quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Peças Relevantes - Ação Civil Pública DPU - Soldados da borracha





EXCELENTISSÍMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA ___ VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO PARÁ

PRIORIDADE – IDOSOS

E confesso que, talvez, a história das migrações humanas, nas suas crônicas, jamais tenha registrado um drama de igual proporção, somente comparável com o dos judeus no seu êxodo, diáspora e perseguição milenária; com o dos povos africanos, a bordo dos navios negreiros e na escravidão das senzalas; e o das tribos indígenas, expulsas de suas terras, após a destruição de suas culturas1.”


A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO e a DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PARÁ, atuando em prol dos SOLDADOS DA BORRACHA, no uso de suas atribuições, com esteio no artigo 134, caput, da Constituição, com redação dada pela Emenda Constitucional n.º 80/2014, no art. 4º, inciso VII, da Lei Complementar n.º 80/1994, com redação dada pela Lei Complementar n.º 132/2009, e no art. 5º, II, da Lei n.º 7.347/1985, com redação dada pela Lei n.º 11.448/2007, vêm à presença de Vossa Excelência propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR

em face da UNIÃO, pessoa jurídica de Direito Público Interno, situada no endereço profissional Boulevard Castilhos França, 708, Campina, Belém, Pará, CEP 66010-020, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:
1 DOS FATOS

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Entre 1939 e 1945, a humanidade testemunhou a Segunda Guerra Mundial. O sangrento conflito teve abrangência global, sendo polarizado por duas alianças militares opostas: os Aliados, formados notadamente pela Inglaterra, União Soviética e Estados Unidos da América e o Eixo, constituído, sobretudo, pelo Reich Alemão, Reino da Itália e o Império do Japão.
Enquanto a Alemanha e a Itália lançaram sua política expansionista em regiões da Europa e Norte da África, o império japonês expandiu seus tentáculos territoriais sobre vastas porções da Ásia, dominando a quase totalidade das regiões produtoras de Borracha no Pacífico.2
Diante desse fato, os Aliados viram-se sem fontes da matéria-prima da borracha, a qual era uma dos mais importantes materiais empregados na indústria bélica. De fato, o esforço de guerra, por si só, consumia rapidamente os estoques de matérias-primas estratégicas, sendo certo, que por conta do bloqueio japonês, a escassez da borracha assumiu ares de desespero, a ponto de por em cheque a vitória sobre o Eixo.
A fim de evitar seu colapso civil e militar, o Governo dos Estados Unidos passou a buscar saídas estratégicas para contornar a escassez de matérias-primas.
Atento para essa realidade, o então Ditador Getúlio Vargas lançou as atenções ianques para o imenso reservatório natural de borracha da região amazônica. A conduta do Governo Brasileiro objetivava não só evitar o colapso dos Aliados, mas garantir o monopólio do Brasil no fornecimento da produção do látex e obter outras vantagens econômicas com a aproximação política e militar com os Aliados.
Assim, a diplomacia brasileira e a norte-americana iniciaram intensas e regulares negociações, que resultaram na celebração dos acordos de Washington.
Em relação à borracha, estabeleceu-se que o governo norte-americano investiria maciçamente no financiamento de sua produção na Amazônia e, como contrapartida, o Poder Executivo federal arregimentaria pessoas para trabalhar nos seringais.
Surge, então, a saga dos soldados da borracha: trabalhadores recrutados, em especial no Nordeste, pelo aparato repressor do Estado Novo para trabalhar, como seringueiros, na região amazônica a fim de suprir as necessidades de borracha da máquina de guerra dos Aliados, bem como os nativos daquela região, os quais, atendendo a apelo do Governo brasileiro, contribuíram para esse esforço de guerra.
Infelizmente, o desfecho dessa história revela um dos mais graves episódios de violação a direitos humanos ocorridos em território nacional, por conta de condutas comissivas e omissivas, perpetradas por agentes públicos federais, em pleno regime ditatorial do Estado Novo.
Vítimas do recrutamento ardiloso, de condições de trabalho desumanas e de total abandono moral e material por várias décadas, os soldados da borracha sobreviventes e seus sucessores requerem, por meio desta ação, tutela jurídica capaz de recompor os direitos lesados, o que fazem nos termos da Constituição Federal de 1988 e dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário.


1.2 OS SOLDADOS DA BORRACHA DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

1.2.1 Recrutamento e falsas promessas
Objetivando cumprir com o que fora acordado com os EUA nos famosos acordos de Washington, o governo federal brasileiro, então estruturado como uma ditadura em moldes fascistas, iniciou o recrutamento de um grande número de brasileiros, em sua maioria, residentes na Região Nordeste.
Para tanto, foi instituída pelo Decreto-Lei n.º 5.813, de 14 de setembro de 1943, a Comissão Administrativa do Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia - CAETA, que transmitiu ao Exército Brasileiro o ônus de alistar os voluntários à exploração da Borracha.
A fim de garantir o sucesso da empreitada, outro órgão, o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia - SEMTA, criou um departamento de propaganda, com o objetivo de persuadir, sobretudo, a mão-de-obra masculina para se deslocar aos seringais amazônicos. Este serviço convocou padres, médicos e professores para o recrutamento de todos os homens aptos ao grande projeto que precisava ser empreendido nas florestas amazônicas.
Descrevendo a Amazônia como oásis de fartura e prosperidade, as atividades de propaganda do SEMTA foram exitosas, uma vez que atraíram para o recrutamento milhares de nordestinos abalados pelas frequentes secas e miséria dos sertões. Assim, um grande número de sertanejos se dispôs a ser enviado aos seringais amazônicos, para auxiliar os Aliados na luta contra o Eixo.
Infelizmente, por trás das falsas promessas de vida nova, havia um contrato de trabalho em condições análogas à de escravos e um ambiente permeado por doenças tropicais e animais hostis.
Até artistas foram contratados para produzir material de divulgação para persuadir os nordestinos. Trabalhando no departamento de propaganda do SEMTA, o artista plástico suíço Jean-Pierre Chabloz (1919-1984) dedicou-se à criação de estudos, cartazes, folhetos, logomarcas, ilustrações para conferências e a “Cartilha do Soldado da Borracha” que tinham como único objetivo o de convencer a transferência de um grande contingente de trabalhadores para a Amazônia.
A seguir, seguem ilustrações da época mostrando o empenho do Governo Federal em seduzir os trabalhadores do Nordeste para o “inferno verde”:











Segundo pesquisas históricas, os nordestinos, além de todas as agruras pelas quais passavam, sofriam discriminação em razão do tipo corporal considerado inferior. Por isso, eram submetidos a sessões diárias de ginástica para o melhoramento do vigor físico e construção da disciplina e ideologia militares.
O recruta, após ser adestrado e submetido ao treinamento militar, era embarcado na cidade de Fortaleza em “modernos navios negreiros”, levando consigo uma calça de mescla azul, blusa de morim branco, um chapéu de palha, um par de alparcatas de rabicho, uma caneca, um prato fundo, um talher (garfo e colher juntos), uma rede e um saco de estopa no lugar da mala e como presente do caridoso presidente Getúlio Vargas uma carteira de cigarros Colomy.
Amontoados como animais de carga, muitas das vezes sofrendo fome e humilhações, os soldados da borracha partiam rumo ao “inferno verde”. No meio do caminho, muitos adoeciam e também descobriam do perigo do navio ir a pique no meio do mar, caso algum dos submarino alemão o interceptasse e torpedeasse.

1.2.2 Relações de trabalho análogas à escravidão

Quando chegavam aos seringais depois de uma longa viagem, de aproximadamente 15 a 60 dias, os soldados da borracha eram entregues ao seringalista com quem assinavam um contrato de trabalho padrão, disciplinando as relações de trabalho. O soldado comprometia-se a vender, com exclusividade, o produto (seringa) ao patrão, mas o preço do látex não correspondia ao esforço desempenhado.
Na realidade, os trabalhadores eram reduzidos à condição análoga de escravos, sendo proibidos de realizar culturas de subsistência nas terras do seringalista, para, assim, se vincularem obrigatoriamente ao barracão e ao seu respectivo patrão, de quem compravam os gêneros alimentícios.
Segundo o doutrinador Arthur Reis, os preços das mercadorias eram exorbitantes, razão por que o soldado da borracha encontrava um mecanismo estrutural que o prendia definitivamente ao seringal pela extração do látex. Diz o referido autor:

O seringueiro era uma espécie de assalariado de um sistema absurdo. Era aparentemente livre, mas a estrutura concentracionária do seringal o levava a se tornar um escravo econômico do patrão. Com dívida que crescia rapidamente, porque tudo o que se recebia no seringal era anotado na sua conta corrente e cobrado: mantimentos, ferramentas, tigelas, roupas, armas, munição, remédios, etc. (...) E não adiantava argumentar que o valor cobrado pelas mercadorias era cinco, ou mais vezes maior do que aquele praticado na cidade.”3

Essa descrição também foi relatada pela Revista Época,4na série de reportagens, datada do ano de 2002, que denunciou o abandono sofrido pelos soldados da borracha sobreviventes. Vejamos:

O soldado da borracha já chegava endividado no seringal. O seringalista anotava cada centavo que gastava com o trabalhador: comida, roupa, arma, material de trabalho e remédio. O preço das mercadorias no barracão do patrão era pelo menos o dobro praticado nas cidades. O pagamento era feito com a produção da borracha- que, essa sim, tinha a cotação lá embaixo.”

Em síntese, o trabalhador estava sempre endividado com o patrão, o qual lhe tomava a borracha a um preço baixo e vendia os mantimentos, instrumentos de trabalhos, e demais insumos a preços altos, estabelecendo a obrigatoriedade deste comércio desleal. O trabalhador não podia abandonar o seringal até pagar sua dívida, que nunca conseguia saldar porque o patrão se encarregava de que assim o fosse.
Quanto à jornada de trabalho, os soldados iniciavam seus trabalhos muito cedo. Ainda na madrugada, às quatro horas da manhã, saiam de suas taperas para cortar e colocar as tigelas que serviam como depósito do látex extraído nas árvores espalhadas no caminho de estradas abertas por elas próprias para o desempenho da atividade de extração vegetal.
No interior do seringal, os imigrantes trabalhadores, além de sofrer explorações, sofriam total restrição em sua liberdade de manifestação e expressão, já que não havia condições nem espaço para demonstração de insatisfação. Qualquer soldado da borracha que deixasse transparecer insatisfação, ou até mesmo buscasse desistir do trabalho, era reprimido e, muita das vezes, sofria duras punições por parte dos patrões seringalistas. Os soldados da borracha descobriam, no seringal, que a palavra do patrão era a lei.
Era, ainda, proibido o seringueiro abandonar o serviço ou passar para outro seringal pertencente a outro seringalista sem que houvesse a liquidação das contas e obrigações contratuais. Relatos da antropóloga Lucia Arrais Morales5 destacam:

Os seringalistas também aplicava recursos (...) havia riscos no seu investimento. Além de juros pelo capital empatado, ele tinha que contar com a possibilidade de doença, morte ou fuga do seringueiro. Em qualquer uma destas situações, perderia dinheiro. Portanto, ele tomava providências para zelar por seu investimento. Havia força armada localizada em pontos estratégicos do seringal garantindo a permanência da mão-de-obra e, consequentemente um nível de produtividade que auferisse bons lucros. Tentativas de fuga ou apenas o desejo de saldar a dívida e sair do seringal eram tratadas com severas punições. Ao falarem sobre o que ouviram dessa época, os soldados da borracha relataram a presença da instituição do tronco onde o seringueiro era amarrado durante dias, açoitado e deixado a mercê do ataque de insetos e animais.”

Por fim, todas as soluções dos conflitos ocorridos entre os contratantes deveriam ser dirimidos junto a Justiça do Trabalho. Tratava-se, evidentemente, de uma solução puramente simbólica, pois esse ramo do Poder Judiciário era incipiente na época.
Vê-se, pois, que os soldados da borracha estavam submetidos a todo tipo de exploração, coação e humilhação no seu cotidiano de trabalho. Ao invés de ter um inimigo corporificado, esses homens enfrentavam inimigos ferozes e, muitas das vezes, silenciosos. Viviam batalhas diárias incomuns, tendo que superar o medo, a solidão, o desprezo do patrão, a angústia, a doença, a fome e a morte dentro das suas choupanas.
Eles se tornavam reféns do isolamento e, solitariamente, lutavam contra as adversidades encontradas na mata. Aqueles que buscavam apoio no seringalista, ao invés de encontrar solidariedade, recebiam palavras duras de ameaças, pois, acaso não cumprida a meta de produção estipulada, sofreriam graves punições, desde a proibição de acesso ao barracão (o que implicava na falta de gêneros alimentícios básicos, ou seja, na fome) até a decretação da sua morte.
Na atividade dos soldados da borracha, destaca-se a junção dos seguintes fatores: grande nível de improvisação, somado a falta de responsabilidade com as vidas e destinos de milhares de famílias nordestinas, a carência organizacional e a desordem administrativa, todos foram os elementos responsáveis pela grande catástrofe que foi a atabalhoada convocação dos soldados da borracha para a Amazônia.

1.2.3 O saldo da catástrofe

Durante a Segunda Guerra Mundial, aproximadamente 60 mil soldados da borracha foram deslocados para a Amazônia.6 Quase metade desapareceu na selva ou morreu em razão das péssimas condições de transporte, do alojamento, dos surtos epidêmicos (malária, febre amarela, beribéri e icterícia), dos ataques dos animais e índios e da péssima alimentação7.
Sem qualquer demérito aos corajosos “pracinhas”, dados coletados à época mostram que, dos 20 mil combatentes brasileiros na Itália, 465 morreram bravamente no conflito.8 Vê-se, pois, que o número de soldados da borracha mortos é substancialmente superior.
Com o término do conflito, os soldados da borracha sobreviventes foram desmobilizados. Contudo, grande parte não pôde deixar os seringais, em virtude das astronômicas dívidas assumidas com os seringalistas/patrões.
O lamentável episódio talvez seja o maior genocídio cometido dentro do território pátrio no século XX! São palavras do grande estudioso do tema, o pesquisador amazônida Samuel Benchimol – testemunha ocular responsável pela brilhante e premiada tese de trabalho intitulada ‘O Cearense na Amazônia: um inquérito antropogeográfico’ apresentada no X Congresso Brasileiro de Geografia, realizado no ano de 1944:

E confesso que, talvez, a história das migrações humanas, nas suas crônicas, jamais tenha registrado um drama de igual proporção, somente comparável com o dos judeus no seu êxodo, diáspora e perseguição milenária; com o dos povos africanos, a bordo dos navios negreiros e na escravidão das senzalas; e o das tribos indígenas, expulsas de suas terras, após a destruição de suas culturas9.”

1.3 OS SOLDADOS DA BORRACHA APÓS A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: A OMISSÃO ESTADO BRASILEIRO

1.3.1 Período democrático (1946 a 1964)

Com a queda do regime ditatorial do Estado Novo e o retorno de instituições democráticas com a Constituição de 1946, os apelos de milhares de Soldados da Borracha e de seus familiares chegaram até os gabinetes de deputados federais.
Eram frequentes relatos de esquecimentos, de amarguras sofridas e das dolorosas consequências resultantes da insalubridade e periculosidade vivificadas nas regiões inóspitas da Amazônia. Denunciava-se também a mortandade e a falta da assistência médica contínua e eficiente, bem como as dificuldades de subsistência daqueles familiares que permaneceram na terra natal.
Preocupado com toda a situação originada pelo denominado “Exército da Borracha”, o então deputado federal Café Filho apresentou, no dia 3 de julho de 1946, o requerimento n.º 268/1946, objetivando a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, para apurar a situação dos que tomaram parte no Exército da Borracha, ou seja, daquelas pessoas que atenderam ao chamado patriótico10.
O deputado ressaltou nas justificativas de seu requerimento: o não cumprimento dos compromissos assumidos pelos agentes recrutadores dos Soldados da Borracha, a necessidade de apurar a forma que se deu o recrutamento, os contratos de trabalho injustos, a assistência às famílias, o retorno aos lares, as enfermidades e a necessidade de se levantar todas as informações necessárias para o esclarecimento ao público da situação de desgraça a que foram levados milhares de brasileiros, em nome da produção de matéria-prima na Segunda Guerra Mundial.
Consoante texto publicado no Diário do Congresso Nacional11, o Relatório Final da CPI, apresentado em reunião de encerramento ocorrida no dia 17 de setembro de 1946, está dividido nas seguintes partes: introdução; depoimentos; correspondência; número de emigrantes; mortos e extraviados; o problema alimentar; assistência médica; falta de unidade nos serviços; o transporte para os seringais; fracasso? Importância dispendida pelos Estados Unidos; amparo aos desajustados e conclusões.
Nesse relatório, podem ser destacadas os seguintes testemunhos acerca do descontrole do Governo Federal em relação ao recrutamento e trabalho dos soldados da borracha na Amazônia. Vejamos:
Sr. Bartolomeu Guimarães – “Falta de uma indispensável unidade de comando competente e autorizado, que, subordinado ao seu controle todos esses departamentos, tirasse dos mesmos os grandes benefícios que estão destinados a prestar a Amazônia.”
Sr. Paulo Assis - “O SEMTA (Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia) fazia o seu trabalho, SAVA (Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico) cuidava do abastecimento; e o SNAPP (Serviço de Navegação e Administração dos Portos do Pará) tratava do transporte. Mas não havia cooperação de trabalho”;
Sr. Carvalho Leal – “insucesso da campanha da borracha residia no otimismo descabido, na incompreensão ou mesmo na ignorância dos planificadores e executores da iniciativa. Seus dirigentes tudo pareciam ignorar a respeito da Amazônia e seu problema”.
Por sua vez, as conclusões do Relatório Final foram divididas nos seguintes tópicos:
a) Número de emigrantes: Utilizando o cruzamento de uma informação repassada pelo depoente Péricles de Carvalho – diretor do Departamento Nacional de Imigração, com a resposta escrita prestada pelo citado departamento à comissão, os deputados não conseguiram apresentar nenhum número absoluto. A estimativa que eles chegaram quanto ao número de encaminhamentos realizados pelos órgãos oficiais foi de um pouco mais de 52.000 (cinquenta e dois mil) trabalhadores brasileiros, incluindo neste os familiares.
b) Mortos e extraviados: Infelizmente outro dado importantíssimo que não foi possível ser apresentado ou fixado pela Comissão de Inquérito foi o número de mortos e extraviados na Batalha da Borracha.
c) O problema alimentar: Outra conclusão importante a que chegaram os deputados foi quanto à insuficiência de alimentos durante o desenvolvimento da Campanha da Borracha. A falta de conhecimento e experiência do meio, dos costumes e da Região Amazônica por parte da companhia americana Rubber Development Corporation contribuiu e muito para o agravamento deste problema.
d) Assistência Médica: Com relação à temática da assistência médica, o relatório final destacou que, muito embora os trabalhos da SESP/Serviço Especial de Saúde Pública, devam render elogios tal atenção e cuidado especial aos Soldados da Borracha não puderam ser sentidos devido à tamanha amplitude e as próprias condições geográficas da Região Amazônica.
e) Falta de unidade nos serviços: Outros graves problemas indicados no relatório para o insucesso da campanha relacionado ao material humano foram à falta de unidade de chefia dos serviços, a ausência de uma maior cooperação entre as instituições e órgãos responsáveis pela Campanha da Borracha e o desconhecimento das condições ambientais por parte das autoridades responsáveis.
f) O transporte para os seringais: Neste ponto, o relatório frisa a grande quantidade de queixas e críticas quanto aos transportes que disseminaram os Soldados da Borracha no interior da Região Amazônica, principalmente quanto a grave falha na maneira lamentável e deficiente de transportar as pessoas recrutadas e suas famílias.
g) Amparo aos desajustados: Outro importante desfecho contido no relatório é quanto o grande número de trabalhadores desviados na Região Amazônica devido a sua inadaptação às condições ecológicas e aos meios de trabalhos peculiares a esse território.
h) Considerações finais: o relatório final aponta quatro conclusões.

1° - Foi das mais oportunas e proveitosas a campanha que se fez na Assembleia e fora dela, em torno da situação dos ‘soldados da borracha’, pois teve o mérito de despertar para o problema a atenção dos Poderes Públicos que, já agora, estão diretamente interessados na sua solução.
2° - Impõe-se, como já reconheceu o próprio governo através de medidas recentes, o amparo imediato aos ‘soldados da borracha’, que por quaisquer motivos, não se hajam ambientado na Amazônia e pretendam retornar aos pontos de origem, bem assim àqueles que, por doentes, não se acham em condições de trabalhar após o regresso.
3° - As famílias que ficaram no nordeste e cujos chefes pereceram no vale Amazônico ou ali permanecem, fazem jus, igualmente à assistência oficial que lhes fora prometida na fase da propaganda.
4° - Um plano geral de Assistência social e econômica deve ser elaborado e executado, sem demora, em benefício dos que continuam votados à produção da borracha, na selva amazônica.
De conformidade com o resolvido pela Comissão, o presente relatório, com depoimentos tomados e os documentos que acompanham, deve ser remetido à Câmara dos Deputados, para que promova as medidas legislativas julgadas necessárias, enviando-se cópia de tudo, por igual, ao Poder Executivo, para a apuração de responsabilidades. (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1946, p. 37).

Como medida de irrecusável justiça e amparo dos Poderes Públicos a esses milhares de miseráveis da Batalha da Borracha, os deputados indicaram, como forma imediata e inadiável de solução, o patrocínio para o retorno desses aos seus Estados de origem.
Indicaram também como solução a ideia trazida pelo depoente Valentim Bouças, que propôs, como medida solucionadora, a elaboração de um programa governamental de reajustamento econômico nos seringais para o amparo aos homens que ali trabalham e ou trabalhavam, custeado com os recursos oriundos do fundo especial do Banco da Borracha e os saldos da CAETA/Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia.
Antes mesmo do término dos trabalhos da CPI da Borracha, no dia 16 de setembro, o então Presidente da República Eurico Gaspar Dutra, utilizando da atribuição conferida pelo artigo 180 da Constituição Federal de 1946, autorizou, através do Decreto-lei n.º 9.882, 16 de setembro de 1946, a elaboração de um plano de assistência aos trabalhadores da borracha12.
O referido decreto determinava que o Departamento Nacional de Imigração do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e a Comissão de Controle dos Acordos de Washington do Ministério da Fazenda elaborassem um plano para a execução de um programa de assistência imediata aos trabalhadores encaminhados para o Vale Amazônico durante o período de intensificação da produção da borracha para o esforço de guerra.
Vale destacar, ainda, que o plano deveria ser elaborado imediatamente e submetido à aprovação do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio e do Ministro da Fazenda. Tendo sido prevista a criação de uma comissão para a execução desse plano composta pelo Diretor do Departamento Nacional de Imigração e pelo Diretor Executivo da Comissão de Controle dos Acordos de Washington sob a presidência do Ministro do Trabalho ou seu representante, tendo este último à responsabilidade de baixar as instruções e regulamentos de funcionamento desta comissão.
Em 25 de julho de 1947, foi apresentado o Projeto de Lei n.º 509/1947, determinando a concessão financeira aos Soldados da Borracha incapacitados e as famílias dos ausentes ou falecidos em virtude da mobilização para o esforço de guerra na Amazônia13.
Vê-se, portanto, que o período subsequente à “batalha da borracha” foi marcado por atividades que, embora reconheçam a grave dimensão do problema social, tiveram aspecto puramente formal, sem qualquer medida concreta de melhoria das condições de existência dos soldados da borracha. Sobraram boas intenções e faltaram medidas concretas.
A própria Comissão Parlamentar de Inquérito, em seu relatório final, omitiu-se em apontar responsáveis pela catástrofe resultante da campanha da borracha e até hoje não se sabe quantos soldados da borracha continuam desaparecidos, quantos foram escravizados e quantos faleceram. Violações de Direitos Humanos que ainda não cessaram!

1.3.2 Regime militar (1964-1985)

Durante o regime militar, os soldados da borracha continuaram em situação de abandono e esquecimento. A visão autoritária ignorou, por completo, os episódios ocorridos na Amazônia, durante a Segunda Guerra Mundial.
Não poderia ser diferente. Graças ao golpe militar de 1964, autoridades com o mesmo perfil ideológico das que atuaram no Estado Novo estavam novamente poder, engendrando projetos econômicos e migratórios, cuja metodologia autoritária pouco se diferenciava da que fora aplicada duas décadas antes na Amazônia.
Ainda sim, vozes dissidentes não se calaram. Com efeito, no decorrer da década de 1970, o deputado federal Jerônimo Santana denunciou o calamitoso abandono sofrido pelo grande contingente humano que ainda vivia marginalizado na Amazônia, requerendo as devidas providências e o amparo prometido pelo Estado Brasileiro.
No seu discurso “Os Soldados da Borracha” proferido na Câmara dos Deputados na sessão de 12 de maio de 1972, ele assim denunciou a vergonhosa situação:

Os contratos de trabalho foram cumpridos pelos seringueiros que prestaram seu trabalho e produziram a borracha em torno da qual foram mobilizados todos esses esforços; os patrões, porém, nada cumpriram daquilo estipulado e prometido aos seringueiros. O negócio foi bom para os seringalistas, que dispuseram de crédito à vontade e farta mão-de-obra, que também lhes era oferecida pelo governo. As levas de seringueiros subiam os rios e os seringalistas, a moda dos senhores de escravos, em cada localidade escolhiam os que mais lhes agradasse. SEMTA, SAVA e CAETA funcionavam como navios negreiros transportando escravos. Os Soldados da Borracha não tinham os mesmos direitos dos soldados nos campos da Europa. Seus comandantes eram os seringalistas que se beneficiavam de seu trabalho e os exploravam de toda forma. E prova está nos que sobreviveram das doenças e abandono nos seringais, pois desafiamos que se aponte um deles que prosperou ou se tornou independente economicamente. Criou-se a estrutura mais desumana e violenta de que se dá notícia em matéria de relações de propriedade. Nunca o seringueiro conseguiu ou conseguirá alcançar a condição de seringalista, pois os favores governamentais no esforço de guerra e depois dele foram apenas para os seringalistas. (SANTANA, 1972, p. 46-47)”.

1.3.3 Constituição de 1988 aos dias atuais: medidas legislativas tímidas e pouco eficazes

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, surgiram avanços em prol dos soldados da borracha; contudo, as medidas jurídicas foram tímidas em relação ao tamanho das violações de direitos humanos por eles sofrida.
Exatos 43 (quarenta e três) anos após as agruras sofridas por esses brasileiros esquecidos nos vales amazônicos, o constituinte de 1988 estabeleceu, no art. 54 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o benefício assistencial aos Soldados da Borracha e os seus dependentes, nos seguintes termos:

Artigo 54 – Os seringueiros recrutados nos termos do Decreto-Lei n°5.813, de 14 de setembro de 1943, e amparados pelo Decreto-Lei n° 9.882, de 16 de setembro de 1946, receberão, quando carentes, pensão mensal vitalícia no valor de dois salários-mínimos.
§ 1º- O benefício é estendido aos seringueiros que, atendendo a apelo do Governo brasileiro, contribuíram para o esforço de guerra, trabalhando na produção de borracha, na Região Amazônica, durante a Segunda Guerra Mundial.
§ 2º- Os benefícios estabelecidos neste artigo são transferíveis aos dependentes reconhecidamente carentes.
§ 3º- A concessão do benefício far-se-á conforme lei a ser proposta pelo Poder Executivo dentro de cento e cinquenta dias da promulgação da Constituição.

Uma questão de ordem puramente emocional14 essa foi a justificativa dada pela deputada federal amazonense Beth Azize quanto ao art. 54 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórios, o qual fora aprovado no dia 21 de junho de 1988 pelo plenário da Assembleia Constituinte, por 351 votos a favor, 22 contra e 28 abstenções. Na reportagem do jornal Correio Braziliense, na qual a deputada foi entrevistada, informa-se, ainda, a inexistência de qualquer discussão sobre a matéria da concessão da pensão vitalícia aos Soldados da Borracha.
Segundo a parlamentar amazonense, os constituintes utilizaram de um momento histórico para beneficiar um setor que, há mais de quatro décadas, se encontrava em total abandono e que necessitava de uma medida com o caráter de justiça social.
Em seguida, foi editada a Lei nº 7.986, de 28 de dezembro de 1989, que regulamenta o art. 54 do ADCT. Tal lei foi alterada pela Medida Provisória n.º 1.663-15, de 22 de outubro de 1998, posteriormente, convertida na Lei n.º 9.711/1998, onde passou a se exigir a apresentação de início de prova documental para a concessão do benefício.
Tal exigência, praticamente, inviabilizou a concessão do benefício aos seringueiros, pois muitos desses ex-combatentes não possuem quaisquer documentos exigidos para a comprovação de sua condição. E, em situação pior, ficaram as viúvas, já que a maior parte dessas senhoras analfabetas encontram todo o tipo de dificuldades para comprovar que seus esposos foram alistados como Soldados da Borracha na época da Segunda Guerra Mundial.
Finalmente, no dia 5 de novembro de 2013, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 346/2013, sugerida pelo líder do governo o deputado Arlindo Chinaglia em desconsideração à antiga PEC n.º 556/2002, apresentada pela Senadora Vanessa Graziotin, a qual tinha o aval das associações de soldados da borracha.
Meses depois viria a ser promulgada a Emenda Constitucional n.º 78, de 14 de maio de 2014, que dá nova redação ao caput do art. 54 do ADCT e acrescenta art.54-A. Após essa emenda, ficou positivada a concessão de uma indenização de R$ 25 mil reais e a fixação da pensão mensal vitalícia em R$1.500,00, resultando em aumento concreto de apenas R$144,00 aos cerca de 12 mil soldados da borrachas vivos e seus dependentes.
Aparentemente e sem a devida profundidade na análise do assunto, uma grande parte da população pode estar pensando que os soldados da borracha têm e muito a comemorar com a promulgação da EC n.º 78/2014, a qual saldaria as dívidas social, patriótica e histórica com esse segmento.
Ledo engano pensar desta maneira! É que o ideal de justiça para os soldados da borracha e para seus dependentes consiste em obter tratamento jurídico em patamar similar aos direitos dos pracinhas ou mesmo de outros grupos de pessoas que foram vítimas de violências praticadas pelo Estado Brasileiro, a exemplo dos anistiados políticos e dos parentes de desaparecidos políticos, durante o regime ditatorial pós-1964.
Assim, a Emenda Constitucional n.º 78/2014 não representou a redenção dos soldados da borracha, mas um engodo simbólico incapaz de trazer efetiva reparação às feridas do passado, uma vez que a indenização nela prevista tem valor irrisório.

1.4 DA DESIGUALDADE DE TRATAMENTO ENTRE OS PRACINHAS E OS SOLDADOS DA BORRACHA

Assim como aquelas pessoas recrutadas para a extração do látex/seringa na região amazônica, os ex-combatentes da Força Expedicionária Brasileira, conhecidos como pracinhas, participaram ativamente da campanha criada pelo governo brasileiro para auxiliar nas atividades em prol dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial.
Os pracinhas foram recrutados e/ou arregimentados por instituições oficiais brasileiras, receberam tratamento diferenciado para atuarem em favor da causa aliada na guerra, além de terem suas tarefas e trabalhos estimulados e vinculados ao patriotismo e ao dever de contribuir com o seu país durante um período de exceção.
Nos idos dos anos de 1942, o que os diferenciavam dos soldados da borracha era apenas o lugar de atuação: as pessoas que se tornaram soldados da borracha foram encaminhadas para os seringais amazônicos e aqueles que escolheram se tornar pracinhas foram designados para exercerem suas atividades no front da Itália.
Contudo, a legislação que sucedeu ao período da Segunda Guerra foi responsável por abrir um grande fosso entre o tratamento oferecido pelo Brasil aos pracinhas e aos soldados da borracha.
Os seringueiros que foram convocados para trabalhar na Amazônia, tendo em vista o acordo firmado pelo governo brasileiro e americano, que foi homologado por meio do Decreto-Lei nº 5.813, de 14 de setembro de 1943, não tiveram assegurados nessa legislação qualquer direito quanto do término do auxílio prestado à causa Aliada. Neste decreto, apenas ficou estabelecida a estrutura administrativa da Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia – CAETA.
A primeira norma editada para assegurar direitos aos ex-combatentes foi a Lei nº 1.147, de 25 de junho de 1950, que estabeleceu as seguintes medidas de amparo e assistência: (i) financiamento em condições vantajosas por meio de instituto de previdência para aquisição ou construção de moradia; (ii) doação de terrenos pela União para aqueles não beneficiados pelo referido financiamento; (iii) preferência no acesso a empregos públicos, mediante concurso; e (iv) preferência na matrícula dos estabelecimentos de ensino público para o ex-combatente e seus filhos.
Em seguida, a Constituição Federal de 1967, em seu art. 178, assegurou ao ex-combatente os seguintes direitos: (i) estabilidade, se funcionário público; (ii) aproveitamento no serviço público, sem a exigência de concurso; (iii) aposentadoria com proventos integrais aos 25 anos de serviço efetivo, tanto na Administração pública quanto iniciativa privada; (iv) promoção, após interstício legal e se houvesse vaga; e (v) assistência médica, hospitalar e educacional, se carente de recursos.
Numa comparação entre os direitos dos Soldados da Borracha e dos Ex-Combatentes da 2ª Guerra Mundial observamos que:
A Lei nº 5.315, de 12 de setembro de 1967, que dispõe sobre os ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, foi editada para regulamentar o art. 178 da Constituição do Brasil de 1967, tendo sido recepcionada em parte pela Constituição Federal de 1988. A norma em questão definiu com detalhes quem são os ex-combatentes e seus direitos garantidos na Constituição.
Foi acrescida mais uma garantia aos ex-combatentes, por meio da Lei nº 5.507, de 10 de outubro de 1968, que estabeleceu prioridade para matrícula nos estabelecimentos de ensino público de curso médio e dispôs sobre a concessão de bolsas de estudo para os filhos de ex-combatentes e órfãos menores carentes de recursos.
Em seguida, foi editada a Lei nº 5.698, de 31 de agosto de 1971, que dispõe sobre as prestações devidas a ex-combatente segurado da previdência social, norma essa recepcionada pela Constituição Federal de 1988. A referida legislação detalha a relação do ex-combatente com o regime geral da previdência social e a forma de cálculo dos benefícios em razão da garantia de aposentadoria integral aos 25 anos de serviço.
Na Constituição Federal de 1988, foram mantidos os direitos ao aproveitamento no serviço público sem concurso, assistência médica, hospitalar e educacional e aposentadoria aos 25 anos de serviço e acrescidas às seguintes garantias no art. 53 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: (i) pensão especial correspondente à deixada por segundo-tenente, transferível ao dependente e (ii) prioridade na aquisição da casa própria.
Por fim, para regulamentar a pensão especial devida ao ex-combatente, foi editada a Lei nº 8.059, de 4 de julho de 1990.
Vale ainda destacar a existência de memorial construído pelo Governo Federal Brasileiro e que se destina a homenagear todos aqueles expedicionários brasileiros que foram mortos no front da Itália. Lugar de grande simbolismo pátrio, onde se dedica a cultivar a memória histórica desses bravos brasileiros.
Trata-se de um Monumento aos Pracinhas ou Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial que desponta na paisagem do Parque e Aterro do Flamengo na cidade do Rio de Janeiro. Dentro da construção existe um pequeno museu, com fotos, peças e artefatos usados pelos pracinhas durante a Segunda Guerra Mundial. O local contém também os nomes de todos os soldados que tombaram na guerra na Europa, lutando pela Força Expedicionária Brasileira.
No local ainda estão sepultados os restos mortais dos soldados brasileiros que tombaram na campanha da Itália, e que anteriormente estiveram sepultados naquele país. Outra homenagem de grande simbolismo pátrio é a participação dos ex-combatentes expedicionários ainda vivos no desfile em que comemora a independência do Brasil (o desfile de Sete de Setembro).
Por outro lado, sem qualquer tipo de honrarias militares (participação no desfile da independência - 7 de setembro) e sem resgate da memória histórica nacional (seja através de mausoléus ou de monumentos que busquem cultivar o civismo e o patriotismo das gerações que sucederam, seja através dos livros oficiais da História Brasileira) estão os soldados da borracha ainda vivos.
A situação desses idosos é calamitosa e de completo abandono por parte das autoridades do nosso país. Estas que, infelizmente, pouco conhecem a história da importante participação dos soldados da borracha na Segunda Guerra Mundial e, por isso, não buscam também valorizar a figura destes heróis nacionais.
Note-se que, enquanto os pracinhas foram recebidos como heróis nacionais, foram incluídos no serviço público, tiveram acesso aos hospitais pertencentes ao Ministério da Defesa, receberam salários e atualmente percebem aposentadoria correspondente ao soldo militar de um segundo-tenente, os soldados da borracha ainda vivos só a partir da Constituição de 1988, exatos quarenta e três anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, passaram a receber um benefício assistencial na forma de pensão vitalícia correspondente a dois salários-mínimos (ADCT - art. 54) e, ainda sim, tendo que cumprir o requisito legal irrazoável de apresentar início de prova material, consideradas as condições fáticas que envolve o caso.
Por força da Emenda Constitucional n.º 78, de 14 de maio de 2014, que dá nova redação ao caput do art. 54 do ADCT, previu-se a concessão de indenização de R$ 25 mil reais. Trata-se de beneplácitos irrisórios quando comparados aqueles conferidos aos soldados que foram para o front .

1.5 EPÍLOGO FÁTICO

A atual situação dos Soldados da Borracha é de completo abandono. Toda a exploração, coisificação e humilhação por eles sofrida não foi capaz de sensibilizar os mandatários da nação e as maiorias parlamentares no sentido de implementar mudanças concretas para reversão da dura realidade enfrentada pelo grande contingente de flagelados.
Uma conclusão salta aos olhos: o governo brasileiro, durante a Guerra, preocupou-se, unicamente, com a produção de borracha, esquecendo-se da situação dos trabalhadores, enquanto seres humanos dotados de dignidade.
Após o conflito, os sobreviventes foram relegados à própria sorte. Sequer houve responsabilização das autoridades públicas e privadas que engendraram a catástrofe descrita nesta peça e que foi tão bem analisada no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a campanha da borracha.
Mesmo com a Constituição Federal de 1988, as medidas assistenciais não se efetivaram, sendo irrisória a indenização prevista na Emenda Constitucional n.º 78, de 14 de maio de 2014, a qual não foi capaz de recompor a dívida da República Federativa do Brasil para com os nordestinos utilizados na exploração da borracha durante a Segunda Guerra Mundial.
Os soldados da borracha também são verdadeiras vítimas da Segunda Guerra Mundial e da ditadura de inspiração fascista conhecida como Estado Novo, cujo ultraje amargado também tem que ser reparado pela parte ré.

2 DOS DIREITOS

2.1 CONSIDERAÇÕES PROCESSUAIS PRELIMINARES SOBRE A PRESENTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA

2.1.1 Da legitimidade ativa da Defensoria Pública

Nos termos do art. 134 da Constituição Federal de 1988, a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, tendo como missão garantir assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados.
Atualmente, a atuação cível da Defensoria Pública não se limita à mera propositura de ações ou à elaboração de defesas e recursos em processos individuais, podendo alcançar a tutela jurisdicional de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
De fato, após alteração promovida pela Lei n.º 11.448, de 15/01/2007, o art. 5º, inciso II, da Lei n.º 7.347/1985 passou, expressamente, a contemplar essa instituição como legitimada ativa para a propositura da ação civil pública.15
Na realidade, antes mesmo dessa inovação legislativa, havia precedentes reconhecendo a legitimidade ativa da Defensoria Pública para o ajuizamento de ações civis públicas. Entendia-se que, sendo legitimados a União e os Estados, as Defensorias Públicas respectivas, na condição de órgãos daquelas pessoas jurídicas de direito público, também poderiam ingressar com ações coletivas em juízo.16 Da mesma forma, os intérpretes se valiam da redação elástica do art.82, III, do CDC. 17
A abertura das portas do microssistema processual coletivo às Defensorias Públicas igualmente encontra-se prevista no art. 4º, inciso VII, da Lei Complementar n.º 80/1994, com redação dada pela Lei Complementar n.º 132/2009, verbis:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
[…] VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;

Por fim, por força da Emenda Constitucional n.º 80, de 04 de junho de 2014, o art. 134, caput, da Constituição Federal passou a ter a seguinte redação:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

Nota-se, portanto, que a atribuição de defesa dos direitos coletivos passou a ter envergadura constitucional, o que afasta qualquer dúvida, por ventura ainda existente, sobre a constitucionalidade da legislação que legitima a Defensoria Pública para ajuizar ações civis públicas.
Portanto, todos esses dispositivos legais e constitucionais tornaram clara a seguinte regra jurídica: a Defensoria Pública tem legitimidade para patrocinar interesses de necessitados por meio de demandas coletivas.
Aqui, dúvidas não há de que os soldados da borracha vivos e os dependentes daqueles falecidos são pessoas em situação de hipossuficiência econômica (necessitados), eis que a renda média de seus núcleos familiares gira em torno de dois salários-mínimos (art. 54 do ADCT).
Tais pessoas tem idade média de 85 anos e, em sua maioria, vivem nas zonas rurais de baixo IDH na região Amazônica ou no Nordeste. Para elas o acesso à justiça é extremamente difícil, senão impossível por meio da advocacia privada, razão por que os soldados da borracha e seus dependentes são um grupo de pessoas com o perfil de assistidos da Defensoria Pública.

2.1.2 Abrangência territorial da decisão: eficácia nacional da sentença coletiva

Nos termos do art. 16 da Lei n.º 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 9.494/1997, estabeleceu-se que a "a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator [...]". Vê-se, pois, que o legislador criou uma restrição aos efeitos da sentença proferida no julgamento de pedidos contidos em ações civis públicas.
Na prática, se um juiz federal de uma dada Seção Judiciária, por exemplo, profere uma sentença coletiva no julgamento de ação civil pública, os efeitos do decisium seriam restritos ao âmbito territorial dessa Seção Judiciária, englobando somente as pessoas físicas e jurídicas lá residentes, bem como órgãos e entidades públicas lá existentes.
Com isso, buscou o legislador, animado por espírito conservador, evitar que uma sentença coletiva tenha efeitos mais amplos, como regionais ou nacionais. A decisão, portanto, deve ficar acantonada aos limites territoriais da competência do juízo, não podendo abranger limites além de sua jurisdição.
Não é preciso muito esforço para perceber que se trata de disposição processual que, se interpretada em sua literalidade e fora de contexto, esvazia por completo a razão de ser dos processos coletivos (celeridade e economia processuais, evitando o efeito multiplicador de demandas). Nesse sentido, vejam-se as lições de Leonel Ricardo Barros:

A necessidade de reconhecimento de maior extensão aos efeitos da sentença coletiva é consequênciada da indivisibilidade dos interesses tutelados (material ou processual [no caso específico dos direito individuais]), tornando impossível  cindir os efeitos da decisão judicial, pois a lesão a um interessado implica lesão a todo, e o proveito a um a todos beneficia. É a indivisibilidade do objeto que determina a extensão dos efeitos do julgado a quem não foi “parte” no sentido processual, mas figura como titular dos interesses em conflito18.

Dentro de uma perspectiva constitucional, a interpretação literal do art. 16 da Lei n.º 7.347/1985 viola o princípio do acesso à justiça, sendo curial reconhecer a inconstitucionalidade material dessa limitação da atuação jurisdicional, uma vez que a Constituição de 1988, em seu art. 5º, XXXV, reconhece o direito à ação coletiva.
Nesse passo, considerando que os soldados da borracha e seus dependentes encontram-se dispersos em áreas do Norte (em especial, no Acre, Amazonas, Pará e Rondônia) e do Nordeste do país (em especial no Ceará e no Maranhão), sendo vítimas de violações aos seus direitos básicos ao longo dos anos, vê-se que o dano extrapola a jurisdição da Subseção Judiciária do Pará. Claramente, uma sentença limitada aos limites do órgão prolator seria um ato de eficácia mínima.
Portanto, dependendo do caso concreto, os efeitos da decisão podem abranger todo o território nacional ou local diverso da jurisdição do juízo, quando o dano se perpetuar em mais de um município, dentro ou não de mesmo Estado. Assim, em relação à abrangência da decisão na presente ação civil pública, a melhor solução consiste na aplicação subsidiária do art. 93 da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor):

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:
I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;
II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

O emprego desse dispositivo em relação às ações civis públicas em geral possui expressa autorização no art. 21 da Lei nº 7.347/1985, verbis:

Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.


Portanto, há que se observar, no efeito da sentença, não os aspectos da organização judiciária (limites territoriais da comarca, da seção ou da subseção), mas a extensão do dano:

(...) A regra do art. 16 da Lei 7.347/85 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos na Lei 8.078/90, entendendo-se que os "limites da competência territorial do órgão prolator", de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas, sim, aqueles previstos no art. 93 do Código de Defesa do Consumidor. Assim: a) quando o dano for de âmbito local, isto é, restrito aos limites de uma comarca ou circunscrição judiciária, a sentença não produzirá efeitos além dos próprios limites territoriais da comarca ou circunscrição; b) quando o dano for de âmbito regional, assim considerado o que se estende por mais de um município, dentro do mesmo Estado ou não, ou for de âmbito nacional, estendendo-se por expressiva parcela do território brasileiro, a competência será do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal, e a sentença produzirá os seus efeitos sobre toda a área prejudicada (...).19


Assim, à luz do dispositivo supracitado (art. 93 da lei nº 8.078/1990) e do caráter transcendente do caso, bem como dos reflexos dos danos para todo território nacional, pugna-se que a decisão a ser proferida nestes autos não reste adstrita a uma única região/ âmbito da jurisdição deste Juízo, mas a todo o país.

2.2 DAS GRAVES VIOLAÇÕES A DIREITOS HUMANOS SOFRIDAS PELOS SOLDADOS DA BORRACHA

2.2.1 Violações à Declaração Universal dos Direitos do Homem e ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

Com o término da Segunda Guerra Mundial, os direitos humanos passam por processo de positivação em tratados e convenções internacionais, com a finalidade de proteger e promover a dignidade humana e a paz a nível mundial, mediante garantias internacionais institucionalizadas.
Nesse contexto, o marco inicial desse processo de consolidação internacional dos direitos humanos é a Carta das Nações Unidas de 1945.20 Em suas justificativas, o texto assinala a necessidade de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra” e “reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres”. Seu artigo 55, c, assinala a necessidade de os Estados membros das Nações Unidas favorecer o “respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.”
A Carta das Nações Unidas não elencou um rol de direitos humanos. Em razão dessa omissão, em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral da ONU promulgou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Inicialmente, tratava-se de mera declaração de cunho político e moral; contudo, passou a ser reconhecida como fonte do direito internacional na condição de costume internacional.21 Portanto, cuida-se de documento de indiscutível força normativa.
Poucos anos depois, foram discutidos e assinados por diversas nações o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos22 e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais23.
Note-se que o que diferencia os Direitos Humanos dos demais direitos é a proteção de “bens básicos”, os quais favorecem qualquer plano de vida. Tais bens básicos são a liberdade, a igualdade, a justiça, a paz, a segurança, entre outros.
Não bastasse estar inserida na Segunda Guerra Mundial, cujas atrocidades são a fonte material do processo de universalização dos humanos, a “Batalha da Borracha” e seus posteriores desdobramentos em relação aos soldados da borracha revelam uma série de violações a direitos previstos na Declaração Universal e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
De fato, o recrutamento ardiloso dos soldados da borracha organizado pelo SEMTA, as condições degradantes de trabalho e o abandono estatal perpetrados pelo Estado brasileiro, claramente, revelam violações aos seguintes dispositivos da Declaração Universal dos Direitos do Homem: a) Artigo 3: “Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”; b) Artigo 4: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos estão proibidos em todas as suas formas”; c) Artigo 5: “Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.
Da mesma forma, as referidas ações e omissões do poder público pátrio constituem claras violações aos seguintes preceitos do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos: a) Artigo 7 (“Ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médias ou científicas.”) e b) Artigo 8 (1. Ninguém poderá ser submetido á escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos, em todos as suas formas, ficam proibidos. 2. Ninguém poderá ser submetido à servidão).

2.2.2 Violações à Convenção Interamericana de Direitos Humanos

A saga dos soldados da borracha também traz à luz uma variedade de violações à Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual, por ter como âmbito o território americano e ser aplicada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, merece uma análise mais minuciosa.
De fato, o Pacto de São José da Costa Rica consagra, em seus artigos, o regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem, bem como reconhece que os direitos essenciais do homem tem como fundamento os atributos da própria pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional. Mais ainda o artigo 1º determina a todos os Estados-partes a obrigação de respeito aos direitos e liberdades reconhecidos.

Artigo 1. Obrigação de respeitar os direitos
1. Os Estados-Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos já se pronunciou anteriormente a respeito da responsabilidade internacional do Estado em relação a atos violatórios de direitos humanos:

Para estabelecer se houve uma violação de direitos consagrados na Convenção, não se requer determinar, como ocorre em direito penal interno, a culpabilidade de seus autores, sua intenção, nem é preciso identificar individualmente os agentes aos quais se atribui os fatos violatórios. É suficiente a demonstração de que houve apoio ou tolerância do poder público na infração dos direitos reconhecidos na Convenção. Ademais, também se compromete a responsabilidade internacional do Estado quando este não realiza as atividades necessárias, de acordo com seu direito, para identificar e no caso, punir os autores das próprias violações.”24

O artigo acima mencionado estabelece claramente a obrigação do Estado de respeitar os direitos e liberdades reconhecidos na Convenção e garantir o seu livre e pleno exercício a toda a pessoa a que esteja sujeita a sua jurisdição, de tal modo que toda violação dos direitos reconhecidos na Convenção que possam ser atribuídos, conforme as normas de direito internacional, à ação ou omissão de qualquer autoridade pública, constitui um ato de responsabilidade do Estado, conforme já se manifestou a própria Comissão Interamericana25:

O Estado está, por outro lado, obrigado a investigar toda situação em que se tenha violado os direitos humanos protegidos pela Convenção. Se o aparato do Estado atua de modo que tal violação reste impune e não se restabeleça o quanto possível, a vítima na plenitude de seus direitos, pode-se afirmar que se descumpriu o dever de garantir o livre exercício das pessoas sujeitas a sua jurisdição.”

No âmbito da referida Convenção, as obrigações constantes dos artigos 1.1 e 2 constituem a base para a determinação de responsabilidade internacional de um Estado. O artigo 1.1 da Convenção atribui aos Estados Partes os deveres fundamentais de respeitar e de garantir os direitos, de tal modo que todo menoscabo aos direitos humanos reconhecidos na Convenção que possa ser atribuído, segundo as normas do direito internacional, à ação ou omissão de qualquer autoridade pública, constitui fato imputável ao Estado, que compromete sua responsabilidade nos termos dispostos na mesma Convenção.

2.2.2.1 Direito à vida

O artigo 4 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos determina o respeito ao Direito à vida, sem que haja qualquer tipo de discriminação por condição social: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida.”
A Corte Interamericana reiteradamente afirma que o direito à vida é um direito humano fundamental, cujo gozo constitui um pré-requisito para o desfrute de todos os demais direitos do ser humano. Em razão do caráter fundamental do direito à vida, não são admissíveis enfoques restritivos a tal direito26.
Em virtude deste papel fundamental que se atribui ao direito à vida na Convenção, a Corte tem reiteradamente afirmado em sua jurisprudência que os Estados têm a obrigação de garantir a criação das condições necessárias para que não se produzam violações a esse direito inalienável e, em particular, o dever de impedir que seus agentes atentem contra ele.
Observa-se que o artigo 4 do Pacto de São José da Costa Rica garante, em essência, não somente o direito de todo ser humano de não ser privado da vida arbitrariamente, mas também o dever dos Estados de adotar as medidas necessárias para criar um marco normativo adequado que dissuada qualquer ameaça ao direito à vida; estabelecer um sistema de justiça efetivo, capaz de investigar, castigar e reparar toda privação da vida por parte de agentes estatais ou particulares; e salvaguardar o direito de que não se impeça o acesso a condições que assegurem uma vida digna, o que inclui a adoção de medidas positivas para prevenir a violação desse direito.27
A Corte Interamericana tem subscrito sistematicamente sobre o caráter especial dos direitos à vida e a um tratamento humano. Vejamos:

Los derechos a la vida a un trato humano son centrales para la Convención [Americana]. De acuerdo con el Artículo 27(2) de dicho tratado, esos derechos forman parte del núcleo no derogable, porque han sido establecidos como derechos que no pueden ser suspendidos en caso de guerra, peligro u otras amenazas a la independencia o seguridad de los Estados partes.”28

Como o direito a vida é tão essencial para o exercício de todos os demais direitos, o Estado tem uma obrigação particular de protegê-lo e preservá-lo, assim como de evitar a sua violação. Também faz parte do entendimento da Corte:

Los Estados tienen la obligación de garantizar la creación de las condiciones que se requieran para que no se produzcan violaciones de ese derecho inalienable y, en particular, el deber de impedir que sus agentes atenten contra él. El cumplimiento de las obligaciones impuestas por el artículo 4 de la Convención Americana, relacionado con el artículo 1.1 de la misma, no sólo presupone que ninguna persona sea privada de su vida arbitrariamente (obligación negativa), sino además, a la luz de su obligación de garantizar el pleno y libre ejercicio de los derechos humanos, requiere que los Estados adopten todas las medidas apropiadas para proteger y preservar el derecho a la vida (obligación positiva). (...) En razón de lo anterior, los Estados deben adoptar las medidas necesarias, no solo a nivel legislativo, administrativo y judicial, mediante la emisión de normas penales y el establecimiento de un sistema de justicia para prevenir, suprimir y castigar la privación de la vida como consecuencia de actos criminales, sino también para prevenir y proteger a los individuos de actos criminales de otros individuos e investigar efectivamente estas situaciones.29

2.2.2.2 Direito à integridade pessoal, à honra, à dignidade e à proteção da família

Nos termos do Artigo 5 da Convenção Interamericana, consagra-se o Direito à integridade pessoal, segundo o qual “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.”
O direito à integridade pessoal, como os outros Direitos Humanos, é inerente à pessoa com relação a sua natureza humana. Esse direito assegura a integridade física e psicológica das pessoas e proíbe a ingerência arbitrária do Estado e dos particulares nesses atributos individuais. Implica em um sentido positivo, i) o direito a gozar de uma integridade física, psicológica e moral30 e em sentido negativo, ii) o dever de não maltratar, não ofender, não torturar e não comprometer ou agredir a integridade física e moral das pessoas31.
É um direito que está vinculado necessariamente com a proteção à dignidade humana e tem estreita relação com outros direitos fundamentais, como o direito à vida e à saúde. Sendo também possível fixar entre esses três direitos uma diferença baseada no objeto jurídico protegido de maneira imediata.

A vida protege de maneira próxima o ato de viver e a qualidade de vida das pessoas em condições de dignidade. A integridade pessoal, por sua vez, protege a integridade física e moral, a plenitude e a totalidade da harmonia corporal e espiritual do homem, bem como o direito à saúde, o normal funcionamento orgânico do corpo e o adequado exercício das faculdades intelectuais32.

É de tamanha importância que a Convenção Americana o protege particularmente ao estabelecer a proibição da tortura, tratos cruéis, inumanos e degradantes, assim como a impossibilidade de suspendê-los durante estados de emergência,33 devendo os Estados adotar todas as medidas apropriadas para garanti-lo.
A falta de respeito e a manutenção de abandono ao longo do tempo sofrida pelos soldados da borracha revela o indesculpável desrespeito as leis brasileiras e a Convenção Americana. Situação que delata a falta de respeito com a dignidade humana e integridade psíquica e moral dos antigos recrutados pelo governo brasileiro!
Os demais direitos fundamentais, como aqueles relativos à saúde, à integridade física e moral e ao tratamento digno não podem continuar a ser afetados e violentados pelo grave abandono das autoridades brasileiras. É o teor do artigo 11 da Convenção Americana de Direitos Humanos:
Artigo 11. Proteção da honra e da dignidade
1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.
3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.

Vale destacar que a situação enfrentada por muitas famílias de soldados da borracha revela também violação ao artigo 17 da Convenção Americana de Direitos Humanos (proteção da família), pois existem relatos e fontes históricas que confirmam o recrutamento pelo Governo Brasileiro de jovens com 16 anos para a participação na batalha da borracha34.
Muitos dos soldados da borracha foram afastados dos seus entes queridos e, por não ter sido garantindo o retorno a sua terra natal após o término da Segunda Guerra Mundial, mesmo sendo esse um dos compromissos assumidos pelas autoridades da época, inúmeros laços familiares foram rompidos.
Infelizmente, é frequente o relato de que muitos não puderam enterrar seus pais e irmãos que faleceram com o passar dos anos, já que não sabia do paradeiro dos seus parentes.
O meio familiar exerce uma das mais importantes influências no desenvolvimento das capacidades cognitivas e na estruturação das características afetivas dos filhos. A família desempenha um papel de extrema importância no desenvolvimento da sociedade, uma vez que é através desta saudável relação que se constroem pessoas adultas com uma determinada autoestima e onde estas aprendem a enfrentar desafios e a assumir responsabilidades, tendo por isso sua proteção consagrada tanto pelo Estado quanto pela sociedade.
Infelizmente, o Estado Brasileiro violou o seu dever de proteção quando não garantiu o retorno do soldado da borracha a sua terra natal e por ter sido o vínculo familiar desfeito e só reconstituído muitas décadas após. Esse grave desrespeito gerou graves consequências tanto no aspecto psicológico quanto no processo de desenvolvimento da sociabilidade de muitos soldados da borracha, pois, ao invés de eles terem asseguradas e estimuladas as ligações afetivas entre seus familiares (relações que favoreciam a aprendizagem e a formação da personalidade no momento em que deveria ter sido proporcionada melhores condições para os seus desenvolvimentos enquanto seres humanos), as autoridades brasileiras estimularam o abandono, a negligência, a falta de cuidado, a revolta e não protegeram a família como deveria ter sido feita.
As condições de abandono, o crescente embrutecimento causado pelas más condições dos soldados da borracha, o desrespeito da lei, tudo isso contribuiu para a disseminação do sentimento de impotência frente à omissão das autoridades responsáveis.

2.2.2.3 Direito à igualdade

A situação dos soldados da borracha também revela permanentes violações ao princípio da igualdade e ao dever de não-discriminação.
Com efeito, apesar da bravura demonstrada ao participarem do recrutamento militar e ao executarem as atividades ordenadas, esses indivíduos são, hoje, vítimas de grave injustiça perpetrada pelas autoridades públicas brasileiras. Enquanto aos ex-combatentes de operações bélicas na Europa se asseguraram diversos direitos, entre os quais uma pensão especial de cerca de sete salários mínimos, aos soldados da borracha se oferece apenas uma pensão mensal correspondente a dois salários mínimos – conforme estabelece o art. 54 do ADCT.
Assim, o art. 54 do ADCT é norma de viés discriminatório por estabelecer diferença de trato injusta – no que tange ao reconhecimento financeiro – entre dois grupos análogos de indivíduos, que contribuíram para a satisfação dos interesses do país, em um momento importante da história mundial. Já manifestou a Corte Interamericana que:

La noción de igualdad [...] es inseparable de la dignidad esencial de la persona, frente a la cual es incompatible toda situación que, por considerar superior a un determinado grupo, conduzca a tratarlo con privilegio; o que, a la inversa, por considerarlo inferior, lo trate con hostilidad o de cualquier forma lo discrimine del goce de derechos que sí se reconocen a quienes no se consideran incursos en tal situación de inferioridad35.

Para examinar se uma diferença de tratamento é ou não discriminatória, o Tribunal de San José adota critérios de razoabilidade e de proporcionalidade. Emprega-se o termo distinção para se referir à diferença de trato admissível, por atender a tais parâmetros e não ofender a dignidade humana. Por sua vez, utiliza-se a palavra discriminação para aludir à exclusão ou ao privilégio que não passe no referido teste, violando os direitos humanos dos indivíduos36. Em todo o caso, uma vez questionada a diferença de tratamento realizada pelo Estado, cabe a ele provar que conta com uma justificação legítima para proceder de tal maneira.
O tratamento desigual conferido aos soldados da borracha não atende aos critérios acima mencionados, tratando-se de uma forma odiosa e ilegítima de discriminação de jure. Sem dúvida, a diferença entre o valor da pensão oferecida aos pracinhas e o valor da pensão paga aos soldados da borracha é desproporcional. O montante da renda que lhes é concedida, atualmente, é equivalente ao valor da pensão paga aos trabalhadores rurais comuns, o que demonstra a fraqueza – do ponto de vista financeiro – do reconhecimento oficial das características especiais dos serviços prestados à nação pelos soldados da borracha. A diferença de tratamento é, pois, desarrazoada e desproporcional, constituindo lamentável prática discriminatória do Estado brasileiro.
Para definir o conceito de discriminação, como o Pacto de San José não especifica o significado deste termo, a Corte Interamericana utilizou, no caso Atala Riffo vs. Chile37, a explicação dada pelo Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, de acordo com a qual o termo se refere a:

[...] toda distinción, exclusión, restricción o preferencia que se basen en determinados motivos, como la raza, el color, el sexo, el idioma, la religión, la opinión política o de otra índole, el origen nacional o social, la propiedad, el nacimiento o cualquier otra condición social, y que tengan por objeto o por resultado anular o menoscabar el reconocimiento, goce o ejercicio, en condiciones de igualdad, de los derechos humanos y libertades fundamentales de todas las personas38.

Como se bem sabe, o princípio fundamental de proteção contra a discriminação deve ser aplicado não apenas em relação a cada pessoa ou indivíduo, mas também – e especialmente – em relação aos grupos vulneráveis. Quanto aos motivos de discriminação, tanto a definição do Comitê da ONU quanto o art. 1.1 da Convenção Americana elencam um rol exemplificativo de categorias protegidas. Ambos os documentos deixam abertos os critérios proibidos de discriminação, através da expressão “outra condição social”, a qual deve ser interpretada da maneira mais favorável possível39. Nessa categoria aberta, enquadram-se os soldados da borracha, que acabaram esquecidos e marginalizados pela União.

2.2.2.4 Direito à Verdade e à Memória

Outrossim, o descaso e a inércia do Poder Público desrespeitam e vilipendiam os direitos daquelas pessoas idosas que participaram da Batalha da Borracha, principalmente na questão da obrigação estatal de assegurar o acesso ao Direito à Verdade e à Memória.
O Direito à Verdade e à Memória fundamenta-se na busca e no estabelecimento de uma verdade oficial sobre as violações de Direitos Humanos ocorridas num passado brutal, a fim de evitar que elas novamente ocorram.
Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, trata-se de prerrogativa jurídica que pertence não só às vítimas e seus familiares, mas a toda sociedade, a qual “[...] tiene el irrenunciable derecho de conocer la verdad de lo ocurrido, así como las razones e y circunstancias en las que aberrantes delitos llegaran a cometerse, a fin de evitar que eses hechos vuelvan a ocurrir en el futuro.40
Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, esse direito tem amparo nos artigos 1 (obrigação de respeitar os direitos), 8 (garantias judiciais), 13 (liberdade de pensamento e expressão) e 25 (proteção judicial) de São José da Costa Rica41. Vejamos:

La Comisión señaló que el derecho al conocimiento de la verdad emana de los artículos 1(1), 8, 25 y 13 de la Convención, pero no manifestó expresamente que se hubiera infringido el Artículo 13. Además, la Comisión sostuvo que el derecho a la verdad es “un derecho de carácter colectivo que permite a la sociedad tener acceso a información esencial para el desarrollo de los sistemas democráticos y, un derecho particular para los familiares de las víctimas, que permite una forma de reparación, en particular, en los casos de aplicación de leyes de amnistía. La Convención Americana protege el derecho a obtener y a recibir información, especialmente en los casos de desaparecidos, con relación a los cuales la Corte y la Comisión han establecido que el Estado está obligado a determinar su paradero”.42 43


Especificamente no caso Gomes Lund e outros, no qual o Brasil foi condenado pelas violações de direitos humanos na repressão da Guerrilha do Araguaia (1972-1975), a CIDH determinou a sistematização de informações e a seu pleno acesso, buscando à efetivação do Direito à Verdade e à Memória, em relação a esse outro triste episódio de nossa história. Vejamos uma das reparações elencadas no dispositivo da sentença:

16. O Estado deve continuar desenvolvendo as iniciativas de busca, sistematização e publicação de toda a informação sobre a Guerrilha do Araguaia, assim como da informação relativa a violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar, garantindo o acesso à mesma nos termos do parágrafo 292 da presente Sentença.44

No plano interno, o Direito à Verdade e à Memória pode ser extraído de várias disposições da Constituição Brasileira de 1988, a saber: art. 5º, incisos XIV (acesso à informação), inciso XXX (faceta do direito à herança); art. 21, XVII (competência da União para conceder anistia); art. 23, III (proteção dos documentos, obras e bens históricos) e IV (impedir a evasão e destruição desses bens); art. 215 (pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional); art. 216 (define o que constitui patrimônio cultural brasileiro), o art. 216-A (Criação do Sistema Nacional de Cultura) e art. 220, caput, (liberdade de informação).
Ademais, o Terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3, promulgado no ano de 2009, por meio do Decreto n.º 7.037, de 21 de dezembro de 2009, tem preocupação com a memória histórica, ao prever o esclarecimento público das violações de Direitos Humanos perpetradas por agentes do Estado durante períodos de repressão.
Vale destacar que, dentro do eixo orientador seis do PNDH-3, há três importantes diretrizes:
a) número 23, que abrange o reconhecimento da memória e da verdade como Direito Humano da cidadania e dever do Estado. Sendo seu objetivo estratégico promover a apuração e o esclarecimento público das violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política, a fim de efetivar o Direito à Memória e à Verdade histórica, bem como promover a reconciliação nacional;
b) número 24, que trata sobre a preservação da memória histórica e a construção pública da verdade. Tendo como objetivo incentivar iniciativas de preservação da memória histórica e de construção pública da verdade sobre períodos autoritários;
c) número 25, que aborda a modernização da legislação relacionada à promoção do Direito à Memória e à Verdade para o fortalecimento da democracia. A ideia principal é suprimir do ordenamento jurídico pátrio eventuais normas remanescentes dos períodos de exceção que afrontem os compromissos internacionais e preceitos constitucionais de Direitos Humanos. Segundo a Secretária Especial de Direitos Humanos:

A história que não é transmitida de geração a geração torna-se esquecida e silenciada. O silêncio e o esquecimento das barbáries geram graves lacunas na experiência coletiva de construção da identidade nacional. Resgatando a memória e a verdade, o País adquire a consciência superior sobre a sua própria identidade, a democracia se fortalece. As tentações totalitárias são neutralizadas e crescem as possibilidades de erradicação definitiva de alguns resquícios daquele período sombrio, como a tortura, por exemplo, ainda persistente no cotidiano brasileiro.
O trabalho de reconstruir a memória exige revisitar o passado e compartilhar experiências de dor, violência e mortes. Somente depois de lembra-las e fazer seu luto, será possível superar o trauma histórico e seguir adiante.45

Entre as ações programáticas previstas no PNDH-3, a recuperação e a valorização da saga dos Soldados da Borracha estão intimamente relacionadas com a criação de uma comissão específica para reconstituir a história da repressão ilegal relacionada ao Estado Novo (1937- 1945).
Essa comissão teria como objetivo principal a publicação de um relatório contendo os documentos que fundamentaram o período de repressão promovido pelo Estado Novo, descrever o funcionamento da justiça de exceção, informar os responsáveis diretos no governo, apresentar as violações seus autores e vítimas.
Contudo, embora haja a previsão de vários Ministérios responsabilizando-se por essa política de resgate da memória histórica, nada saiu dos papéis para o plano da realidade em relação ao Estado Novo. Objetivando solucionar a ausência do Estado brasileiro quanto à efetivação do Direito à Memória e à Verdade histórica, bem como a promoção da reconciliação nacional, um dos defensores públicos signatários deste documento defendeu em artigo científico:

Defendemos a ideia de que somente através deste tipo de comissão aos moldes da Comissão Nacional da Verdade é que seremos capazes de uma vez por todas de fomentar iniciativas para a implementação de uma política de reparação em favor dos Soldados da Borracha.
Acreditamos que somente com a construção de uma rede de parceiros em que incluam universidades públicas e particulares, organizações sociais e sociedade civil organizada poderemos promover o debate público, e este ao ser fomentado se torna um importante instrumento na reparação e reconciliação nacional entre os Soldados da Borracha sobreviventes e os descendentes daqueles já falecidos. Todas essas instituições devem ter o perfil de estarem voltadas para o resgate e valorização desta parte da História do Brasil através do fomento de pesquisa, palestras, seminários, realização de caravanas itinerantes, já que a ideia principal é dar maior visibilidade a esse segmento social.46

Outro destaque que merece ser feito é a ausência da abordagem dos soldados da borracha nos livros de História do Brasil adotados nas Escolas pelos entes federativos e no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação. O Brasil conta com mais de 53 milhões de estudantes em seus diversos sistemas, níveis e modalidades de ensino e os especialistas garantem que os desafios da qualidade e da equidade na educação só serão superados se a escola for um ambiente acolhedor, que reconheça e valorize seus fatos e personagens históricos, assim como seus heróis nacionais.
Tendo em vista a construção de uma educação com qualidade social e de uma sociedade mais justa e equânime, assim como fortalecer o Direito à Memória dos soldados da borracha e seus descendentes, pugna-se que seja determinado à União que organize políticas públicas educacionais relativas ao ensino e valorização do papel dos soldados da borracha na Segunda Guerra Mundial e que, dentro do plano curricular nacional da educação brasileira, seja incluída esta temática no ensino da História do Brasil, para que as escolas sejam estimuladas a criar projetos políticos pedagógicos e que os professores incluam em seus planos de aulas este assunto.

2.2.3 Da imprescritibilidade das graves violações de Direitos Humanos ou, subsidiariamente, da renúncia à prescrição operada com o advento da EC n.º 78/2014

A Corte Interamericana de Direitos Humanos possui farta jurisprudência acerca da imprescritibilidade civil e criminal das graves violações a Direitos Humanos. Exemplo desses precedentes são as sentenças que reconhecem a contrariedade à Convenção Americana das leis de “autoanistia”, as quais ajudam a perpetuar a impunidade, a injustiça e impedem que tanto as vítimas quanto os seus familiares terem o acesso à justiça e o direito de conhecer a verdade e receber a reparação correspondente.
Dentro deste contexto, destacam-se três importantes casos julgados pela CIDH.
O primeiro deles é conhecido como Barrios Altos versus Peru47. Nele, a Corte considerou que a lei de anistia que estabelece excludentes de responsabilidade, impede investigações e punições de violações de Direitos Humanos é incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Vejamos:

La Corte, conforme a lo alegado por la Comisión e no controvertido por el Estado, considera que las leyes de amnistía adoptadas por el Perú impidieron que los familiares de las victimas e las victimas sobrevivientes en el presente caso fueran oídas por un juez, conforme a lo señalado en el artículo 8.1 de la Convención. violaron el derecho a la protección judicial consagrado en el artículo 25 de la Convención; impidieron la investigación, persecución, captura, enjuiciamiento y sanción de los responsables de los hechos ocurridos en Barrios Altos, incumpliendo el artículo 1.1 de la Convención, y obstruyeron el esclarecimiento de los hechos del caso. Finalmente, la adopción de las leyes de auto amnistía incompatibles con la Convención incumplió la obligación de adecuar el derecho interno consagrada el artículo 2 de la misma.”

Confirmando esse entendimento, a Corte adotou o mesmo posicionamento ao analisar o caso Almonacid Arellano versus Chile48. O instrumento normativo objeto de análise foi o Decreto-lei n.º 2.191/78, que previa anistia aos crimes cometidos entre os anos de 1973 a 1978, correspondente aos “anos de chumbo” da Ditadura Pinochet. Assim, o referido órgão se pronunciou:

Los crímenes de lesa humanidad producen la violación de una serie de derechos inderogables reconocidos en la Convención Americana, que no pueden quedar impunes. En reiteradas oportunidades el Tribunal ha señalado que el Estado tiene el deber de evitar y combatir la impunidad, que la Corte ha definido como ‘la falta en su conjunto de investigación, persecución, captura, enjuiciamiento y condena de los responsables de las violaciones de los derechos protegidos por la Convención Americana’. Asimismo, la Corte ha determinado que la investigación debe ser realizada por todos los medios legales disponibles y orientada a la determinación de la verdad y la investigación, persecución, captura, enjuiciamiento y castigo de todos los responsables intelectuales y materiales de los hechos, especialmente cuando están o puedan estar involucrados agentes estatales. Al respecto, este Tribunal ha señalado que no pueden considerarse efectivos aquellos recursos que, por las condiciones generales del país o incluso por las circunstancias particulares de un caso dado, resulten ilusorios.
Este Tribunal ya había señalado en el Caso Barrios Altos que son inadmisibles las disposiciones de amnistía, las disposiciones de prescripción y el establecimiento de excluyentes de responsabilidad que pretendan impedir la investigación y sanción de los responsables de las violaciones graves de los derechos humanos tales como la tortura, las ejecuciones sumarias, extralegales o arbitrarias y las desapariciones forzadas, todas ellas prohibidas por contravenir derechos inderogables reconocidos por el Derecho Internacional de los Derechos Humanos.”

Por fim, há que se fazer referência à sentença do caso Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, de 24 de novembro de 2010. Nesse julgado, a CIDH reafirmou sua jurisprudência para declarar contrária à Convenção Americana de Direitos Humanos a Lei de Anistia brasileira (Lei n.º 6.683/1979). Vejamos:

[...] são inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias, e os desaparecimentos forçados, todas elas proibidas, por violar direitos inderrogáveis reconhecidos pelos Direito Internacional dos Direitos Humanos.49

Segundo a Corte Interamericana, a ratificação da Convenção Americana implica no compromisso por parte do Estado Brasileiro de punir as graves violações a direitos humanos ainda que perpetradas antes de sua vigência:

[...] uma vez ratificada a Convenção Americana, corresponde ao Estado, em conformidade com o artigo 2, adotar todas medidas para deixar sem efeito as disposições legais que poderiam contrariá-lo, como são as que impedem a investigação de graves violações de direitos humanos, uma vez que conduzem à falta de proteção das vítimas e à perpetuação da impunidade, além de impedir que as vítimas e seus familiares conheçam a verdade dos fatos.50

Daí o dispositivo da sentença, de 24 de novembro de 2010, declarar:

3. As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil.

No contexto do recrutamento e do trabalho em plena Amazônia, atos desumanos foram cometidos contra os soldados da borracha e seus familiares. Atos generalizados e sistemáticos que iniciaram em plena Segunda Guerra Mundial, sob o império autoritário do Estado Novo e cujo alvo fora a população pobre e desinformada do Nordeste.
A data das violações dos direitos humanos antes elencados é irrelevante. No presente caso, as ofensas foram cometidas durante um período de exceção e consistiram em atos desumanos, generalizados ou sistemáticos. Desde migrações forçadas e ardilosas, com a promoção e concurso de agentes públicos, até o trabalho escravo, torturas e assassinatos, seguidos de décadas de abandono material, moral e histórico.
Tais ofensas a direitos humanos são permanentes, pois continuam ocorrendo à medida em que não houve efetiva reparação aos direitos violados por meio de justa indenização e de reparações in natura, relacionadas às obrigações de fazer decorrentes dos Direitos à Verdade e à Memória.
Portanto, é dever dos Estados que firmaram o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, entre os quais o Brasil, punir os crimes contra a humanidade e amparar as vítimas por meio de indenizações justas e através de medidas concretas relacionadas ao resgate da Verdade e da Memória.
É certo que, em relação aos crimes cometidos em período de exceção, a jurisprudência brasileira, sobretudo após o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 153, reconheceu a validade da Lei n.º 6.683/1979 (“lei de anistia)51, o que, em certos casos, tem impedido o processamento e julgamento de autoridades responsáveis pelo cometimento de crimes durante o regime militar de 1964-1985. Trata-se, evidentemente, de decisão que viola o Pacto de São José da Costa Rica e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Contudo, o enfoque desta demanda coletiva é puramente cível, passando longe de questões criminais referentes à Batalha da Borracha. Nesse contexto, em relação às reparações pecuniárias, o Judiciário pátrio tem sido mais favorável às vítimas de graves violações de direitos humanos, ocorridas em períodos de exceção.
No âmbito da jurisprudência interna brasileira, o Superior Tribunal de Justiça tem firme posicionamento no sentido de que éimprescritível a pretensão de recebimento de indenização por dano moral decorrente de atos de tortura ocorridos durante o regime militar de exceção”.52
Por sua vez , o Tribunal Regional Federal da 1ª Região pronunciou-se no sentido de que, em relação à reconstrução da verdade histórica da Guerrilha do Araguaia, cuida-se de “investigação” no sentido “de propiciar o conhecimento da verdade histórica, para todas as gerações, de ontem e de hoje, no exercício do denominado 'dever de memória', o que não se submete a prazos de prescrição53. Assim, não há que se falar em prescrição das reparações in natura, decorrentes do Direito à Verdade e à Memória.
Por fim, na remota hipótese de o caso ser analisado fora do prisma da doutrina e da jurisprudência nacional e internacional dos Direitos Humanos, ressalta-se que a promulgação da Emenda Constitucional n.º 78, de 14 de maio de 2014, deve ser vista como uma renúncia à prescrição indenizatória referente
à epopeia dos Soldados da Borracha.
Ora, se o Estado Brasileiro, em 2014, espontaneamente outorgou reparação pecuniária pelos danos sofridos pelos seringueiro recrutados para extrair látex durante a Segunda Guerra Mundial, houve clara renúncia à suposta prescrição das pretensões indenizatórias. Assim, nada impede que o tema das reparações pecuniárias aos soldados da borracha seja tratado por meio da presente ação civil pública ou mesmo por ações individuais.
Portanto, não há que se falar na prescrição das reparações a serem postuladas no item seguinte.
2.3 DAS REPARAÇÕES INDIVIDUAIS E COLETIVAS

2.3.1 Reparação por danos extramatrimoniais individuais

Diante da imprescritibilidade das graves violações de direitos humanos ocorridas no contexto de ditaduras militares, é comum os Estados violadores espontaneamente concederem, após o retorno à normalidade democrática, reparações pecuniárias às vítimas ou aos seus sucessores.
No caso dos soldados da borracha, esperou-se mais de quatro décadas para que algum benefício lhes fosse concedido. Somente com os ventos democráticos da última Assembleia Nacional Constituinte é que o tema foi objeto de considerações políticas, o que resultou na pensão mensal estipulada pelo art. 54 do ADCT:

Art. 54. Os seringueiros recrutados nos termos do Decreto-Lei nº 5.813, de 14 de setembro de 1943, e amparados pelo Decreto-Lei nº 9.882, de 16 de setembro de 1946, receberão, quando carentes, pensão mensal vitalícia no valor de dois salários mínimos.
§ 1º - O benefício é estendido aos seringueiros que, atendendo a apelo do Governo brasileiro, contribuíram para o esforço de guerra, trabalhando na produção de borracha, na Região Amazônica, durante a Segunda Guerra Mundial.
§ 2º - Os benefícios estabelecidos neste artigo são transferíveis aos dependentes reconhecidamente carentes.
§ 3º - A concessão do benefício far-se-á conforme lei a ser proposta pelo Poder Executivo dentro de cento e cinquenta dias da promulgação da Constituição.

A toda evidência, a referida pensão mensal nunca reparou efetivamente os danos impostos pela União aos soldados da borracha. Até porque os requisitos exigidos para sua concessão são difíceis de serem vencidos, pois, além de os fatos terem ocorrido em passado distante, a Lei n.º 9.711/1998 passou a exigir o início de prova material, criando obstáculo processual quase intransponível.
Por isso, os seringueiros sobreviventes e seus dependentes, nos últimos anos, mobilizaram-se para buscar junto ao Congresso Nacional a aprovação projetos de leis e propostas de Emendas Constitucionais, prevendo reparações substanciais e efetivas54. Contudo, no corrente ano, toda a mobilização foi frustrada com a aprovação da Emenda Constitucional n.º 78, de 14 de maio de 2014, verbis:

Art. 54-A. Os seringueiros de que trata o art. 54 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias receberão indenização, em parcela única, no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).

Infelizmente, a reparação pecuniária prevista no dispositivo afigura-se completamente incapaz de recompor a dívida histórica e patriótica da União para com os soldados da borracha. Na realidade, há claramente uma situação de inconstitucionalidade na Emenda, a qual fixou, mediante tabelamento, um valor mínimo e irrisório, diante das violações de direitos humanos subjacentes à Batalha da Borracha.

2.3.1.1 Emenda Constitucional n.º 78, de 14 de maio de 2014 – Manifestação do Poder Constituinte Derivado – Indenização em valor ínfimo – Necessidade de interpretação conforme a Constituição

Havendo violação a Direitos Humanos, impõe-se a reparação das consequências danosas, inclusive com o pagamento de justa indenização. Essa relação lógica e ontológica de causa e efeito constitui princípio elementar das ordens jurídicas nacionais e internacionais, sendo pressuposto para que a justiça reine em qualquer sociedade.
No direito interno, o dever de indenizar violações de direitos humanos que gerem danos morais é previsto no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal de 1988, verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.
[...]
X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Por sua vez, o Artigo 63.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos prevê que a violação a direitos humanos, por si só, gera a obrigação de indenizar os danos morais por parte do Estado violador:

Artigo 63 - 1. Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada.
Diante desses dispositivos constitucionais e convencionais, pode-se extrair o princípio de que a reparação de graves violações de direitos humanos deve ser plena e efetiva. Deve-se recompor não apenas o dano moral sofrido pela vítima e/ou seus familiares, como também promover medidas em prol da Verdade e da Memória, em se tratando de graves violações ocorridas em passado distante.
Na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o dano moral é denominado de “dano imaterial”, o qual compreende, nas palavras daquele tribunal internacional, “tanto os sofrimentos e as aflições causadas à vítima direta e aos que lhe são próximos, como o menosprezo de valores muito significativos para as pessoas, e outras perturbações que não são suscetíveis de medição pecuniária, nas condições de vida da vítima ou de sua família”.55
Se há uma lição que a história ensina é que não é fácil a reparação de violações a direitos humanos. Segundo o Professor de Direito Público Jeremy Sarkin da Universidade de Western Cape, África do Sul, as reparações têm recebido grande destaque, sendo “um desafio tanto no âmbito doméstico como no internacional”. Diz o referido pesquisador:

A questão das reparações ganhou importância não só pelo dinheiro que está sendo pedido, mas também porque parece cumprir pelo menos três funções. Primeiro, ela auxilia diretamente as vítimas que lidam com os prejuízos financeiros sofridos; segundo, constitui reconhecimento oficial do que aconteceu no passado; e terceiro, talvez sirva para coibir futuros abusos dos direitos humanos.56

No caso concreto, vê-se mais uma situação de uma quase total falta de reparação aos que viveram a saga dos “soldados da borracha”, episódio esse marcado por graves e maciças violações a direitos humanos. Com efeito, aproximadamente 60 mil jovens pobres do Nordeste foram recrutados sob falsas promessas por órgãos de um regime ditatorial e reduzidos à condição análoga à de escravos para produzir látex no Norte do Brasil a fim de abastecer a máquina de Guerra dos Aliados.
Após esse fato, esses jovens foram completamente abandonados em permanente omissão do Estado Brasileiro. Hoje, cuida-se de idosos debilitados e que ainda esperam por uma reparação pecuniária justa e pela reconstrução pública da verdade e da memória de sua história.
Diante desses fatos, até mesmo, o mais reacionário operador jurídico há de convir que a reparação no patamar de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), prevista na EC n.º 78/2014, é uma quantia pequena em relação à magnitude da lesão que sofrem os soldados da borracha.
Em relação ao valor diminuto da indenização, cabe trazer à colação a opinião do soldado da borracha Belizário Costa, 96 anos, emitida quando da promulgação da Emenda Constitucional n.º 78/2014 pelas Mesas da Câmara e do Senado.57 Na cerimônia, o intrépido nonagenário demonstrou, com voz trêmula, sua indignação, por meio de relato crítico contra o ato normativo aprovado pelo Congresso Nacional. Vejamos:

Conheci um camarada que diziam que era nosso chefe. Trabalhei 4 anos, comendo só caça com farinha d’água, daquela que vem de Bragança, com sal. Felizmente, hoje eu estou contando o caso para vocês nessa idade. Graças a Deus, eu nunca tive doença. Nós Soldados da Borracha ganhamos a guerra. (Palmas.) Fomos nós Soldados da Borracha que ganhamos a guerra. E os nossos governantes não estão nos dando valor.
Outra coisa. Quem tem pais que foram Soldados da Borracha — agradeço à Sra. Perpétua Almeida, que disse que o pai dela é Soldado da Borracha. Ela fez a nossa derrota. O dinheiro que nós estamos ganhando é o dinheiro que o Deputado usa no café, e disseram que dos Estados Unidos vem muito dinheiro para nos pagar, mas como não pagam, gente?
Presidenta, tenha coração. Se fosse o pai dela, o pai dele ou alguém da família, garanto que ela pagava direitinho o dinheiro merecido, mas como somos nós, Soldados da Borracha, fomos jogados naquela mata, comendo tudo quanto era coisa ruim na vida, passando necessidade; havia dias que dormia e dias que não dormia, porque tínhamos que botar a lamparina na cabeça, chamada poronga, e irmos para a mata cortar seringa para mandar para os Estados Unidos. Viu, meus amigos?
O patrão ainda disse assim: “Olha, Arigó, se vocês não pagarem o que estão levando para comer, vocês nunca mais saem daqui”.
Meus amigos, eu dormia com o meu rifle em cima do peito. Ele falou para mim: “Olha, seu Belizário Costa, uma bala dessas que você vai gastar custa 1 quilo de borracha”.
Quando eles foram nos contratar, nos prometeram tudo, até o avião no céu nos prometeram, e hoje em dia, meus amigos, eu estou nesta idade de 96 anos sofrendo, nem casa eu tenho. Eles prometeram tudo e nem casa eu tenho. Eu não vou mentir para vocês, eu não tenho uma casa, moro numa casa alugada, pago aluguel, ganho 2 salários mínimos que não dão nem para comer, porque a carestia hoje em dia está horrível.
Meu amigo, se todos vocês que estão nos ouvindo estivessem no meu lugar, os senhores falariam a mesma coisa que eu estou falando. Eu estou agradecendo à Dona Perpétua. O que ela ganhou para fazer isso conosco? Eu estou agradecendo a Dona Perpétua o que ela ganhou para fazer isso conosco. Ela não era para ser Deputada pelo Acre, ela não gosta do povo do Acre, ela está é fingindo que gosta do povo do Acre.
[…].
É dureza! Se fosse uma pessoa que tivesse consciência, se a senhora tivesse consciência, não teria falado certas coisas para nós. Ganhar uma mixaria como essa que não dá para viver. Queria que nós ganhássemos 1.500 reais. O que nós fazemos com 1.500 reais por mês? O que a senhora pensa? Vinte cinco mil. O que é que dá para o sujeito viver hoje em dia? Vinte e cinco mil é para um Deputado tomar café de manhã.
Nós vivemos nessa dificuldade. Tenho 96 anos, saio de Porto Velho de ônibus, venho para cá lutar para ver se adquiro o que é nosso. Nós temos o direito de receber o que é nosso. Gente, tenha dó! Quem tem coração, isso não é possível! Eu tenho sofrido demais! Eu sofri muito na mata. Sofri muito! Vi muitos companheiros morrerem, e morrer à míngua, porque não tínhamos nem um comprimido para tomar. Morreram milhares e milhares deles. Nós éramos 55 mil, disse um tenente para nós quando estávamos em Belém. Hoje, se tiver muito, são 20 mil. E não tem!
Meus amigos, olhem aquele pobre velhinho ali. Ele é meu colega. O único Soldado da Borracha que está tendo aqui é aquele velhinho ali, que é meu colega. O que esse velho vai fazer com uma mixaria dessas? O que ele passa eu passei. O que eu passei na vida, todo Soldado da Borracha passou. Sem dormir, ou dormir numa tarimba de vara, arriscado a qualquer hora um índio matar e carregar para comer.
O sujeito sair às 4 horas da manhã com uma lamparina na cabeça para cortar seringa para, à tarde, defumar a borracha para poder fazer a comida para comer. Quantas vezes eu comi leite de castanha feito pirão com farinha d’água. Aconteceu isso comigo. Assim como aconteceu comigo, aconteceu com muitos deles.
Meus amigos, vocês vão me desculpar, porque eu sou um analfabeto, mas sinto muito por ter a Dona Perpétua feito essa ingratidão com os Soldados da Borracha. Viu? Não foi só ela, como a nossa Presidência da República, que não tem o reconhecimento que o Soldado da Borracha trabalhou, e lutou, e ganhou a guerra nos Estados Unidos e no Brasil inteiro, porque, senão, Hitler era dono do mundo, está compreendendo? Eu sei, tudo isso eu sei, eu aprendi, viu? Eu tenho isso por escrito; eu tenho por escrito, dentro da minha casa; eu tenho por escrito. A nossa valência é que nós ainda estamos ganhando esse dinheirinho. Agradeço àqueles dois senhores ali, o seu Carioca e o advogado ali, senão nós estávamos na pior, está compreendendo?
É isso aí pessoal, vocês vão me desculpar se eu ofendi algumas pessoas; vocês vão me desculpar, que eu apenas sou um ignorante, eu não tenho leitura, sou analfabeto, mas eu tinha muita vontade de falar essas coisas, viu? Getúlio Vargas mandar nos convocar como soldados, dizendo ele que nós íamos ganhar bem e além de tudo ser um grande oficial. Todos íamos ser oficiais e nada disso nós tivemos. Qual é a promoção que nós temos? A promoção que nós temos é a necessidade que nós passamos.”58

Face às palavras oriundas de um soldado da borracha, não é preciso esforço para se perceber que o valor indenizatório estipulado pela Emenda Constitucional n.º 78/2014 é ínfimo, sendo incapaz de cumprir as funções de uma reparação pecuniária, quais sejam, compensar a dor sofrida pela vítima, punir o agente lesionador e prevenir a reiteração do ilícito.
A referida Emenda Constitucional é, portanto, inconstitucional e anti-convencional. Entre os direitos fundamentais por ela violados, destacam-se o direito individual a uma indenização justa e razoável (art. 5º, incisos V e X, da CF) e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).
Ademais, não podem ser esquecidas as violações a todas as normas contidas nos dispositivos da Convenção Americana de Direitos Humanos anteriormente enumerados (artigos 1º, 4º, 5º, 11). Tal tratado, nos termos do art. 5º, § 2º, da CF, possui natureza materialmente constitucional. Logo, todas as suas disposições normativas se inserem no bloco de constitucionalidade, podendo ser parâmetro para o controle de constitucionalidade de emendas constitucionais.
É certo que a fixação do valor de uma indenização não é uma operação matemática, pois as diversas circunstâncias que devem ser levadas em conta pelo julgador não podem ser mensuradas objetivamente. Assim, não existe uma uniformidade entre os aplicadores do direito, os quais agem com grande discricionariedade, mas sempre se guinado pela prudência e razoabilidade.
Daí surgir outra mácula à Emenda Constitucional n.º 78/2014, que é exatamente estabelecer um tabelamento do dano imaterial experimentado pelos soldados da borracha e seus dependentes, o que fere a independência de o juiz quantificá-lo e viola o princípio da efetiva reparação do ilícito. Nesse sentido, veja-se o Enunciado 550 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, verbis: “A quantificação da reparação por danos extrapatrimoniais não deve estar sujeita a tabelamento ou a valores fixos.”
Em recente julgado com repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal assentou que os danos morais, até mesmo por danos decorrentes do extravio de bagagens, submetem-se ao “princípio da indenizabilidade irrestrita”:

RECURSO. Extraordinário. Extravio de bagagem. Limitação de danos materiais e morais. Convenção de Varsóvia. Código de Defesa do Consumidor. Princípio constitucional da indenizabilidade irrestrita. Norma prevalecente. Relevância da questão. Repercussão geral reconhecida. Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que verse sobre a possibilidade de limitação, com fundamento na Convenção de Varsóvia, das indenizações de danos morais e materiais, decorrentes de extravio de bagagem59.

Diante desse precedente, é fácil perceber que Emenda Constitucional n.º 78/2014 valeu-se não de “indenizabilidade irrestrita”, mas de uma indenizabilidade mínima, fato que a torna inconstitucional.
Contudo, tal Emenda é uma manifestação do poder constituinte derivado. É produto, portanto, do exercício de competência juridicamente limitada por cláusulas pétreas contidas no art. 60, § 4º, da Constituição Federal de 1988, notadamente, os direitos e garantias individuais (inciso IV).
Por isso, em sede de controle difuso ou incidental de constitucionalidade, nada impede que o Poder Judiciário, diante da imprescritibilidade das graves violações de direitos humanos ocorridas no contexto de ditaduras militares, no caso, a ditadura fascista do Estado Novo, conceda reparações que transcendam os valores espontaneamente reconhecidos pelo Estado violador.
Por isso, propõe-se, em controle incidental, uma interpretação conforme à Constituição para que se entenda que a EC n.º 78/2014 fixou um valor mínimo a ser pago administrativamente, o que não impede que o Estado-Juiz determine o pagamento de indenização mais elevada para garantir a efetiva reparação dos direitos violados. Isso é plenamente possível e viável, o que será melhor trabalhado no próximo item.

2.3.1.2 Do valor razoável da reparação patrimonial individual

Nesse contexto, surge a indagação acerca de qual o justo valor indenizatório a ser pagos aos soldados da borracha ou aos dependentes daqueles que faleceram. Aqui, o valor postulado embasa-se não “achismo” dos subscritores desta peça, mas em casos similares de graves violações de direitos humanos, ocorridos no Brasil e que foram objeto de reparação.
Em relação às vítimas do período ditatorial pós-1964, a Lei n.º 9.140, de 04 de dezembro de 1995, criou uma política de reparações aos herdeiros das vítimas que desapareceram, por conta de atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988. Sobre o valor das reparações vejamos o que dispõe o art. 11 do referido diploma legal:

Art. 11. A indenização, a título reparatório, consistirá no pagamento de valor único igual a R$ 3.000,00 (três mil reais) multiplicado pelo número de anos correspondentes à expectativa de sobrevivência do desaparecido, levando-se em consideração a idade à época do desaparecimento e os critérios e valores traduzidos na tabela constante do Anexo II desta Lei.
§ 1º Em nenhuma hipótese o valor da indenização será inferior a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
§ 2º A indenização será concedida mediante decreto do Presidente da República, após parecer favorável da Comissão Especial criada por esta Lei.

Por sua vez, a Lei n.º 10.559, de 13 de novembro de 2002, regulamentou o art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para dispor sobre o regime jurídico dos anistiados políticos.
Nos termos do art. 2º dessa lei, são declarados anistiados políticos aqueles que, no período de 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988, por motivação exclusivamente política, sofreram perseguições expressas em punições disciplinares indevidas, restrições de direitos civis e políticos em geral, como a cassação de mandatos eletivos, perda de cargo ou função pública, etc. Sobre o valor da reparação por dano moral (reparação em prestação única) o art. 4º da Lei n.º 10.559, de 13 de novembro de 2002, assim dispôs:

Art. 4o  A reparação econômica em prestação única consistirá no pagamento de trinta salários mínimos por ano de punição e será devida aos anistiados políticos que não puderem comprovar vínculos com a atividade laboral.
§ 1o  Para o cálculo do pagamento mencionado no caput deste artigo, considera-se como um ano o período inferior a doze meses.
§ 2o  Em nenhuma hipótese o valor da reparação econômica em prestação única será superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Perceba-se que, enquanto a Lei n.º 9.140, de 04 de dezembro de 1995, referente aos desaparecidos políticos, fixou que seus familiares têm direito à indenização no valor mínimo de R$ 100.000,00 (cem mil reais), o art. 4º da Lei n.º 10.559/2002, referente aos anistiados, determinou que eles têm direito à indenização, em parcela única, no valor máximo de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Por sua vez, a Emenda Constitucional n.º 78/2014 estipulou indenização irrisória de R$ 25.000,00 (vinte cinco mil reais).
Na realidade, se a indenização mínima de R$ 100.000,00, prevista para os herdeiros dos desaparecidos políticos (Lei n.º 9.140/1995), fosse corrigida pelo IPC-A, ela valeria, atualmente, a quantia de R$ 327.155,52. Por sua vez, a indenização máxima destinada aos anistiados políticos (Lei n.º 10.559/2002), em parcela única, de R$ 100.000,00 (cem mil reais), valeria hoje R$ 206.679,35.
Será que o sofrimento dos soldados da borracha quase 15 vezes menos que o dos parentes dos desaparecidos políticos ou dos próprios anistiados? Evidente que não! Assim, a fim de evitar subjetivismo, a quantia de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) deverá ser utilizada como parâmetro da complementação do valor da indenização.
Por isso, impõe-se, mediante interpretação conforme a Constituição na esfera do controle difuso ou incidental de constitucionalidade, que o valor fixado no art. 54-A do ADCT, introduzido pela EC n.º 78/2014, seja complementado até atingir o patamar mínimo de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), adotando-se, pois, a interpretação de que a reparação de R$ 25.000,00 é o mínimo a ser pago administrativamente, podendo o Estado-Juiz ir além, fixando valor que concretize o princípio da efetiva reparação das violações a direitos humanos.
2.3.2 Reparação por danos extrapatrimoniais coletivos

O dano moral coletivo ou transindividual é aquele que atinge os valores essenciais da coletividade.
Para que ocorra o dano moral coletivo não é necessário que se prove que uma grande quantidade de pessoas sofreu em razão da violação de valores essenciais da sociedade. É que esse dano está desvinculado do sofrimento individual. O que o embasa, segundo André de Carvalho Ramos, “é um sentimento de despreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda a sociedade60.
Tal como a reparação ao dano moral individual a reparação ao dano moral coletivo apresenta caráter compensatório e punitivo; porém, sua função é essencialmente preventiva de modo a gerar proteção efetiva aos valores essenciais da coletividade, tendo, pois, forte viés pedagógico.
Ora, no Estado Constitucional e Democrático de Direito, os direitos fundamentais representam os valores fundamentais de uma coletividade estatal. Com efeito, no paradigma liberal, os direitos fundamentais limitavam-se à produção de direitos subjetivos, nos termos da lei; no atual contexto, passa a ter não apenas essa normatividade subjetiva e individual, mas outra de cunho objetivo, na qual os direitos fundamentais tornam-se valores orientadores do Estado e da sociedade.61
Considerando a sistemática violação de direitos humanos ocorrida no contexto da “Batalha da Borracha”, impõe-se o pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de reais).
Ademais, as reparações não podem ficar apenas no plano pecuniário, devendo alcançar a esfera de obrigações de fazer destinadas a preservar a memória histórica e a construção pública da verdade em torno dos Soldados da Borracha.
Nesse contexto, urge a construção de monumento em prol da memória dos soldados da borracha, o qual será destinado a homenagear todos aqueles que participaram da “Batalha da Borracha” e que foram mortos nos seringais da Região Amazônica. Lugar que certamente terá grande simbolismo pátrio e onde será dedicado ao cultivo da memória histórica desses bravos heróis brasileiros.
Ademais, os livros de História do Brasil o ensino do tema “Soldados da Borracha”, utilizados tanto nas escolas do ensino fundamental quanto nas escolas do ensino médio e fundamental de âmbito estadual e municipal, com a prévia e obrigatória capacitação e/ou preparação do corpo docente, implantação das políticas públicas educacionais específicas, nova aprovação dos projetos políticos pedagógicos de todas as escolas, bem como a obrigatoriedade da inclusão deste tema no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação.
Da mesma forma, como efeito irradiante do Direito à Verdade e à Memória, impõe-se a disponibilização, em meio digital, do acervo documental pertencente ao Museu do Seringueiro, localizado na cidade de Rio Branco/AC, bem como os demais documentos históricos eventualmente existentes nos arquivos da União. Assim, será democratizado o acesso à informação do tema “soldados da borracha”, ressaltando que tal instituição atualmente é um dos arquivos públicos que contêm um grande número de revistas e jornais da época.
Por fim, igualmente como decorrência da eficácia objetiva do Direito à Verdade e à Memória, impõe-se a criação de Comissão Específica, prevista na Diretriz 24, Ação Programática “b”, do Terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3 (Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009), a qual tem como objetivo reconstituir a história da repressão ilegal relacionada ao Estado Novo (1937-1945), em especial, para preservar a memória histórica e a construção pública da verdade sobre os soldados da Borracha.

3 DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL

Na moldura das tutelas de urgência, encontram-se os provimentos jurisdicionais antecipatórios (satisfativos) ou cautelares (conservativos) emitidos pelo Poder Judiciário em situações de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação.
De fato, em muitas situações, os direitos perseguidos em juízo não podem esperar efetivação mediante decisões finais baseadas em cognição exauriente. Claramente, as vicissitudes da vida criam riscos que, para serem evitados, exigem a tomada de decisões calcadas no exame superficial dos fatos (cognição sumária), para, assim, evitar-se o perecimento de direitos ou a perda do objetos a que se reportam os direitos.
Em harmonia com o princípio do acesso à justiça, o art. 12 da Lei nº 7.347/1985 prevê a possibilidade de o juiz, nos processos decorrentes de ações civis públicas,“conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”.
A toda evidência, o mandado liminar a que se refere o dispositivo acima citado tem natureza de antecipação dos efeitos da tutela, o que mostra seu caráter vanguardista, eis que, somente alguns anos depois da publicação da Lei da Ação Civil Pública – LACP (Lei n.º 7.347/1985), a tutela de urgência satisfativa foi generalizada para todos os procedimentos cíveis, graças à redação dada pela Lei n.º 8.952/1994 ao art. 273 do Código de Processo Civil.
No âmbito do microssistema de tutela coletiva (art. 21 da LACP e art. 90 do CDC), os requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional possuem previsão específica no art. 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, verbis: “Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.”
In casu, os soldados da borracha possuem cristalino direito à concessão da tutela antecipatória “inaudita altera parte”, em face da robustez de suas alegações, baseadas em princípios protetivos oriundos da ordem constitucional e de tratados internacionais de direitos humanos. Ademais, cada dia que se passa, representa o recrudescimento de um dano irreparável, uma vez que se trata de pessoas de idade extremamente avançada.



3.1 Verossimilhança das alegações e da prova inequívoca

A verossimilhança das alegações está amparada em amplas fontes como a Constituição Federal e tratados internacionais e na realidade fática, fazendo confrontar com os desatinos pregados pela parte requerida, em sempre esquivar-se da suas obrigações em relação aos soldados da borracha.
Aqui, não pode ser esquecida a imprescritibilidade das graves violações de direitos humanos, bem como o fato de que as violações aos Direitos à Verdade e à Memória se prolongam no tempo, por terem um caráter permanente. A prova inequívoca diz respeito à ampla documentação em anexo, a qual revela detalhes, inclusive por meio de documentários, de todos os episódios decorrentes da Batalha da Borracha.

3.2 Periculum in mora

Como já fora relatado anteriormente, o descaso do Governo brasileiro para com a situação dos soldados da borracha atravessa longos e dolorosos anos. Essa postura de silêncio e inanição adotada traz duras consequências nas vidas desses idosos.
Ainda hoje, é comum existirem antigos seringueiros que continuam vivendo em absoluto estado de pobreza e alguns desses idosos preferindo viver em estado de quase isolamento dentro da selva já que não possuem condições financeiras para viver dignamente na zona urbana de um município amazônico.
Ademais, nota-se uma grande mortalidade de soldados da borracha. Como a média da idade dos soldados da borracha sobreviventes é de 85 anos, muitos são aqueles que morrem antes que esse direito a indenização prometida durante o período da Segunda Guerra Mundial seja concretizado. Nas planilhas do Anexo II, estão apresentados gráficos contendo essa alarmante estatística.
O dado referente ao grande índice de mortes sofridas pelos idosos soldados da borracha que foi apresentado em Audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos62. Segundo o Sindicato dos Soldados da Borracha do Acre, ao longo do decorrer dos anos, é enorme o número de soldados da borracha e familiares que falecem sem ter seus direitos reconhecidos. A espera, além de ser muito longa, é dolorida.
Quanto mais se perpetua a omissão do Estado Brasileiro, mais consequências funestas avultam, havendo o esvaziamento do direito material a ser tutelado, ensejando, mediante simples elaboração de um juízo reflexivo, a conclusão no sentido de que a opção pela demora, pela postergação da prestação jurisdicional, somente levará à conclusão de que existe total incompreensão da relevante dimensão no resgate da dignidade dos soldados da borracha sobreviventes, fruto de inércia intelectual, sendo qualquer dos desses motivos, depoente em desfavor do prestígio da função jurisdicional.
Nesse contexto, conforme será requerido ao final, nada impede que seja determinada a antecipação dos efeitos da tutela de obrigação pecuniária, em situações marcadas por especificidades (no caso, as idades extremamente avançadas dos soldados da borracha), tal como decidiu o STF ao julgar a Suspensão de Tutela Antecipada n.º 223, verbis:

STF - Tutela Antecipada e Responsabilidade Civil Objetiva do Estado
O Tribunal, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto em suspensão de tutela antecipada para manter decisão interlocutória proferida por desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, que concedera parcialmente pedido formulado em ação de indenização por perdas e danos morais e materiais para determinar que o mencionado Estado-membro pagasse todas as despesas necessárias à realização de cirurgia de implante de Marcapasso Diafragmático Muscular - MDM no agravante, com o profissional por este requerido. Na espécie, o agravante, que teria ficado tetraplégico em decorrência de assalto ocorrido em via pública, ajuizara a ação indenizatória, em que objetiva a responsabilização do Estado de Pernambuco pelo custo decorrente da referida cirurgia, "que devolverá ao autor a condição de respirar sem a dependência do respirador mecânico".

Ajusta-se, aqui, perfeitamente, a lição de Plauto Faraco de Azevedo quando afirma: "Qualquer juiz, não importa a instância em que atue, "a fortiori" o juiz constitucional, precisa arrimar-se na técnica jurídica para decidir, com a clara consciência da necessidade de um juízo político, em que se incluem o senso de conveniência e de oportunidade e a prefiguração dos resultados da decisão".63
Destacamos que os soldados da borracha não podem mais ficar à mercê da boa vontade do Governo brasileiro que teima em não solucionar o problema gerado unicamente por sua omissão. Não podem eles ficar todo esse tempo prejudicados. Mas, com a concessão da presente medida, todos estes transtornos e riscos podem ser evitados.
Há, por isso, que dar vida aos preceitos constitucionais de respeito à tranquilidade, honra e dignidade dos soldados da borracha, até porque toda a lesão ou ameaça de lesão a direito não pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário (inc. XXXV, art. 5º e art. 25 do Pacto de São José da Costa Rica).
No caso em tela, os soldados da borracha sentem-se inteiramente prejudicados pela lesão ou ameaça de lesão a direito e, por isso, somente a antecipação dos efeitos da tutela poderá efetivamente salvaguardar o pleno acesso à justiça efetiva e célere.





4 DOS PEDIDOS

À vista do exposto, requerem os autores:

a) a tramitação prioritária, nos termos do Estatuto do Idoso, uma vez que os soldados da borracha é um grupo com média de idade de 85 anos;

b) o recebimento da petição inicial, reconhecendo-se, desde já, a abrangência nacional da presente Ação Civil Pública;

c) a intimação pessoal das Defensorias Públicas, de todos os atos processuais e a contagem dos prazos processuais em dobro, na forma do inciso I do art. 44 da Lei Complementar nº 80/1994;

d) a concessão de antecipação dos efeitos da tutela para a União ser obrigada a:
d.1) pagar imediatamente a indenização de, no mínimo, R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), para cada soldado da borracha (extensível aos dependentes), assim entendidos como os “seringueiros recrutados nos termos do Decreto-Lei nº 5.813, de 14 de setembro de 1943, e amparados pelo Decreto-Lei nº 9.882, de 16 de setembro de 1946”, bem como aqueles “que, atendendo a apelo do Governo brasileiro, contribuíram para o esforço de guerra, trabalhando na produção de borracha, na Região Amazônica, durante a Segunda Guerra Mundial” (art. 54, caput, e § 1º, do ADCT), conforme fundamentação do item 2.3.1 desta peça;
d.2) criar Comissão Específica, prevista na Diretriz 24, Ação Programática “b”, do Terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3 (Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009), a qual tem como objetivo reconstituir a história da repressão ilegal relacionada ao Estado Novo (1937-1945), em especial, para preservar a memória histórica e a construção pública da verdade sobre os Soldados da Borracha;

e) a citação da União para, querendo, apresentar resposta no prazo legal;

f) a procedência do pedido para que a União seja condenada, em definitivo, pagar indenização de, no mínimo, R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), para cada soldado da borracha (extensível aos dependentes), assim entendidos como os “seringueiros recrutados nos termos do Decreto-Lei nº 5.813, de 14 de setembro de 1943, e amparados pelo Decreto-Lei nº 9.882, de 16 de setembro de 1946”, bem como aqueles “que, atendendo a apelo do Governo brasileiro, contribuíram para o esforço de guerra, trabalhando na produção de borracha, na Região Amazônica, durante a Segunda Guerra Mundial” (art. 54, caput, e § 1º, do ADCT), confirmando-se a antecipação dos efeitos da tutela;

g) a procedência dos pedidos para que a União, em razão das graves violações de Direitos Humanos cometidas durante o período de intensificação da produção da borracha para o esforço dos Aliados na Segunda Guerra Mundial (14 de setembro de 1943 e 15 de agosto de 1945)64, seja condenada às seguintes reparações coletivas:

g.1) o pagamento de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de reais), a ser revertido, em parcelas iguais, para os Fundos de Direitos Difusos Federal e Estadual, nos termos do art. 13 da Lei n.º 7.347/85, devendo ser consignado, na sentença, que os recursos serão destinados às políticas públicas em prol da verdade e da memória dos seringueiros caracterizados como soldados da borracha, de forma como entender os conselhos gestores dos referidos fundos;

g.2) a construção de monumento em prol da memória dos soldados da borracha, o qual será destinado a homenagear todos aqueles que participaram da “Batalha da Borracha” e que foram mortos nos seringais da Região Amazônica;
g.3) a obrigação de favorecer a inclusão do tema “Soldados da Borracha” nos livros de História do Brasil, utilizados tanto nas escolas do ensino fundamental quanto nas escolas do ensino médio e fundamental de âmbito estadual e municipal, bem como a obrigatoriedade da inclusão deste tema no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação;

g.4) a disponibilização, em meio digital, do acervo documental pertencente ao Museu do Seringueiro, localizado na cidade de Rio Branco/AC, bem como os demais documentos históricos eventualmente existentes nos arquivos da União, como forma de democratização do acesso à informação do tema “soldados da borracha”;
g.5) a criação de Comissão Específica, prevista na Diretriz 24, Ação Programática “b”, do Terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3 (Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009), a qual tem como objetivo reconstituir a história da repressão ilegal relacionada ao Estado Novo (1937-1945), em especial, para preservar a memória histórica e a construção pública da verdade sobre os Soldados da Borracha, confirmando-se os efeitos da antecipação de tutela;

h) intimação do membro do Ministério Público Federal para atuar como fiscal da lei (LACP, art. 5º, § 1º).

i) a condenação da União as custas processuais e honorários advocatórios de sucumbência, que deverão ser revertidos em favor da DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (Conta Governo n.º 10.000-5, Agência 0002, CEF) e do FUNDO ESTADUAL DA DEFENSORIA PÚBLICA DO PARÁ, a ser depositado na Conta Corrente de n°. 182900-9 - Banco n°. 037, Agência n°. 015, instituído pela Lei Estadual n°. 6.717/2005.

Protesta provar o alegado por todos os meios admitidos em Direito, notadamente depoimento pessoal do requerido, sob pena de confesso, oitiva de testemunhas, juntada ulterior de documentos, audiência pública.

Dá à presente causa o valor de R$ 2.500.000.000,00 (dois bilhões e quinhentos milhões de reais).
Nestes termos, pedem deferimento.

Belém, 10 de dezembro de 2014; 66º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.


Carlos Eduardo Barros da Silva
Defensor Público do Estado do Pará






Francisco Eduardo Falconi de Andrade
Defensor Público Federal




Cláudio Luiz dos Santos
Defensor Público Federal





Lucas Cabette Fabio
Defensor Público Federal




















ANEXO I – LEGILAÇÃO SOBRE OS SOLDADOS DA BORRACHA

Essas são as legislações referentes à temática do soldado da borracha e que se sucederam ao longo dos anos até os dias atuais:
1) Decreto-lei n. 4.261, de 16 de abril de 1942- Abre ao Conselho de Imigração e Colonização o crédito especial de 2.000:000$0 (dois mil contos de réis) para amparo a trabalhadores nacionais, e dá outras providências.
2) Decreto-lei n.º 4.509, de 23 de julho de 1943 – Abre ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio o crédito especial de 7.736:190$0 (sete mil setecentos e trinta e seis contos e noventa mil réis) para a localização de trabalhadores no Vale do Amazonas, e dá outras providências.
3) Decreto-lei n.º 4.523, de 25 de julho de 1942 – Cria a Comissão de Controle dos Acordos de Washington, e dá outras providências.
4) Decreto-lei n.º 4.750, de 28 de Setembro de 1942 Mobiliza os recursos econômicos do Brasil e cria o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA), com sede em Fortaleza.
5) Decreto-lei n.º 4.841, de 17 de outubro de 1942 – Dispõe sobre o financiamento a ser concedido pelo Banco de Crédito da Borracha S.A para o desenvolvimento da produção da borracha e dá outras providências.
6) Decreto-lei n.º 5.225, de 1 de fevereiro de 1943 – Dispõe sobre a situação militar dos trabalhadores nacionais encaminhados para a extração e exploração de borracha no Vale Amazônico, e dá outras providências.
7) Decreto-lei n.º 5.044, de 4 de dezembro de 1942 – Cria a Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico (SAVA), e dá outras providências.
8) Decreto-lei n.º 5.381, de 7 de abril de 1943 – Aprova acordo entre a Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico (SAVA) e a Rubber Development Corporation.
9) Decreto-lei n.º 5.403, de 13 de abril de 1943 – Aprova acordo firmado entre a Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico (SAVA) e a Rubber Development Corporation.
10) Decreto-lei n.º 5.476, de 11 de maio de 1943 – Aprova acordo firmado entre a Comissão de Controle dos Acordos de Washington (CCAW) e o Governo do Estado do Mato Gross, Banco de Crédito da Borracha S.A. e a Rubber Development Corporation.
11) Decreto-lei n.º 5.813, de 14 de setembro de 1943 – Cria a Comissão Administrativa do Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia (CAETA). Aprova o acordo relativo ao recrutamento, encaminhamento e colocação de trabalhadores para a Amazônia, e dá outras providências.
12) Decreto-lei n.º 14.535, de 19 de janeiro de 1944 – Aprova acordo relativo ao recrutamento e encaminhamento de trabalhadores para a Amazônia.
13) Decreto-lei n.º 8.416, de 21 de dezembro de 1945 – Extingue a Comissão Administrativa do Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia (CAETA) e a Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico (SAVA) e dá outras providências.
14) Decreto-lei n.º 9.882, de 16 de setembro de 1946 – Autoriza a elaboração de um plano para a assistência aos trabalhadores da borracha.
15) Aviso n.º 1.262, de 18 de maio de 1943, do Ministério da Guerra – Dispõe sobre a situação militar dos trabalhadores nacionais encaminhados para o Vale Amazônico.
16) Aviso n.º 304, de 21 de março de 1947, do Ministério da Guerra – Dispõe sobre a situação militar dos trabalhadores encaminhados para o Vale Amazônico.
17) Portaria n.º 3.138, de 17 de abril de 1974 do Ministério do Trabalho e Previdência Social – Dispõe sobre a criação do grupo de trabalho interministerial para o exame do problema dos soldados da borracha.
18) Artigo 54 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal/1988 – Dispõe sobre a pensão mensal vitalícia dos seringueiros recrutados.
19) Lei n.º 7.986, de 28 de dezembro de 1989, alterada pela Lei n.º 9.711, de 20 de novembro de 1998. Regulamenta a concessão do benefício previsto no artigo 54 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências.
20) Portaria do Ministério da Previdência e Assistência Social n.º4.630, de 13 de março de 1990, que regulamenta o que se encontra disposto na Constituição.
21) Emenda Constitucional n.º78, de 14 de maio de 2014, que dá nova redação ao caput do art. 54 do ADCT e acrescenta art.544-A a este ato conferindo uma indenização de R$25 mil reais os seringueiros recrutados como soldados da borracha.












ANEXO II – GRÁFICOS

Baixa de Soldados da Borracha na Região Norte
No período de tempo (9 meses), perdemos cerca de 404 Heróis da Pátria, que faleceram sem que seus Direitos fossem efetivados.

Distribuição dos Soldados da Borracha na Região Norte.

Comparativo de Baixa Soldados da Borracha e Pensionistas no ACRE:
Em menos de um ano morreram no ACRE (Estado que concentra o maior número de soldados da borracha):
187 - Soldados da Borracha;
21 - Pensionistas de Soldados da Borracha.
Totalizando:
208 – Perdas de Soldados da Borracha e Pensionistas que faleceram e não poderão usufruir dos seus Direitos.










1 BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: um pouco-antes e além-depois. Coleção Amazoniana – 1. Editora Umberto Calderaro. Manaus. 1977, página 257.
2“No final de 1941, os países aliados viam o esforço de guerra consumir rapidamente seus estoques de matérias-primas estratégicas. E nenhum caso era mais alarmante do que o da borracha. A entrada do Japão no conflito determinou o bloqueio definitivo dos produtores asiáticos de borracha. Já no princípio de 1942, o Japão controlava mais de 97% das regiões produtoras do Pacífico, tornando crítica a disponibilidade do produto para a indústria bélica dos aliados. “ NECES, Marcus Vinicius. A heróica e desprezada batalha da borracha. http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/a_heroica_e_desprezada_batalha_da_borracha.html
3 REIS, Arthur Cezar Ferreira. Seringal e o Seringueiro. 2ª Ed. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1997, página 77.
4 Revista Época, n.º 306. 29 de março de 2004, PP 54-59.

5 MORALES. Lucia Arrais. Vai e vem, vira e volta: as rotas dos soldados da borracha. São Paulo: Annablume Editora, 2002, página 230.
6 Sobre as estatísticas, a antropóloga Lúcia Arraias Morales fala da “batalha dos números”. Depois de reconhecido o desastre, os funcionários do governo tenderam a diminuir as cifras enquanto os denunciadores a aumentar. As diferenças são grandes. Os primeiros afirmam terem sidos encaminhados 34,4 mil e os outros 54,4 mil entre trabalhadores e dependentes. A própria CPI realizada em 1946 não conseguiu chegar a uma conclusão a este respeito. Porém, um dos grandes problemas, tanto para a pesquisa realizada pela CPI como para as próprias famílias dos trabalhadores, foi saber qual tinha sido o destino final de cada um dos trabalhadores, quantos morreram, as circunstâncias de sua morte e posterior sepultamento.
7 Disponível em http// WWW.ariquemes.com.br e WWW.geocities.com/2a_guerra/borracha.htm.
8 “Estima-se que entre 15 mil a 20 mil soldados da borracha tenham morrido nas profundezas da Amazônia. Para comparação, o número de brasileiros mortos na Batalha da Europa ficou em 465.” BOTELHO, José Francisco. In: 10 anos de Aventuras na História: as reportagens fundamentais. São Paulo: Abril, 2013, p. 110.
9 BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: um pouco-antes e além-depois. Coleção Amazoniana – 1. Editora Umberto Calderaro. Manaus. 1977, página 257.
10DIÁRIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE..., 1946, p. 256.
11 Diário do Congresso Nacional. Ano I. n.º 3. Quinta-feira 26 de setembro de 1946, p. 37.
12 Decreto-Lei nº 9.882 – de 16.09.1946. Autoriza a elaboração de um plano para a assistência aos trabalhadores da borracha. Art. 1º O Departamento Nacional de Integração* do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e a Comissão de Controle dos Acordos de Washington do ministério da Fazenda, elaborarão um plano para a execução de um programa de assistência imediata aos trabalhadores encaminhados para o Vale Amazônico, durante o período de intensificação da produção da borracha para o esforço de guerra.
13DIARIO CONGRESSO NACIONAL, 1947, p.4081
14 AZIZE, Beth. Correio Braziliense, Brasília, nº 9197, página 4, 22-6-1988. Disponível em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/121577 Acesso em agosto de 2012.

15Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
[…]
II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007)
16 Neste sentido: REsp 912849/RS, Rel. Min. José Delgado, 1ª Turma, julgado em 26/02/2008, DJe 28/04/2008
17 Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
[…] III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,      especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;”
18LEONEL, Ricardo Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 259.
19Nesse sentido, conferir: AG 2006.04.00.026331-1/SC, Rel. Min. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJU 01/11/2006, p. 766/768.
20Promulgada pelo Decreto n.º 19.841, de 22 de outubro de 1945.
21 “[...] a Corte Internacional de Justiça decidiu expressamente pelo caráter de norma costumeira da Declaração Universal dos Direitos do Homem, considerada como elemento de interpretação do conceito de direitos fundamentais insculpido na Carta da ONU”. RAMOS, André de Carvalho. O Supremo Tribunal Federal e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. In: Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal: balanço e crítica. Coord.: SARMENTO, Daniel e SARLET, Ingo Wolfgang. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 05.
22 Promulgado pelo Decreto n.º 592, de 6 de julho de 1992.
23 Promulgado pelo Decreto n.º 591, de 6 de julho de 1992.
24 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Paniagua Morales y otros, sentença de 8 de março de 1998.
25 Caso Velasquez Rodriguez, sentença de 29 de julho de 1988, par.174. Caso Gondínez Cruz, sentença de 20 de janeiro de 1989, par. 187.
26 Cf. Caso Baldeón García; Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa; Caso do Massacre de Pueblo Bello; Caso do Massacre de Mapiripán;Caso Comunidade Indígena Yakye Axa; Caso Huilca Tecse, Sentença de 3 de março de 2005. Série C, nº 121, par. 65 e 66; Caso “Instituto de Reeducação do Menor”. Sentença de 2 de setembro de 2004. Série C, nº 112, par. 156 e 158; Caso dos Irmãos Gómez Paquiyauri. Sentença de 8 de julho de 2004. Série C, nº 110, par. 128 e 129 ; Caso 19 Comerciantes. Sentença de 5 de julho de 2004. Série C, nº 109, par. 153; Caso Myrna Mack Chang. Sentença de 25 de novembro de 2003. Série C, nº 101, par. 152 e 153; Caso Juan Humberto Sánchez; e Caso dos “Meninos de Rua” (Villagrán Morales e outros) . Sentença de 19 de novembro de 1999. Série C, nº 63, par. 144.
27 Cf. Caso Baldeón García; Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa; Caso do Massacre de Pueblo Bello; Caso do Massacre de Mapiripán; Caso Comunidade Indígena Yakye Axa; Caso Huilca Tecse, Sentença de 3 de março de 2005. Série C, nº 121, par. 65 e 66; Caso “Instituto de Reeducação do Menor”. Sentença de 2 de setembro de 2004. Série C, nº 112, par. 156 e 158; Caso dos Irmãos Gómez Paquiyauri. Sentença de 8 de julho de 2004. Série C, nº 110, par. 128 e 129 ; Caso 19 Comerciantes. Sentença de 5 de julho de 2004. Série C, nº 109, par. 153; Caso Myrna Mack Chang. Sentença de 25 de novembro de 2003. Série C, nº 101, par. 152 e 153; Caso Juan Humberto Sánchez; e Caso dos “Meninos de Rua” (Villagrán Morales e outros) . Sentença de 19 de novembro de 1999. Série C, nº 63, par. 144.
28 Corte IDH, Caso de la Masacre de Pueblo Bello vs. Colombia. Sentencia de 31 de enero de 2006. Serie C no. 140, párr.. 219. Ver también: Corte IDH, Caso Bámaca Velasquez Vs. Guatemala. Sentencia de 25 de noviembre de 2000. Serie C No. 70.
29 Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello vs. Colombia. Sentencia de 31 de enero de 2006. Serie C no. 140, párr.. 120.
30 CORTE CONSTITUCIONAL DE COLOMBIA. Sentencia T-427 de 1998.
31 CORTE CONSTITUCIONAL DE COLOMBIA. Sentencia T-427 de 1998.
32 REYES V, Alejandra. El derecho a la integridad, p. 17-19.
33 Artículos 5 y 27 de la Convención Americana. Véase, además, Caso “Instituto de Reeducación del Menor” Vs. Paraguay. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 2 de septiembre de 2004. Serie C No. 112, párr. 157.
34Artigo 17. Proteção da família1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado.
35 CORTE IDH. Propuesta de Modificación a la Constitución Política de Costa Rica Relacionada con la Naturalización. Opinión Consultiva OC-4/84 del 19 de enero de 1984. Serie A No. 4. §55.
36 CORTE IDH. Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados. Opinión Consultiva OC-18/03 de 17 de septiembre de 2003. Serie A No. 18. § 84.
37 CORTE IDH. Atala Riffo y Niñas Vs. Chile. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia del 24 de febrero de 2012. Serie C No. 239. § 81.
38 NACIONES UNIDAS. Comité de Derechos Humanos. Observación General No. 18. No discriminación. 10 de noviembre de 1989. CCPR/C/37. § 6.
39 CORTE IDH. Caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia del 24 de febrero de 2012. Serie C No. 239. § 85
40 Comissão Interamericana de Direitos Humanos. AG/RES. 2175 (XXXVI-O/06). El derecho a la verdad. Aprobada en la cuarta sesión plenaria, celebrada el 6 de junio de 2006. Disponível em: <http://www.cidh.os.org/annualrep/2006sp/cap2a.2006.sp.htm.> Acesso em janeiro de 2013.
41 En algunos casos, la Comisión no ha invocado el Artículo 13 dentro del marco de casos sobre el derecho a la verdad. Véase, por ejemplo Caso 10.258, Informe Nº 1/97, Ecuador, Manuel García Franco, 12 de marzo de 1997; Caso 10.606, Informe Nº 11/98, Samuel de la Cruz Gómez, Guatemala, 7 de abril de 1998; Caso 11.275, Informe Nº 140/99, Guatemala, Francisco Guarcas Cipriano, 21 de diciembre de 1999; Casos 10.588 (Isabela Velásquez y Francisco Velásquez), 10.608 (Ronal Homero Nota y otros), 10.796 (Eleodoro Polanco Arévalo), 10.856 (Adolfo René y Luis Pacheco del Cid) y 10.921 (Nicolás Matoj y otros), Informe Nº 40/00, Guatemala, 13 de abril de 2000. Un examen de los hechos de varios casos tocantes al derecho a la verdad pareciera indicar que la para la Comisión el Artículo 13 reviste suma importancia en los casos relacionados con leyes de amnistía.  Esto obedece al hecho de que cuando se promulga una ley de amnistía, no queda oportunidad para la acción judicial contra los responsables de los delitos y la información es el único medio por el cual los familiares de las víctimas pueden obtener alguna forma de reparación. Además, en esos casos la información es esencial porque los miembros de la sociedad deben tener noción de los abusos que se haya cometido para vigilar y evitar su repetición en el futuro.
42 Caso 10.480, Informe Nº 1/99, El Salvador, Lucio Parada Cea, Héctor Joaquín Miranda Marroquín, Fausto García Funes, Andrés Hernández Carpio, Jose Catalino Meléndez y Carlos Antonio Martínez, 27 de enero de 1999.
43 “Que toda pessoa, incluindo os familiares e a própria comunidade vítimas de graves violações dos direitos humanos, tem o direito a conhecer a verdade sobre as circunstâncias e fatos relativos a tais violências, como decorrência do próprio direito à vida (art.4º, Convenção Americana dos Direitos Humanos), à informação (art.7 (4) e 13, CIDH) e ao devido processo legal (art. 8º, CIDH). (CIDH, 2004 apud MARTINS, 2008, p.50-51)”Caso “Carpio Nicolle y otros. Sentença de 22.11.2004.; Caso “Masacre Plan de Sánchez” sentença de 19.11.2004. Caso “Tibi”. Sentença de 7.9.2004. Todos disponíveis em: <http://www.corteidh.or.cr >
44 Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010. Serie C. n.º 219, p. 115 -116. Disponível em: < www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf> Acesso em fevereiro de 2013.
45SECRETARIA ESPECIAL DIREITOS HUMANOS. 2010, p. 209
46 SILVA, Carlos Eduardo Barros da. Memória Histórica como um Direito Humano Fundamental: o caso dos soldados da borracha. A proteção dos Direitos Fundamentais pela Defensoria Pública: volume 2. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2014, págs. 116 e 117.
47 Caso Barrios Altos versus Peru. Fondo. Sentencia de 14 de marzo de 2001. Serie C n.º 75. http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_75_esp.pdf
48 Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. Sentencia de 26 de septiembre de 2006. Serie C n.º 154. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf.> Acesso em 20/02/2013.
49 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010.
50Idem.
51STF, ADPF 153, Relator: Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2010, DJe-145 DIVULG 05-08-2010, PUBLIC 06-08-2010, RTJ VOL-00216- PP-00011.
52STJ, AgRg no AG 1.428.635-BA, Segunda Turma, DJe 9/8/2012; e AgRg no AG 1.392.493-RJ, Segunda Turma, DJe 1/7/2011. REsp 1.374.376-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 25/6/2013.
53TRF-1, HC 680639220124010000, Desembargador Federal Olindo Menezes, Quarta Turma, e-DJF1, DATA:06/12/2013, pág.:1389. Nesse julgado, determinou-se o trancamento de ação penal movida pelo Ministério Público Federal em detrimento de Sebastião Curió, mas se determinou a licitude das investigações destinadas a reconstrução da verdade histórica.
54 Como entidade da sociedade civil organizada representativa dos soldados da borracha, destaca-se o Sindicato dos Seringueiros do Estado do Acre, o qual, em 2002, era constituído por mais de três mil sobreviventes.
55 Caso dos “Meninos de Rua” (Villagrán Morales e outros) versus Guatemala. Reparações e Custas. Sentença de 26 de maio de 2001. Caso Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, de 24 de novembro de 2010.

56SARKIN, Jeremy. O advento das ações movidas no Sul para reparação por abusos dos direitos humanos. Sur, Revista Internacional direitos humanos. vol.1 no.1 São Paulo  2004. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452004000100005

57 Notas taquigráficas da Sessão Solene n.º013.4.54N. Datado do dia 14.05.14. Plenário Principal do Senado Federal páginas 223, 22 e 225.
58 As imagens do discurso podem ser visualizadas no link: https://www.youtube.com/watch?v=ERe4cFdPPlE
59 STF, AI 762184 RG, Relator(a): Min. Cezar Peluzo, julgado em 22/10/2009, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-16 PP-02990.
60 RAMOS, André de Carvalho. Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo. In: Revista dos Tribunais. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 25, jan./mar. 1998. p. 80-98
61 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2004, p. 155.
62 Dados apresentados no Requerimento apresentado pela Defensoria Pública do Pará e Sindicatos dos Soldados da Borracha do Acre e Rondônia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos solicitando a realização de audiência em prol dos soldados da borracha no 143º Período de Seções .
63 AZEVEDO, Plauco Faraco. Criação Judicial do Direito, Revista dos Tribunais, p. 156.

64 Datas de publicação do Decreto-lei n.º 5.813/1943, que criou a C.A.E.T.A. e da rendição do Japão.

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