpus
de natureza preventiva.
O
ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
concedeu liminar no referido Habeas Corpus, liberando o protesto de
manifestantes nas marginais da rodovia BR-101, em Natal, capital do
Rio Grande do Norte.
Para
o ministro, não cabe ao Poder Judiciário impor previamente o
emprego da força policial para reprimir a circulação de cidadãos
que buscam o legítimo exercício da cidadania, em prol de melhorias
públicas.
O
Habeas Corpus foi solicitado por integrantes do movimento Revolta do
Busão. O pedido havia sido negado pelo Tribunal Regional Federal da
5ª Região e o novo habeas corpus no STJ foi impetrado contra essa
decisão.
Com
o pedido de liminar, o movimento, formado por estudantes
universitários e cidadãos em geral, queria evitar ordens para que a
polícia impedisse o direito de locomoção dos manifestantes na
passeata agendada para determinada data.
Vale
conhecer o teor da referida decisão monocrática do Ministro Herman
Benjamin, ao deferir a liminar:
“Trata-se
de Habeas Corpus impetrado contra decisão do Relator do Tribunal
Regional Federal da 5ª Região, que indeferiu liminar em Habeas
Corpus requerido àquela Corte.
O
mandamus proposto na origem impugna antecipação de tutela concedida
pelo juízo da 1ª Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do
Norte, a fim de "assegurar o fluxo normal e contínuo da BR 101,
em qualquer parte do seu trecho e em ambas as vias, permitindo apenas
eventual manifestação pacífica, serena e ordeira nas marginais da
pista, da data de hoje, ou em data futura desde que haja pertinência
temática com a lide ora proposta" (fl. 67).
Ao
indeferir a liminar, o Relator ressaltou que "isso não
significa autorização para reprimir eventuais manifestações
populares, em si próprias asseguradas constitucionalmente, na medida
em que não impliquem obstrução das rodovias federais" (fl.
92).
Os
impetrantes relatam que são integrantes do movimento denominado
"Revolta do Busão", organizado no Município de Natal/RN e
integrado por estudantes universitários e cidadãos em geral, que
têm como objetivo protestar contra o aumento da tarifa do transporte
público coletivo.
Afirmam
que buscam garantir o direito de ir e vir nas vias da cidade, na
forma de realização de caminhadas pacíficas. Pleiteiam a concessão
de liminar para determinar que a autoridade coatora "se abstenha
de determinar às Polícias que impeçam o Direito de Locomoção dos
pacientes e demais participantes da caminhada e movimentação da
#RevoldaDoBusão em Natal, no próximo dia 20 de junho, a partir das
17 h" (fl. 41).
Asseveram
que o fumus boni iuris decorre do que estatuem os arts. 5°, II, LIV
e LXIX, da CF/88; 648, I, do CPP; e 1°, 6°, 7°, III, e 10 da Lei
12.016/2009. Suscitam ainda nulidade, por suposto julgamento extra
petita.
No
tocante ao periculum in mora, invocam a iminência da manifestação
programada para ocorrer às 17 horas do dia 20.6.2013, nas
proximidades da Prefeitura de Natal.
É
o relatório.
Decido.
Os
autos foram recebidos neste Gabinete em 20.6.2013. Acolho a
competência da Primeira Seção para julgamento do Habeas Corpus,
nos termos dos arts. 9º, §1º, incs. XII e XIII; e 13, inc. I, do
RISTJ.
Sobre
os instrumentos utilizados (adequação do mandamus, do Habeas Corpus
ou de eventual reintegração de posse), tal questão se confunde com
o mérito e com a ideia de proteção à liberdade de locomoção.
Cediço
que o Remédio heróico é cabível em situações de que resulte
possibilidade de ofensa ao "jus manendi, ambulandi, eundi ultro
citroque":
Ele
tutela o direito de ir e vir. The power of locomotion. O direito de
ficar, de ir e vir de um lugar. Tutela o direito de não ser preso, a
não ser em flagrante ou por ordem escrita e fundamentada da
autoridade judiciária competente; o direito de não ser preso por
dívida, salvo o caso do alimentante inadimplente; o direito de não
ser recolhido à prisão nos casos em que se permite fiança ou
liberdade provisório; o direito de não ser extraditado, a não ser
nas hipóteses previstas na Magna Carta; o direito de frequentar todo
e qualquer lugar, ressalvadas aquelas restrições que podem ser
impostas quando da concessão de sursis ou suspensão condicional do
processo; o direito de viajar, ausentando-se de sua residência,
ressalvadas as restrições de que tratam os arts. 328 e 367 do CPP
(Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo Penal 4, 33ª ed., São
Paulo, Saraiva, 2011, p. 648)
Em
análise sumária, entendo preenchidos os requisitos necessários à
concessão da liminar, em razão da flagrante ilegalidade da decisão
que impede a livre manifestação pacífica em território nacional,
direito fundamental inalienável, nos termos do art. 5°, IV, XV e
XVI, da CF/1988. Superado, portanto, o óbice da Súmula 691/STF.
Desse
modo, não cabe ao Poder Judiciário, previamente, impor o emprego da
força policial para reprimir a circulação de cidadãos que buscam
o legítimo exercício da cidadania, em prol de melhorias públicas.
O
periculum in mora está evidenciado pela iminência de possível
repressão aos estudantes.
Por
tudo isso, defiro a liminar para garantir a livre manifestação no
Município de Natal, no movimento organizado para o dia de hoje.
Comunique-se
urgentemente.
Colham-se
as informações das autoridades impetradas.
Após,
dê-se vista ao Ministério Público Federal.
Publique-se.
Intimem-se.”
(grifo nosso)
CONDIÇÕES
DA AÇÃO DE HABEAS CORPUS
Como
é considerado uma ação, o habeas corpus se submete a
determinadas condições, como as ações em geral. O preenchimento
das condições da ação deve ser aferido antes do julgamento de
mérito, ou seja, antes de decidir-se se houve ilegalidade ou ameaça
de ilegalidade contra a liberdade de locomoção.
A
possibilidade
jurídica do pedido é
uma das condições da ação, devendo ser considerada sob seu
aspecto negativo e positivo.
Quanto
ao aspecto negativo, será considerado juridicamente impossível
quando o ordenamento jurídico excluir sumariamente a possibilidade
do manejo do habeas corpus. Considerando que o habeas corpus é uma
garantia constitucional, somente a própria Constituição Federal
pode excepcionar o alcance dessa garantia, como de fato o faz no seu
art. 1472, § 2º: “Não
caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares
militares”.
A
primeira observação quanto ao dispositivo é de que somente as
transgressões disciplinares MILITARES estão fora do campo de
impetração do habeas
corpus,
diversamente do que ocorria em textos constitucionais anteriores,
onde transgressões disciplinares em geral não podiam ser objeto de
habeas
corpus.
A
segunda observação diz respeito a interpretação do dispositivo
constitucional. Não se pode considerar essa vedação a impetração
do habeas
corpus
como absoluta no caso de transgressão disciplinar militar.
Entende-se que a norma constitucional está a vedar o uso de habeas
corpus somente para questionar o mérito da punição disciplinar
militar aplicada, ou seja, questionar se foi adequada ou
proporcional, conveniente ou oportuna a referida sanção, pois esse
tema está resguardado ao mérito administrativo. Porém, outras
questões
de legalidade,
tais como a competência da autoridade militar, a inobservância das
formalidades legais ou mesmo o excesso de prazo de duração da
medida restritiva da liberdade podem ensejar o cabimento do habeas
corpus.
É
essa a posição do Supremo Tribunal Federal:
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. MATÉRIA CRIMINAL. PUNIÇAO DISCIPLINAR MILITAR.
Não
há que se falar em violação ao art. 142, 2º, da CF, se a
concessão de habeas corpus, impetrado contra punição disciplinar
militar, volta-se tão-somente para os pressupostos de sua
legalidade, exluindo a apreciação de questões referentes ao mérito
. Concessão de ordem que se pautou pela apreciação dos aspectos
fáticos da medida punitiva militar, invadindo seu mérito. A punição
disciplicar militar atendeu aos pressupostos de legalidade, quais
sejam, a hierarquia, o poder disciplinar, o ato ligado à função e
a pena susceptível de ser aplicada disciplinarmente, tornando,
portanto, incabível a apreciação do habeas corpus.
Recurso conhecido e provido. (Grifamos) (STF, RE 338840 / RS, 2ª
Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, unânime, Dje 12/09/2003)
Sob
o enfoque positivo, a possibilidade jurídica se satisfaz nas
hipóteses em que o ordenamento jurídico ABSTRATAMENTE admite a
tutela. Essas hipóteses são delineadas no art. 648 do Código de
Processo Penal, o qual define quais são os atos enquadrados no
conceito
de coação ilegal:
Art.
648. A coação considerar-se-á ilegal:
I
- quando não houver justa causa;
II
- quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
III
- quando quem ordenar a coação não tiver competência para
fazê-lo;
IV
- quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
V
- quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em
que a lei a autoriza;
VI
- quando o processo for manifestamente nulo;
VII
- quando extinta a punibilidade.
A
doutrina sustenta a natureza
exemplificativa do
rol de hipóteses de coação ilegal previsto no art. 648 do CPP,
conforme lição de Gaim Föppel e Rafeel Santana:
“Não
nos parece legítimo o atrelamento da admissibilidade do writ a norma
infraconstitucional. O texto magno, ao estabelecer que “conceder-se-á
habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de
sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder”, por sua amplitude, não admite
amesquinhamento pelo legislador ordinário. Nesta ordem de ideias, os
casos legalmente estabelecidos para a impetração do writ (arts.
648, CPP) devem ser tidos como detalhamento das possíveis
manifestações de abuso de poder ou ilegalidade contra o direito de
ir, ficar e vir. Essa tarefa de particularização das formas de
coação ilegal, abstratamente prevista no texto constitucional, é
que confere utilidade ao citado dispositivo legal.” (Ações
constitucionais. Habeas Corpus, Ed. Juspodivm 2006, p. 15)
O
interesse
processual
(interesse de agir) corresponde a necessidade e a adequação da
judicialização da pretensão do requerente, de sorte a produzir um
resultado prático. A necessidade
da medida está ligada a ocorrência ou ameaça de ocorrência de ato
constritivo à liberdade de locomoção. Falta o interesse de agir,
sob o viés da necessidade quando, por exemplo, já cessou a alegada
ilegalidade contra a liberdade de locomoção, ou quando já deixou
de haver a ameaça de violação à liberdade de locomoção. É o
que diz o art. 659 do CPP: Se o juiz ou tribunal verificar que já
cessou a violência ou coação ilegal, julgará prejudicado o
pedido. A adequação
diz respeito a utilização do habeas corpus de acordo com sua
finalidade: fazer cessar uma violência ou coação ilegal contra o
direito de locomoção. Caso seja impetrado um habeas corpus para
fazer cessar ilegalidade que não viole ou ameace violar a liberdade
de locomoção, deverá ser extinto por falta de interesse
processual, sob o viés da inadequação da medida.
A
legitimidade
também é condição da ação de habeas
corpus,
dividindo-se em ativa e passiva. Quanto a legitimidade
ativa,
diz o art. 654 do CPP que “o habeas
corpus
poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem,
bem como pelo Ministério Público”. É o que a doutrina chama de
legitimidade ativa universal: qualquer pessoa, física ou jurídica,
ainda que seja civilmente incapaz, analfabeta ou estrangeira, pode
impetrar habeas
corpus,
dispensada a condição de advogado ou procuração, o que é
plenamente justificável diante da urgência da medida.
Mesmo
o delegado de polícia pode impetrar habeas corpus. Não na condição
de autoridade pública, mas sim de cidadão (Nessa linha, Tourinho
Filho, RTJ 116/917 e RT 545/438)
Os
juízes e tribunais não podem impetrar habeas
corpus, salvo
em benefício de si mesmos, mas podem em favor de outrem conceder a
ordem de ofício, sempre que constatarem uma ilegalidade ou abuso de
poder violadora do direito de locomoção de alguém. É o que dispõe
o art. 654, § 2º, do CPP: Os juízes e os tribunais têm
competência para expedir de ofício ordem de habeas
corpus,
quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na
iminência de sofrer coação ilegal.
Quanto
a legitimidade passiva, embora o art. 649 do CPP utilize a expressão
“autoridade coatora” para designar o sujeito que exerce o ato
reputado como violador da liberdade de locomoção do paciente, a
Constituição Federal não limitou o cabimento de habeas
corpus
apenas contra ato de autoridade pública (agente público), sendo
cabível também quando o ato constritivo a liberdade de ir e vir foi
praticado por particulares. Essa é a posição dominante na
jurisprudência brasileira:
“CONSTITUCIONAL.
PROCESSUAL PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE
LOCOMOÇÃO. ATO DE PARTICULAR. HABEAS-CORPUS. ADMISSIBILIDADE.
-
o habeas-corpus e ação constitucional destinada a garantir o
direito de locomoção, em face de ameaça ou de efetiva violação
por ilegalidade ou abuso de poder.
-
do
teor da clausula constitucional pertinente (art. 5. LXVIII) exsurge o
entendimento no sentido de admitir-se o uso da garantia inclusive na
hipótese em que a ilegalidade provenha de ato de particular, não se
exigindo que o constrangimento seja exercido por agente do poder
publico.
-
recurso ordinário provido.” (STJ, RHC 4120 / RJ, 6ª Turma, Rel.
Min. Vicente Leal, unânime, DJ 17/06/1996)
Porém,
existe uma respeitável corrente minoritária defendendo o não
cabimento do habeas corpus quando a constrição a liberdade de
locomoção vier de particular, ao argumento de que isso constituiria
um crime, cabendo a polícia instaurar inquérito contra o infrator
ou mesmo prendê-lo em flagrante delito, fazendo cessar imediatamente
a coação por ele praticada, como sustenta Bento de Faria (Código
de Processo Penal, vol. II, p. 376).
Frise-se
que o Ministério Público também pode figurar como autoridade
coatora em sede de habeas
corpus.
Basta pensar na função ministerial de requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial, ou mesmo
de realizar excepcionalmente, ele mesmo, a investigação criminal,
como já autorizado pelo Supremo Tribunal Federal. Ora, se a
requisição é uma ordem dirigida ao delegado de polícia, que não
pode descumpri-la, é claro que a autoridade a praticar possível
ofensa a liberdade de locomoção passa a ser o próprio Ministério
Público do qual emanou a ordem e não o agente público que se
limita a cumprir a ordem.
HIPÓTESES
LEGAIS DE CABIMENTO DO HABEAS CORPUS.
Como
já dito, as hipóteses previstas no art. 648 do CPP são
exemplificativas, mas é importante estudá-las.
Quando
não houver justa causa (art.
648, I): considera-se cabível o habeas corpus quando não houver
justa causa para a prisão, para a investigação ou para a ação
penal. No primeiro caso, quando não estiver presentes os requisitos
que autorizam a prisão, sendo tais requisitos previstos no art. 312
do CPP:
Art.
312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da
ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução
criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver
prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
(Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo
único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso
de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de
outras medidas cautelares (art. 282, § 4o). (Incluído pela Lei nº
12.403, de 2011).
A
justa causa é tida pela doutrina como uma quarta condição da ação
penal. A existência de justa causa, no que concerne a investigação
ou a ação penal, também fica comprometida nos casos de manifesta
atipicidade da conduta imputada ao investigado/denunciado/acusado,
exigindo-se, entretanto, prova inequívoca da ilegalidade (direito
líquido e certo), pois não se admite dilação probatória em sede
de habeas corpus.
Quando
alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei
(art. 648, II): O Código de Processo Penal faz referência ao prazo
máximo de 10 dias para o encerramento do inquérito policial, se
preso em flagrante ou preventivamente o indiciado (art. 10), mas há
outros prazos previstos em legislação extravagante. No âmbito do
processo penal, consagrou-se o prazo de 81 dias, obtido pela soma dos
prazos para a prática de diversos atos que compõem a instrução
criminal (desde a conclusão do inquérito até o prazo para
diligências, art. 499 do CPP).
Entretanto,
esses prazos têm sido mitigados pela jurisprudência dos tribunais,
levando em conta certas circunstâncias, como a pluralidade de
investigados/réus, a necessidade de cumprimento de cartas
precatórias, a complexidade do feito, a greve de serventuários da
justiça, entre outras.
Nesse
sentido: “O
prazo para a conclusão da instrução criminal não tem as
características de fatalidade e de improrrogabilidade, fazendo-se
imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir
o excesso de prazo, não se ponderando a mera soma aritmética dos
prazos para os atos processuais (Precedentes). VI - No caso em tela,
malgrado o atraso na instrução criminal, ele se justifica,
notadamente pelas peculiaridades da causa - necessidade de expedição
de cartas precatórias e realização de diversas diligências -,
motivo pelo qual não vislumbro, na hipótese e por ora, o alegado
constrangimento ilegal susceptível de concessão do writ.”
(STJ HC 290757 / SP, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fisher, unânime, DJe
22/10/2014).
O
STF tem decidido na mesma linha: “A
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de
que a demora para conclusão da instrução criminal, como
circunstância apta a ensejar constrangimento ilegal, somente se dá
em hipóteses excepcionais, nas quais a mora seja decorrência de (a)
evidente desídia do órgão judicial; (b) exclusiva atuação da
parte acusadora; ou (c) situação incompatível com o princípio da
razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da
CF/88, o que não ocorre no caso dos autos.” (RHC
122462 / SP, 2ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, unânime, DJe
09/09/2014)
Quando
quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo (art.
648, III):
trata-se
de hipótese de habeas
corpus por
violação ao art. 5º, LIII da CF “ninguém
será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”
e LXI também da CF “ninguém
será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em
lei”.
No caso da decretação de prisão preventiva, tem competência para
fazê-lo a autoridade judiciária com competência para eventual e
futura ação penal. O juiz cível, por exemplo, não tem competência
para decretar prisão preventiva.
Quando
houver cessado o motivo que autorizou a coação (art. 648, IV):
trata-se da falta superveniente de justa causa para a manutenção da
restrição a liberdade de locomoção.
Quando
não for alguém admitido prestar fiança, nos casos em que a lei
autoriza (art. 648, V):
por violação ao art. 5º da LXVII, da CF “ninguém será levado à
prisão ou nela mantido, quando a lei admitir liberdade provisória,
com ou sem fiança”.
Quando
o processo for manifestamente nulo (art. 648, VI): tanto
em relação a nulidade absoluta quanto a relativa (essa sendo
suscitada oportunamente e não sanada), mas desde que seja manifesta,
ou seja, facilmente perceptível e incontestável. Frise-se que a
impetração de habeas
corpus com
base nesse dispositivo não pressupõe a prisão do paciente.
Quando
extinta a punibilidade (art. 648, VII):
pois extinta a punibilidade, não há mais como fazer valer a
pretensão punitiva estatal.
COMPETÊNCIA
São
três os critérios fixadores da competência para processar e julgar
o habeas
corpus:
a territorialidade, a prerrogativa de foro e a hierarquia.
Nos
termos do art. 649 do CPP, “O juiz ou tribunal, dentro dos limites
da sua jurisdição, fará passar imediatamente a ordem impetrada,
nos casos em que tenha cabimento, seja qual for a autoridade
coatora”. Eis aí o critério
da territorialidade:
a competência do juízo de 1º grau limita-se a comarca, seção ou
circunscrição judicária; dos tribunais de 2º grau, ao território
do respectivo estado (ou distrito federal) ou região (tribunais
regionais federais). Os tribunais superiores e o STF têm competência
em todo território nacional.
A
prerrogativa
de foro
relaciona-se a competência originária dos tribunais para julgar
habeas
corpus
quando certas autoridades forem pacientes.
Vemos
a competência
do STF
para julgar habeas
corpus
quando o paciente for o Presidente da República, o Vice-Presidente,
os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o
Procurador-Geral da República, os Ministros de Estado e os
Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o
disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do
Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de
caráter permanente (art. 102, I, “d”, CF).
Ao
STJ
compete
julgar habeas
corpus
quando o paciente for os Governadores dos Estados e do Distrito
Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos
Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros
dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos
Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do
Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos
Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem
perante tribunais ou, ainda, quando o coator for tribunal sujeito à
sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do
Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça
Eleitoral (art. 105, I, “c”, CF).
Aos
Tribunais Regionais Federais compete julgar o habeas corpus quando a
autoridade apontada como coatora for juiz federal (art. 108, I, “d”,
CF).
Caso
a autoridade apontada como coatora seja juiz eleitoral, a competência
para julgamento do habeas
corpus
será do respectivo Tribunal Regional Eleitoral a que o juízo esteja
vinculado.
Tratar-se
a autoridade coatora de juiz de juizado especial, o órgão
competente para julgamento do habeas
corpus
será a respectiva turma recursal. Se, porém, a turma
recursal do
juizado especial for a autoridade apontada como coatora, segundo a
atual jurisprudência do STF, a competência para processar e julgar
habeas
corpus serão
do respectivo tribunal de justiça ou tribunal regional federal:
“EMENTA:
QUESTÃO DE ORDEM. HABEAS CORPUS CONTRA ATO DE TURMA RECURSAL DE
JUIZADO ESPECIAL. INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
ALTERAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. REMESSA DOS AUTOS. JULGAMENTO JÁ
INICIADO. INSUBSISTÊNCIA DOS VOTOS PROFERIDOS. Tendo
em vista que o Supremo Tribunal Federal, modificando sua
jurisprudência, assentou a competência dos Tribunais de Justiça
estaduais para julgar habeas corpus contra ato de Turmas Recursais
dos Juizados Especiais,
impõe-se a imediata remessa dos autos à respectiva Corte local para
reinício do julgamento da causa, ficando sem efeito os votos já
proferidos. Mesmo tratando-se
de alteração de competência por efeito de mutação constitucional
(nova interpretação à Constituição Federal), e não propriamente
de alteração no texto da Lei Fundamental, o fato é que se tem, na
espécie, hipótese de competência absoluta (em razão do grau de
jurisdição), que não se prorroga.
Questão de ordem que se resolve pela remessa dos autos ao Tribunal
de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, para reinício do
julgamento do feito.” (STF, HC 86009 QO/DF, 1ª Turma, Rel. Min.
Carlos Britto, unânime, DJe 27/04/2007)
A
EC n. 45/2004 (Reforma do Judiciário) acrescentou para a Justiça
do Trabalho a
competência para julgar habeas corpus “quando
o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição”
(art. 114, IV, CF).
O
doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira sustenta que a única
hipótese em que a Justiça do Trabalho seria competente para
julgamento de habeas corpus seria o caso de prisão civil do
depositário infiel decretada pelo juiz do trabalho, já que o juiz
do trabalho não tem competência para decretar a prisão preventiva
(sempre de competência do juízo criminal) e porque a prisão em
flagrante pode ser feita por qualquer do povo, sendo desnecessária
ordem judicial nesse sentido. (Curso de Processo Penal 4ª Edição,
p. 706). Assim, o TRT seria competente para processar e julgar habeas
corpus
contra a decretação de prisão civil pelo juiz do trabalho de
primeira instância e o TST, para conhecimento de habeas
corpus
contra decisão do TRT pela manutenção da prisão civil. O juiz do
trabalho de primeira instância, portanto, não teria competência em
hipótese alguma para processar e julgar
habeas corpus.
PROCEDIMENTO
A
petição inicial de habeas
corpus
deve preencher os requisitos do art. 654, § 1º, do CPP:
Art.
654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em
seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.
§
1o A petição de habeas corpus conterá:
a)
o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou
coação e o de quem exercer a violência, coação ou ameaça;
b)
a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples
ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor;
c)
a assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não
souber ou não puder escrever, e a designação das respectivas
residências.
No silêncio da lei e
dada a necessidade de celeridade no julgamento do habeas corpus,
é pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido
de ser incabível a dilação probatória, devendo a inicial
ser instruída com todos os documentos necessários a comprovação
da violência ou ameaça de violência à liberdade de locomoção.
Entretanto, caso haja
dificuldade ou impossibilidade de acesso a determinado documento –
por exemplo, o próprio decreto de prisão - pelo impetrante
(situação bastante comum quando o impetrante é o paciente que está
preso), deve o julgador requisitar ao juízo o envio de cópia da
decisão atacada. Segundo Gaim Föppel e Rafeel Santana,
“Configura-se denegação de jurisdição o indeferimento de
ordem de habeas corpus sob o único argumento de que o impetrante não
apresentou prova da ilegalidade da coação ou ameaça, quando tal
prova consiste em documento em poder da autoridade impetrada, que
pode facilmente remetê-lo ao tribunal” (Ações
constitucionais. Habeas Corpus, Ed. Juspodivm 2006, p. 32-33).
Oferecida
a petição inicial, o juiz, se necessário, poderá ouvir o
paciente, determinando sua imediata apresentação, caso ele se
encontre preso (art. 656 do CPP), uma previsão legal que
infelizmente encontra-se em absoluto desuso. A praxe tem sido a
requisição de informações a autoridade apontada como coatora,
providência originalmente prevista apenas para habeas
corpus
julgado por tribunais (art. 662, CPP), mas que tem sido utilizada
também em primeira instância.
Caso
o impetrado se trate de autoridade pública, suas informações
prestadas têm presunção relativa de veracidade. Caso não sejam
prestadas as informações, o julgador deve tomar como verdadeiras as
alegações do impetrante, salvo se com os documentos contidos nos
autos puder concluir no sentido contrário.
Após
as informações, os autos devem ser remetidos ao Ministério
Público, o qual tem prazo de 2 dias para se manifestar. Mas essa
providência só é exigida pela lei para os habeas
corpus
de competência dos tribunais. Na primeira instância NÃO é
obrigatória a intimação do Ministério Público para manifestação,
embora seja necessária a intimação de qualquer decisão (liminar
ou sentença), concessiva ou denegatória, pois o Parquet possui
legitimidade e interesse recursal.
O
assistente de acusação não tem legitimidade para intervir em
processo de habeas
corpus,
mas o querelante tem legitimidade para intervir quando o habeas
corpus
é manejado contra a decisão que recebeu a sua queixa, conforme
entendimento do STF:
EMENTA:
Habeas Corpus. 2. Art. 299 do Código Eleitoral. Acordo entre
candidatos a vereador para que deixasse de concorrer ao mandato em
troca de nomeação para cargo de confiança. 3. Aditamento da
denúncia. Compra de votos. Alegação de cerceamento de defesa e
violação do contraditório. Pedido de reconhecimento de nulidade.
Improcedência. Recebido o aditamento, houve abertura de vista à
defesa pelo prazo de oito dias. 4. Pedido de assistência
litisconsorcial da acusação feito pelo suplente de vereador.
Inexistência de normas que tratem sobre a matéria. Jurisprudência
predominante no STF no sentido de que, salvo
no caso de querelante,
não há compatibilidade entre o rito do habeas corpus e os tipos de
intervenção de terceiro.
5. Pedido de extensão dos efeitos da decisão do Tribunal Superior
Eleitoral que determinou o arquivamento da ação penal contra o
outro envolvido no acordo por ausência de justa causa em face da
atipicidade da conduta. Situação processual idêntica. Deferimento.
6. Habeas corpus deferido, tão-somente, para estender ao paciente os
efeitos da decisão do TSE no HC no 43, Classe 23a, prosseguindo a
ação penal quanto aos demais crimes eleitorais. (STF, HC n.
83170/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, unânime, DJe
09/06/2006)
LIMINAR
A
lei não foi expressa a respeito do cabimento de liminar em habeas
corpus,
mas é interessante citar a fundamentação utilizada no primeiro
caso (leading case) de liminar em habeas
corpus
julgado pelo STF em 1964, citado por Ada Pellegrini Grtinover e
Antonio Magalhães Filho e Antonio Scarance Fernandes (Recursos no
Processo Penal, p. 371): “Se
no mandado de segurança pode o relator conceder a liminar até em
casos de interesses patrimoniais, não se compreenderia que, em casos
em que está em jogo a liberdade individual ou as liberdades
públicas, a liminar, no HC preventivo, não pudesse ser concedida”.
A
liminar não limita-se exclusivamente a ordem de soltura ou
salvo-conduto. As circunstâncias podem demandar outra providência
antecipatória, como, por exemplo, a suspensão do indiciamento em
inquérito policial enquanto se discute no habeas
corpus
a pretensão de trancamento do inquérito policial. Outro exemplo é
a liminar para suspensão de audiência de interrogatório até o
julgamento do writ.
Sobre
esse tema, o STF editou a Súmula n. 691, a qual dispõe que “Não
compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus
impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido
a tribunal superior, indefere a liminar”.
O fundamento dessa súmula diz respeito a natureza não definitiva da
decisão do relator, que não pode ser considerada de única ou
última instância, podendo ser revista pela turma a que o relator
está vinculado, sendo a impetração direta no STF violadora do
postulado da hierarquia e competência.
Porém,
o próprio STF flexibiliza essa súmula em caso de flagrante
ilegalidade:
EMENTA:
CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO
PREVENTIVA DECRETADA POR CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL.
LIMINAR INDEFERIDA PELO RELATOR, NO STJ. SÚMULA 691-STF. I. - Pedido
trazido à apreciação do Plenário, tendo em consideração a
existência da Súmula 691-STF. II. - Liminar indeferida pelo
Relator, no STJ. A
Súmula 691-STF, que não admite habeas corpus impetrado contra
decisão do Relator que, em HC requerido a Tribunal Superior,
indefere liminar, admite, entretanto, abrandamento: diante de
flagrante violação à liberdade de locomoção, não pode a Corte
Suprema, guardiã-maior da Constituição, guardiã-maior, portanto,
dos direitos e garantias constitucionais, quedar-se inerte.
III. - Precedente do STF: HC 85.185/SP, Ministro Cezar Peluso,
Plenário, 10.8.2005. Exame de precedentes da Súmula 691-STF. IV. -
Prisão preventiva decretada por conveniência da instrução
criminal. Conversa, pelo telefone, do paciente com outro co-réu,
conversa essa interceptada com autorização judicial. Compreende-se
no direito de defesa estabelecerem os co-réus estratégias de
defesa. No caso, não há falar em aliciamento e constrangimento de
testemunhas. Ademais, o co-réu já foi ouvido em Juízo. V. -
Paciente com residência no distrito da culpa, onde tem profissão
certa; não há notícia de que haja procrastinado a instrução ou o
julgamento, tendo se apresentado à prisão imediatamente após a
decretação desta. A prisão preventiva, principalmente a esta
altura, constitui ilegalidade flagrante. VI. - Liminar deferida.
(STF, HC 86864 MC / SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso,
unânime, DJ 12/10/2005)
SENTENÇA,
RECURSOS E COISA JULGADA.
No
que toca à sentença, a doutrina dominante tem sustentado ser
possível o exame de provas em sede de habeas
corpus,
até para que se verifique a presença ou não de justa causa para o
decreto prisional. Porém, o que não é possível em sede de habeas
corpus
é o exame aprofundado de provas, especialmente quando existem várias
provas produzidas em sentidos diversos, sendo necessário conferir
preponderância a uma prova em detrimento de outra.
Caso
concedida a ordem de habeas
corpus
liberatório, o paciente será posto em liberdade, salvo se por outro
motivo deva ser mantido na prisão (art. 660, § 1º, CPP).
Tratando-se de sentença concessiva de habeas corpus preventido, será
expedido o salvo-conduto em favor do paciente.
Se
a ordem foi concedida para anulação do processo, este será
renovado a partir do momento em que se verificou o vício (art. 652
CPP), salvo se já houver ocorrido a prescrição.
A
decisão favorável em habeas
corpus pode
ser estendida a outros interessados que se encontrem em situação
idêntica à do paciente beneficiado, aplicando por analogia o art.
580 do CPP.
A
decisão
concessiva ou denegatória
de habeas
corpus
em primeira instância, cabe o recurso
em sentido estrito
(art. 581, X, CPP).
Quando
se tratar de decisão
concessiva de primeira instância,
surtirá ela efeitos imediatamente, estando, porém, sujeita a
reexame
necessário
pelo tribunal (art. 574, I, CPP).
Das
decisões denegatórias de habeas corpus julgados originariamente por
tribunais superiores, cabe recurso ordinário para o STF. Se a
decisão for concessiva, não cabe recurso ordinário. Somente
recurso extraordinário, se houver violação à Constituição
Federal, tal como disposto no art. 102, III, da CF.
Das
decisões denegatórias de habeas corpus julgados originariamente
pelos TJs ou TRFs, cabe recurso ordinário para o STJ. Da decisão
concessiva da ordem não cabe recurso ordinário, somente recurso
especial, nos casos previstos no art. 105, III, da CF.
A
coisa julgada nas ações de habeas corpus não tem maiores
diferenças que nos processos em geral. Uma vez transitada em julgado
a sentença denegatória ou concessiva da ordem, a repropositura da
ação idêntica (mesmas partes, pedidos e causa de pedir) implicará
na sua extinção sem julgamento de mérito, sob pena de violação à
coisa julgada. Porém, caso alterada a causa de pedir, não há falar
em ação idêntica, podendo ser manejado o habeas corpus com o mesmo
pedido formulado anteriormente e com as mesmas partes. Lembre-se que
a causa de pedir é diversa tanto se analisado a nova fundamentação
jurídica quanto com fundamentação jurídica idêntica a anterior,
mas acompanhada de novas provas (quando o indeferimento anterior se
deu por falta de provas). Saliente-se, ainda, que o indeferimento de
habeas
corpus
não obsta a reapreciação da questão em sede de revisão criminal,
sob pena de violação ao princípio constitucional da ampla defesa.
JURISPRUDÊNCIA
RELEVANTE SOBRE HABEAS CORPUS
“HABEAS
CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO DE DROGAS. NEGATIVA
DE AUTORIA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONTEÚDO
FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA DA PENA.
CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. MAUS ANTECEDENTES. AUSÊNCIA
DE FLAGRANTE ILEGALIDADE.
1.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acompanhando a
orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, firmou-se
no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como
substituto de recurso ordinário, recurso especial ou de revisão
criminal ressalvando, entretanto, a possibilidade de concessão da
ordem de ofício nos casos de evidente constrangimento ilegal.
2.
Não
se mostra possível o exame do pedido de absolvição por
insuficiência de provas, por se tratar de matéria cujo exame
extrapola os limites estreitos do habeas corpus, notadamente por
demandar o revolvimento de todos elementos de cognição produzidos
no curso do processo de conhecimento.
3.
De outro lado, a pena-base foi corretamente estabelecida acima do
mínimo legal, pois o paciente apresenta diversas condenações
definitivas com trânsito em julgado, ostentando maus antecedentes
criminais, a justificar elevação em 1/6 na primeira etapa da
dosimetria.
- Habeas corpus não conhecido.” (STJ, HC 221081 / SP, 5ª Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 17/10/2014)
“DIREITO
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. RHC QUE CONSISTA EM MERA
REITERAÇÃO DE HC.
A
análise pelo STJ do mérito de habeas corpus com o objetivo de
avaliar eventual possibilidade de concessão da ordem de ofício,
ainda que este tenha sido considerado incabível por inadequação da
via eleita, impede a posterior apreciação de recurso ordinário em
habeas corpus que também esteja tramitando no Tribunal, e que
consista em mera reiteração do mandamus já impetrado (com
identidade de partes, objeto e causa de pedir).
Isso
porque, nessa hipótese, estaria configurada a litispendência,
instituto que visa precipuamente à economia processual e ao
propósito de evitar a ocorrência de decisões contraditórias.
Vale ressaltar que, de um lado, não se veda à defesa do paciente a
impetração de mandamus incabível, na busca da sorte da concessão
de ordem de habeas corpus de ofício. De outro lado, porém, caso o
habeas corpus seja analisado, pode-se ter de arcar com o ônus de o
recurso ordinário também impetrado não ter seu pedido de mérito
apreciado pelo Tribunal, embora se trate da correta via de
impugnação. Nesse contexto, deve-se ter em conta que o acesso ao
Judiciário não pode acontecer de forma indiscriminada e deve ser
conduzido com ética e lealdade, sendo consectário do princípio da
lealdade processual a impossibilidade de a defesa pleitear pretensões
descabidas, inoportunas, tardias ou já decididas, que contribuam com
o abarrotamento dos tribunais. RHC 37.895-RS, 5ª Turma, Rel. Min.
Laurita Vaz, julgado em 27/3/2014. (Informativo n. 539 do STJ).
“DIREITO
CONSTITUCIONAL. CABIMENTO DE HABEAS CORPUS EM AÇÃO DE INTERDIÇÃO.
É
cabível a impetração de habeas corpus para reparar suposto
constrangimento ilegal à liberdade de locomoção decorrente de
decisão proferida por juízo cível que tenha determinado, no âmbito
de ação de interdição, internação compulsória.
De fato, a jurisprudência do STJ entende que o habeas corpus não
constitui via processual idônea para a impugnação de decisão
proferida por juízo cível competente para a apreciação de
matérias relativas a Direito de Família (HC 206.715-SP, Quarta
Turma, DJe 1/2/2012; e HC 143.640-SP, Terceira Turma, DJe
12/11/2009). Todavia, a hipótese de determinação de internação
compulsória, embora em decisão proferida por juízo cível,
apresenta-se capaz, ao menos em tese, de configurar constrangimento
ilegal à liberdade de locomoção, justificando, assim, o cabimento
do remédio constitucional, nos termos do art. 5º, LXVIII, da CF,
segundo o qual o habeas corpus será concedido "sempre que
alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação
em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".
HC 135.271-SP, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em
17/12/2013.” (Informativo n. 533 do STJ)
“DIREITO
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CABIMENTO DE HABEAS CORPUS
SUBSTITUTIVO DE AGRAVO EM EXECUÇÃO.
Não
é cabível a impetração de habeas corpus em substituição à
utilização de agravo em execução na hipótese em que não há
ilegalidade manifesta relativa a matéria de direito cuja constatação
seja evidente e independa de qualquer análise probatória.
É imperiosa a necessidade de racionalização do habeas corpus, a
bem de prestigiar a lógica do sistema recursal, devendo ser
observada sua função constitucional, de sanar ilegalidade ou abuso
de poder que resulte em coação ou ameaça à liberdade de
locomoção. Sendo assim, as hipóteses de cabimento do writ são
restritas, não se admitindo que o remédio constitucional seja
utilizado em substituição a recursos ordinários ou de índole
extraordinária, tampouco como sucedâneo de revisão criminal. Nesse
sentido, o STF, sensível a essa problemática, já tem pronunciado
também a inadequação de impetrações manejadas em substituição
ao recurso próprio. Para o enfrentamento de teses jurídicas na via
restrita do habeas corpus, é imprescindível que haja ilegalidade
manifesta relativa a matéria de direito cuja constatação seja
evidente e independa de qualquer análise probatória. Precedentes
citados do STF: HC 109.956-PR, DJe 11/9/2012; e HC 104.045-RJ, DJe
6/9/2012. HC 238.422-BA, 6ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, julgado em 6/12/2012. (Informativo n. 513 do STJ)
“NULIDADE.
JÚRI. AUSÊNCIA DE DEFESA.
In
casu, o paciente foi condenado à pena de 14 anos de reclusão, como
incurso no art. 121, § 2º, I e IV, do CP. Sustenta-se a nulidade do
processo por ausência de defesa técnica efetiva, pois o patrono do
paciente, na sessão plenária do júri, teria utilizado apenas
quatro minutos para proferir sua sustentação oral. Invoca a
aplicação da Súm. n. 523/STF, asseverando que, após a sustentação
proferida, deveria ter a magistrada declarado o réu indefeso,
dissolvendo o conselho de sentença e preservando, assim, o princípio
do devido processo legal. O
Min. Relator observou que a matéria objeto da impetração não foi
suscitada e debatida previamente pelo tribunal a quo, razão pela
qual o habeas corpus não deve ser conhecido, sob pena de supressão
de instância. Contudo,
entendeu a existência de ilegalidade flagrante, visto que emerge dos
autos que a atuação do defensor do paciente, na sessão de
julgamento do tribunal do júri, não caracterizou a insuficiência
de defesa, mas a sua ausência. Como se verificou, o defensor dativo
utilizou apenas quatro minutos para fazer toda a defesa do paciente.
É certo que a lei processual penal não estipula um tempo mínimo
que deve ser utilizado pela defesa quando do julgamento do júri.
Contudo, não se consegue ver razoabilidade no prazo utilizado no
caso concreto, por mais sintética que tenha sido a linha de
raciocínio utilizado.
O art. 5º, XXXVIII, da CF assegura a plenitude de defesa nos
julgamentos realizados pelo tribunal do júri. Na mesma linha, o art.
497, V, do CPP estatui ser atribuição do juiz presidente do
tribunal do júri nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo
indefeso, podendo, neste caso dissolver o conselho e designar novo
dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo
defensor. Cabia,
portanto, a intervenção do juiz presidente, a fim de garantir o
cumprimento da norma constitucional que garante aos acusados a
plenitude de defesa, impondo-se que esta tenha caráter material, não
apenas formal.
Diante dessa e de outras considerações, a
Turma concedeu a ordem de ofício, para anular o processo desde o
julgamento pelo tribunal do júri e determinar outro seja realizado e
ainda o direito de responder ao processo em liberdade, até decisão
final transitada em julgado, salvo a superveniência de fatos novos e
concretos que justifiquem a decretação de nova custódia.
HC 234.758-SP, 5ª Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado
em 19/6/2012. (Informativo n. 500 do STJ
“EXCESSO.
PRAZO. INSTRUÇÃO CRIMINAL. RÉU PRESO.
No
caso, o ora paciente foi denunciado pela suposta prática dos crimes
de homicídio e quadrilha ou bando armado. Foi preso temporariamente
em 24/5/2005 e a prisão foi convertida em preventiva em 18/7/2005.
Posteriormente, foi pronunciado como incurso nos crimes do art. 121,
§ 2º, I, IV e V, c/c 29 e 288, parágrafo único, do CP. Assim,
permanece
o paciente preso há mais de quatro anos e 10 meses sem que tenha
sido submetido ao Tribunal do Júri, o que conduz à violação do
devido processo legal.
A
demora injustificável para a prestação jurisdicional, quando
encerrada a instrução criminal, permanecendo o réu preso
preventivamente, constitui constrangimento ilegal.
Logo, a Turma
conheceu em parte da ordem de habeas corpus e, nessa extensão,
concedeu-a para que seja desconstituído o decreto de prisão
cautelar, determinando a expedição do alvará de soltura, caso o
paciente não esteja preso por outro motivo, devendo ele assumir o
compromisso de comparecer a todos os atos do processo, não se
ausentar do distrito da culpa sem autorização judicial e manter o
juízo informado de seu endereço residencial e do trabalho.
Precedente citado do STF: HC 85.237-DF, DJ 29/4/2005. HC 117.466-SP,
5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 23/3/2010.
(Informativo n. 428 do STJ)
EXCESSO.
PRAZO. RECAMBIAMENTO. RÉU.
O
paciente, acusado de homicídio qualificado, encontra-se preso há
mais de cinco anos em outra Comarca.
A
defesa busca o reconhecimento de excesso de prazo na formação da
culpa e a concessão de liberdade ao acusado.
O Juízo singular informou que a instrução está concluída,
faltando apenas a devolução de carta precatória para que fosse o
feito incluído em pauta e recambiado o réu. Em
consulta ao sítio do Tribunal pernambucano, constatou-se que o feito
aguarda expedição de ofício desde agosto de 2008, para cumprimento
de despacho datado no ano anterior.
Assim,
há quase três anos, foi prolatada a sentença de pronúncia
(29/8/2006), sem que houvesse interposição de recursos e, até o
momento, o réu não foi submetido a julgamento pelo júri e nem
recambiado, o que fere o princípio da razoável duração do
processo.
Diante do exposto, a
Turma concedeu a ordem de habeas corpus para relaxar a prisão devido
ao excesso de prazo, devendo o paciente assinar termo de compromisso
de comparecimento a todos os atos do processo sob pena de revogação.
Precedentes citados: HC 119.756-ES, DJe 2/2/2009, e HC 112.717-SP,
DJe 19/12/2008. HC 100.679-PE, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes,
julgado em 14/4/2009. (Informativo n. 390 do STJ)
PRISÃO.
FLAGRANTE. EXAME TOXICOLÓGICO.
O
ora paciente foi preso em flagrante em 6/1/2007. A denúncia foi
recebida em 7/3, e a instrução encerrou-se em 17/4 desse mesmo ano,
data em que o
juiz, a pedido da defesa, deferiu a instauração de incidente de
dependência toxicológica e o exame pericial ainda não ocorreu.
A
Turma entendeu haver, nesse caso, evidente constrangimento ilegal por
excesso de prazo, isso porque o paciente encontra-se preso há mais
de um ano e três meses sem que haja perspectiva de quando ocorrerá
o exame de dependência toxicológica ordenado.
Constatou-se
que essa injustificada demora só pode ser atribuída à ineficiência
do Estado,
tendo em vista que, por duas vezes, deixou de conduzir o paciente ao
local onde se realizaria a perícia por exclusiva falha dos seus
agentes. Ademais não se verificou qualquer intervenção da defesa
tendente a retardar o processo. Assim,
concedeu-se a ordem de habeas corpus.
Precedente citado: HC 42.241-RJ, DJ 19/12/2005. HC 95.698-SP, 5ª
Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 22/4/2008. (Informativo n.
353 do STJ)
“A
2ª Turma denegou ordem em “habeas corpus” no qual cidadão
americano pretendia salvo-conduto para reingressar no Brasil e nele
transitar, não obstante decreto presidencial, de 30.10.1978, que o
expulsara do País.
A defesa sustentava que, cessado o regime militar — com a abertura
política e o advento de novo regime constitucional —, buscara
informações e autoridades diplomáticas noticiaram não haver
qualquer impedimento para a entrada do súdito estrangeiro no Brasil.
Em 2011, o paciente fora impedido de entrar no País, embora portador
de visto consular, sob alegação de haver, no sítio da polícia
federal, notícia sobre o decreto de sua expulsão. Aduzia, em
consequência, estar caracterizado constrangimento ilegal na sua
liberdade de ir e vir. A Ministra Cármen Lúcia (relatora) consignou
que, apesar de haver solicitado, não recebera, por parte do
Ministério da Justiça, cópia do inquérito sumário do paciente. A
relatora destacou que a Advocacia-Geral da União informara que o
processo de expulsão obedecera às normas previstas no Decreto
66.689/1970 e que o estrangeiro não apresentara defesa capaz de
desfazer o conceito de pessoa nociva e perigosa a ele imputado. Tendo
em conta esses fatos, a
Turma asseverou que, diante da fé pública das informações
prestadas, não estaria comprovada qualquer ilegalidade no ato
expulsório.”
STF, HC 119773/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 30.9.2014. (HC-119773)
(Informativo n. 761 do STF).
“A
2ª Turma concedeu “habeas corpus” para restabelecer sentença de
primeiro grau, na parte em que reconhecera a aplicação do princípio
da insignificância e absolvera o ora paciente da imputação de
furto (CP, art. 155).
Na
espécie, ele fora condenado pela subtração de um engradado com 23
garrafas de cerveja e seis de refrigerante — todos vazios,
avaliados em R$ 16,00
—, haja vista que o tribunal de justiça local afastara a
incidência do princípio da bagatela em virtude de anterior
condenação, com trânsito em julgado, pela prática de lesão
corporal (CP, art. 129). A Turma, de início, reafirmou a
jurisprudência do STF na matéria para consignar que a averiguação
do princípio da insignificância dependeria de um juízo de
tipicidade conglobante. Considerou,
então, que seria inegável a presença, no caso, dos requisitos para
aplicação do referido postulado: mínima ofensividade da conduta;
ausência de periculosidade social da ação; reduzida
reprovabilidade do comportamento; e inexpressividade da lesão
jurídica.
Afirmou, ademais, que, considerada a teoria da reiteração não
cumulativa de condutas de gêneros distintos, a contumácia de
infrações penais que não têm o patrimônio como bem jurídico
tutelado pela norma penal (a exemplo da lesão corporal) não poderia
ser valorada como fator impeditivo à aplicação do princípio da
insignificância, porque ausente a séria lesão à propriedade
alheia. HC 114723/MG, rel. Min. Teori Zavascki, 26.8.2014.
(HC-114723) (Informativo n. 756 do STF)
A
2ª Turma não conheceu de recurso ordinário em “habeas corpus”,
mas concedeu, de ofício, a ordem em razão da utilização, em
instâncias diversas, das mesmas circunstâncias para agravar a
sanção penal tanto na primeira, quanto na terceira fase da
dosimetria da pena.
No caso, devido à natureza e à quantidade de entorpecentes, o
recorrente fora condenado pela prática do delito previsto no art. 33
da Lei 11.343/2006, à pena de sete anos de reclusão, a ser cumprida
em regime inicial fechado. No
julgamento da apelação, o tribunal, tendo em conta a natureza e a
quantidade da droga, aplicara, no percentual mínimo, a causa de
diminuição disposta no §4º do art. 33, da Lei 11.343/2006.
A
Turma consignou que estaria evidenciado o “bis in idem”.
Explicou que, tanto
no afastamento da pena-base do mínimo legal — pelo juízo de 1º
grau —, como na fixação da causa de diminuição da pena em um
sexto — pelo tribunal —, teria havido a utilização dos mesmos
critérios, quais sejam, da natureza e da quantidade dos
entorpecentes.
Relembrou que o STF, ao analisar o art. 42 da Lei 11.343/2006,
dirimira divergência jurisprudencial entre a 1ª e a 2ª Turma e
firmara o entendimento de a
natureza e a quantidade do entorpecente poderem ser utilizadas na
primeira ou na terceira fase da dosimetria penal. Asseverou que,
utilizado o critério da natureza e da quantidade dos entorpecentes
para elevar a pena-base, deveria a causa de diminuição do § 4º do
art. 33 da Lei 11.343/2006 ser fixada no patamar de dois terços,
porque não haveria qualquer outro fundamento fixado pelas instâncias
antecedentes para impedir sua aplicação em grau máximo.
Ressaltou o reconhecimento da inconstitucionalidade dos dispositivos
que vedavam a substituição da pena em caso de condenação pelo
crime de tráfico de entorpecentes (Lei 11.343/2006, artigos 33, §
4º, e 44, caput) e da norma que impunha regime fechado para o início
do cumprimento da pena pela prática de crimes hediondos e
equiparados (Lei 8.072/1990, art. 2º, § 1º). Concluiu, assim, que
tornar-se-ia necessário o reexame da possibilidade de substituição
da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e dos
requisitos para fixação do regime prisional. RHC 122684/MG, rel.
Min. Cármen Lúcia, 16.9.2014. (RHC-122684) (Informativo n. 759 do
STF)
“Ofende
o princípio da não-culpabilidade a determinação de execução
imediata de pena privativa de liberdade imposta, quando ainda
pendente de julgamento recurso extraordinário admitido na origem.
Com
base nessa orientação, a 2ª Turma concedeu “habeas corpus”
para anular acórdão do STJ no ponto em que, em sede de recurso
especial, determinara a baixa dos autos para a imediata execução de
sentença condenatória prolatada na origem em desfavor do ora
paciente.
Na espécie, a Corte de origem (TRF) admitira recurso extraordinário
unicamente no que diz com a suposta ofensa ao art. 93, IX, da CF.
Ocorre que, com a superveniência da decisão proferida pelo STF nos
autos do AI 791.292 QO-RG/PE (DJe de 13.8.2010), firmara-se o
entendimento de que o art. 93, IX, da CF exige que o acórdão ou a
decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar,
contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas,
nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. O juízo de 1º
grau, então, com base nessa decisão do STF, julgara prejudicado o
recurso extraordinário interposto, e dera cumprimento à ordem de
execução imediata de pena procedida pelo STJ. A
Turma entendeu que a decisão proferida pelo juiz de origem, que
julgara prejudicado recurso extraordinário já admitido pelo TRF,
revestir-se-ia de flagrante nulidade, uma vez que teria usurpado a
competência do STF.
Consignou
que, com o juízo positivo de admissibilidade do recurso
extraordinário, que teria sido concretizado na decisão proferida
pela Corte regional, instaurara-se a jurisdição do STF, de modo que
não competiria ao juízo de 1º grau a análise da prejudicialidade
do recurso.
HC 122592/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12.8.2014. (HC-122592)
(Informativo n. 754 do STF)
“O
“habeas corpus” não é o instrumento processual adequado a
postular o direito de exercer a autodefesa técnica, uma vez que não
está em jogo a liberdade de locomoção do paciente. Com
base nessa orientação, a 2ª Turma não conheceu de “writ”
impetrado, em causa própria, por advogado preso que pretendia atuar
isoladamente em sua defesa no curso de processo penal. HC 122382/SP,
rel. Min. Cármen Lúcia, 5.8.2014. (HC-122382) (Informativo n. 753
do STF).
Ao
reafirmar
o Enunciado 606 da Súmula do STF (“Não cabe ‘habeas corpus’
originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma ou do
Plenário, proferida em ‘habeas corpus’ ou no respectivo
recurso”),
o Plenário, por maioria, não conheceu de “writ”, impetrado
contra decisão colegiada da 2ª Turma, em que se discutia suposta
nulidade decorrente de ausência de publicação da pauta para o
julgamento de “habeas corpus”.
O Ministro Roberto Barroso destacou a possibilidade de, em situações
teratológicas, superar o referido enunciado sumular. Porém,
entendia não ser o caso dos autos. Vencidos
os Ministros Marco Aurélio (relator) e Ricardo Lewandowski, que
conheciam da impetração, mas denegavam a ordem.
Sustentavam que a adequação do “habeas corpus” pressuporia
apenas que se apontasse na inicial um ato de constrangimento, que
alcançasse a liberdade de ir e vir do cidadão, e um órgão capaz
de apreciar o ato praticado. Apontavam ocorrer essa situação na
hipótese de decisão de órgão fracionário do Tribunal, diante da
possibilidade de o Plenário analisá-la. No mérito, destacavam que
os artigos 83, § 1º, e 131, § 2º, do RISTF, dispensariam a
publicação da pauta. HC 117091/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio,
red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 22.5.2014. HC 117091
(HC-117091) (Informativo n. 747 do STF).
“A
1ª Turma, por maioria, declarou extinto “habeas corpus” pela
inadequação da via processual, mas concedeu a ordem de ofício para
trancar ação penal ante a atipicidade da conduta imputada ao
paciente (CP, art. 334, “caput”).
A Ministra Rosa Weber (relatora), observou que, em se tratando de
crime de descaminho, a jurisprudência da Turma seria firme no
sentido de reconhecer a atipicidade da conduta se, além de o valor
elidido ser inferior àquele estabelecido pelo art. 20 da Lei
10.522/2002, atualizado por portaria do Ministério da Fazenda, não
houvesse reiteração criminosa ou, ainda, introdução de mercadoria
proibida em território nacional. O Ministro Roberto Barroso, embora
acompanhasse a relatora, ressaltou a existência de julgados da Turma
afastando, no tocante ao patrimônio privado, a aplicação do
princípio da bagatela quando a “res” alcançasse o valor de
R$500,00. Assim, não seria coerente decidir-se em sentido contrário
quando se buscasse proteger a coisa pública em valores de até
R$20.000,00. Ademais, aduziu
que, ao se adotar o entendimento de que o princípio da
insignificância acarretaria a atipicidade da conduta, o cometimento
anterior de delitos similares não se mostraria apto para afastar o
aludido princípio, uma vez que a atipicidade da conduta não poderia
gerar reincidência.
Vencido o Ministro Marco Aurélio, que conhecia do “writ”, porém
negava a ordem por vislumbrar que o objeto jurídico protegido pelo
art. 334 do CP seria a Administração Pública e não apenas o
erário. Considerava, ainda, que as esferas cível e penal seriam
independentes e que adotar portaria do Ministério da Fazenda como
parâmetro para se aferir eventual cometimento do delito seria
permitir que o Ministro da Fazenda legislasse sobre direito penal. HC
121717/PR, rel. Min. Rosa Weber, 3.6.2014. (HC-121717) (Informativo
n. 749 do STF)
“A
2ª Turma, por maioria, não conheceu de recurso ordinário em
“habeas corpus” subscrito por advogado com inscrição suspensa
na OAB. Prevaleceu o voto do Ministro Ricardo Lewandowski (relator).
Destacou jurisprudência da Corte no sentido de que, ainda que o
mesmo causídico tivesse interposto originariamente o “habeas
corpus”, a suspensão obstaria o conhecimento do recurso
subsequente, tendo em conta infração direta ao art. 4º, parágrafo
único, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - EOAB. Frisou
que o
recurso
ordinário em “habeas corpus”
seria instrumento processual que exigiria capacidade postulatória.
Rememorou
que a defesa técnica seria um direito fundamental do cidadão. No
que se refere à questão de fundo, não vislumbrou a existência de
teratologia que justificasse a concessão da ordem de ofício. O
Ministro Teori Zavascki acompanhou essa orientação tendo em conta a
situação concreta. Vencido, em parte, o Ministro Gilmar Mendes,
que, à luz das particularidades do caso concreto, não reconhecia a
legitimação extraordinária para o recurso em “habeas corpus”,
mas determinava a devolução do prazo para que fosse, eventualmente,
interposto o recurso cabível.” RHC 121722/MG, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 20.5.2014. (RHC-121722) (Informativo n. 747 do STF)
“Em
conclusão de julgamento, a
2ª Turma, por maioria, concedeu “habeas corpus”
a
condenado pela prática de tráfico de drogas para afastar a
majorante contida no art. 40, III, da Lei 11.343/2006
(“Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são
aumentadas de um sexto a dois terços, se: ... III - a infração
tiver sido cometida nas dependências ou imediações de
estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de
entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou
beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se
realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços
de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de
unidades militares ou policiais ou em transportes públicos”). No
caso, o paciente fora flagrado em transporte coletivo transnacional,
trazendo consigo considerável quantidade de substância
entorpecente. Prevaleceu o voto do Ministro Ricardo Lewandowski.
Destacou
que a jurisprudência das Turmas seria no sentido de que a aplicação
daquela causa especial de aumento de pena teria como objetivo punir
com mais rigor a comercialização de drogas em locais nos quais se
verificasse uma maior aglomeração de pessoas, de modo que se
tornasse mais fácil a disseminação da mercancia. Assim, não seria
suficiente a mera utilização do transporte público para o
carregamento do entorpecente. Vencida a Ministra Cármen Lúcia
(relatora), que indeferia a ordem.
HC 120624/MS, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão,
Min. Ricardo Lewandowski, 3.6.2014. (HC-120624) (Informativo n. 749
do STF)
Referências bibliográficas:
História e prática do habeas corpus. Atualização de Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 1999.
Ações Constitucionais: Habeas Corpus, Gamil Föppel e Rafeel Santana. Ed. Juspodivm 2006.
Curso de Processo Penal. Eugênio Pacelli de Oliveira, 4ª Edição, p. 706)
Curso de Processo Penal. Eugênio Pacelli de Oliveira, 4ª Edição, p. 706)
Curso de Processo Penal. Fernando Capez 19ª Ed. Saraiva 2012.
Recursos no Processo Penal. Ada Pellegrini Grtinover e Antonio Magalhães Filho e Antonio Scarance Fernandes. 7ª Edição Ed. RT. 2011.
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