quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Peças relevantes: atuação institucional da DPU na execução penal como expressão e instrumento do regime democrático.


A Defensoria Pública da União deduziu pleito de vista de todos os processos de execução penal na seção judiciária de Manaus objetivando analisar a pertinência de aplicação do decreto de indulto, que foi publicado somente no dia 24/12/2014. Foi indeferido, sob argumento que somente poderia postular individualmente e apenas nos processos em que a DPU atua. 

O eminente defensor público federal João Thomas Lunchinger elaborou o pedido de reconsideração, cuja leitura vale a pena.




Exma. Sra. Dra. Juíza Federal Plantonista da Seção Judiciária do Estado do Amazonas.




  A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, através de seu plantonista, postulou através do ofício 299/14-Gab Of Dir Militar vista mediante carga de todos os processos criminais em execução de pena, provisória ou não, de maneira a viabilizar a análise, em regime de plantão, da ajuizamento de pleito de aplicação do Decreto 8.380/14.

  O MM Juiz Federal Plantonista entendeu descabido o pedido de vistas genérico, devendo a DPU “individualizar as ações em que atua e em relação as quais pretende ter vistas dos autos”. (anexo).

  Não se atentou que no particular a DPU postulou não na qualidade de postulante de direitos individuais, mas sim na função de órgão de execução penal.

A Lei 12.313/10 incluiu a Defensoria Pública na lista de órgãos da execução penal. A postulação em questão se insere nesta atribuição institucional.

  O dispositivo normativo, consolidou o que poderia aparentar uma atuação atípica da Defensoria, que passa, na execução penal a atuar numa dupla perspectiva: tanto no usual exercício estrito da defesa daqueles economicamente hipossuficientes como no exercício de uma curadoria de defesa.

  Trata-se de dar dar efetividade à Constituição da República (art. 134), cláusula aberta, que gradativamente, com o aperfeiçoamento da República e da Democracia brasileiras, vem atribuindo novas funções institucionais às defensorias, como é o caso do presente e se exemplifica ainda, transcendendo a intervenção em prol do economicamente hipossuficiente, a atuação em favor do acusado indefeso no processo penal; na atividade da curadoria especial (art. 4º, XVI, da Lei nº 80/94); na atuação em prol de toda criança ou adolescentes (art. 141, ECA); e em favor de toda e qualquer mulher vítima de violência (art. 28, da Lei nº 11.340/06).

  As necessidades Republicanas impõe a atuação da DPU em postulações que versem acerca na tutela de direitos coletivos, conforme amplamente consagrado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores e consolidado na Lei nº 11.448/07.

  A atuação como curador de defesa na execução criminal tem como pressuposto a necessidade técnica-jurídica daqueles que estão em cumprimento de pena, ainda que provisória. É a Lei de Execução Penal, que estabelece que a Defensoria Pública “velará pela regular execução da pena e da medida de segurança” (art. 81-A), poderá requerer “todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo” (Art. 81-B, I, ‘a’) e representará “ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa para instauração de sindicância ou procedimento administrativo em caso de violação das normas referentes à execução penal”.

  Hermeneuticamente é de se observar que a partir da LC nº 132/09, consolida-se a transmudação da Defensoria Pública, em virtude da Instituição passar a ser considerada como “expressão e instrumento do regime democrático” e de se consagrar, definitivamente, que à Defensoria Pública cabe a “promoção dos direitos humanos”. O pedido de vistas que não é genérico, mas objetivamente identificável assegura que a DPU intensifique e expanda sua atuação para abarcar indivíduos que por estarem submetidos ao cumprimento de penas impostas pelo Estado, e existindo um Decreto de Indulto Presidencial que veio à luz durante o plantão de recesso forense, necessitam que haja uma avaliação e eventual postulação em seu favor. E isso somente será possível com o deferimento do pleito de vistas objetivamente formulado.

  É um pleito que objetiva dar maior efetividade e maior amplitude à defesa técnica, a ampla defesa constitucionalmente assegurada.

  Oportuna a citação de Luigi Ferrajoli, em sua obra Direito e Razão:

A segunda condição concerne à defesa, que deve ser dotada da mesma dignidade e dos mesmos poderes de investigação do Ministério Público. Uma igual equiparação só é possível se ao lado do defensor de confiança é instituído um defensor público, isto é, um magistrado destinado a funcionar como Ministério Público de Defesa, antagonista e paralelo ao Ministério Público de Acusação. A instituição dessa "magistratura" ou "tribuna de defesa" como uma ordem separada tanto da judicante como da postulação foi propostas por Filangieri, por Bentham, e depois Carrara e por Lucchini, sob pressuposto de que a tutela dos inocentes e a refutação das provas de culpabilidade integram funções de interesses não menos público de punição dos culpados e da colheita das provas a cargo da acusação. É claro que apenas desse modo seria eliminada a disparidade institucional que de fato existe entre acusação e defesa, e que confere ao processo, ainda mais que o segredo e que a escritura, caráter inquisitório”.

  A postulação se insere na ideia de incrementar a efetividade da defesa, sem que isso represente invasão de atribuição de quem quer que seja, especialmente eventuais advogados constituídos ou nomeados como dativos, já que bem pontual e restrito o âmbito de análise e eventual postulação. Ao contrário do que transparece na decisão, a Defensoria Pública, como órgão da execução penal, tem legitimidade para postular interesse de qualquer pessoa em cumprimento de pena.

  Assim, melhor fundamentadas as razões, fundamentos e motivos da postulação, espera seja a decisão reconsiderada e determinada com a urgência possível vista de todas as ações penais, processos ou procedimentos de execução de pena, provisórios ou não, em curso na seção judiciária do Estado do Amazonas, de maneira a viabilizar a análise por parte da DPU, preferentemente ainda em regime de plantão, da pertinência ou não de se formular pleito de aplicação do Decreto 8.380/2014.

A. deferimento.

Manaus, 29 de dezembro de 2014.


João Thomas Luchsinger
Defensor Público Federal
OAB-Am 186/A

Nenhum comentário:

Postar um comentário