quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Decisões relevantes: TRF 2ª Região. Sentença não pode ser suspensa por portaria administrativa, ainda que editada por juízes



  O TRF da 2ª Região julgou mandado de segurança impetrado pela AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT contra ato de juízes federais, consubstanciado em portaria administrativa que suspendeu a execução de sentenças transitadas em julgado, com o objetivo de determinar a demolição de construções na faixa de domínio da rodovia ou em área non aedificandi contígua à rodovia BR-040, pelo prazo de 1 (um) ano.

  O Ministério Público Federal opinou pela denegação da segurança, ao argumento de que a hipótese exigiria uma ponderação acerca do momento ideal para a realização das demolições das moradias irregulares. Aduz, ainda, que a notícia de demolição gerou uma comoção social, deixando a questão de ser um conflito particular entre CONCER e ANTT. Aduz, por fim, que as demolições violariam o direito constitucional à moradia e à dignidade da pessoa humana, não tendo os juízes pretendido anular ou fazer um reexame das decisões que determinaram as demolições, o que feriria a coisa julgada, mas modular os efeitos desses julgados, evitando-se jogar ao relento mais de 300 famílias.

  Entretanto, entendemos que acertou a Egrégia Corte Regional ao conceder a segurança pleiteada, determinando aos juízes que examinem em cada processo judicial, observado o devido processo legal, a existência de fato superveniente impeditivo, modificativo ou obstativo do direito à execução da decisão transitada em julgado. A suspensão da execução de sentenças judiciais transitadas em julgado, promovida de ofício por meio de portaria administrativa, viola a garantia constitucional da coisa julgada, bem como as garantias de ampla defesa e do contraditório quanto às partes beneficiadas pelas sentenças.


XII - MANDADO DE SEGURANÇA  2014.02.01.007697-4 

Nº CNJ:0007697-89.2014.4.02.0000
RELATOR:DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO
IMPETRANTE:AGENCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT
PROCURADOR:FRANK LARRUBIA SHIH
IMPETRADO:DIRETOR DE SUBSEÇÃO JUDICIARIA DE PETROPOLIS
IMPETRADO:EXMO. JUIZ FEDERAL TITULAR DA 1ª VARA FEDERAL DE PETROPOLIS
IMPETRADO:EXMO. JUIZ FEDERAL TITULAR DA 2ª VARA FEDERAL DE PETROPOLIS
IMPETRADO:EXMO. JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO DA 1ª VARA DE PETROPOLIS
IMPETRADO:EXMO. JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO DA 2ª VARA DE PETROPOLIS
ORIGEM:TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL (201402010076974)



RELATÓRIO 
     Trata-se de Mandado de Segurança interposto pela AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES (ANTT), contra ato dos juízes federais da Subseção Judiciária de Petrópolis-RJ, os quais, conjuntamente, editaram a Portaria nº JFRJ-POR-2014/00472, de 13 de junho de 2014, suspendendo as execuções das decisões judiciais, transitadas em julgado, prolatadas nas ações ajuizadas pela Companhia de Concessão Rodoviária Juiz de Fora-Rio (CONCER) e pela ANTT, na Subseção Judiciária de Petrópolis-RJ, com o objetivo de determinar a demolição de construções na faixa de domínio da rodovia ou em área non aedificandi contígua à rodovia BR-040, pelo prazo de 1 (um) ano.

     Aduz a impetrante, em síntese, o seguinte: a) a suspensão é genérica, não distinguindo situações em que a remoção das famílias e a demolição de construções irregulares se façam necessárias e urgentes; b) não houve concordância da impetrante com a “imprescindibilidade da suspensão”; c) o ordenamento jurídico não admite que uma portaria possa suspender os efeitos da coisa julgada e o cumprimento de sentenças; d) os casos de suspensão processual estão previstos nos arts. 275 e 791 do Código de Processo Civil; e) o ato coator representa um risco sistêmico na medida em que poderia ser imitado por outras varas federais, acarretando o esvaziamento da missão da agência reguladora e do resultado útil do processo; f) é dever do município concretizar o direito de moradia, não sendo a ANTT e a CONCER os responsáveis pela situação adversa dos moradores da rodovia; g) a ANTT e a CONCER são acusadas de omissão no seu dever de fiscalizar a integridade da rodovia federal, mas quando estão cumprindo o seu dever, surgem embaraços ou incidentes processuais de modo a paralisar os processos e impedir a remoção das construções irregulares.

     A CONCER, às fls. 52/74, requereu o seu ingresso, com fulcro no art. 46 do CPC, como litisconsorte ativo da impetrante, sob o fundamento de que a concessionária, em 31 de outubro de 1995, passou a ser detentora do direito de concessão para a recuperação, a monitoração, o melhoramento, a manutenção, a conservação, a operação e a exploração da Rodovia BR-040/MG/RJ, sendo autorizada por lei a demandar sobre a faixa de domínio da aludida rodovia “no trecho concedido para sua administração, de onde deflui a necessidade da tutela jurisdicional para manter, a área afetada para fins rodoviários, livre de ocupações irregulares.” Sustenta que na região de Petrópolis, existe uma especificidade, em relação à Comunidade Moinho Preto, pois muitos ocupantes teriam sido levados para àquela área em decorrência de uma enchente ocorrida no ano de 1988, antes da concessão. Na sequência, aduz o seguinte: a) a portaria contraria o disposto no inciso LXXVIII do art. 5º, da Constituição Federal, bem como os interesses da CONCER e da ANTT, autarquia com atribuições específicas para zelar pelos interesses da União; b) o seu ingresso na demanda está amparado no disposto no art. 1º, § 3º da Lei nº 12.016/2009 e no art. 46 do CPC; c) a suspensão dos efeitos de uma liminar ou de uma sentença, através de ato de uma única pessoa - o juiz - é inconstitucional, quando se está em jogo valores constitucionais; d) a portaria fere os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, inviabilizando o próprio exercício do duplo grau de jurisdição; e) a propositura do writ é adequada porque a portaria afronta direito líquido e certo das impetrantes.

     A União Federal, à fl. 77, manifestou-se, alegando não ter interesse em ingressar nos autos.

     As informações foram prestadas pelos juízes da Subseção de Petrópolis, às fls. 79/124, os quais sustentaram, em síntese, que: a) a portaria fundamenta-se em direitos fundamentais dos cidadãos, não sendo genérica; b) a varas da Subseção possuem um acervo de 300 ações que pretendem a demolição de bens imóveis construídos dentro da faixa de domínio da rodovia BR-040, tendo sido suspensas as que se encontram na fase de execução, por um prazo fixo de um ano, a fim de permitir a adoção de medidas que visem garantir o direito constitucional de moradia; c) a notícia de demolições gerou protestos e manifestações, inclusive com o fechamento da rua onde está instalada a Subseção de Petrópolis; d) a portaria revela a atitude ativista dos juízes; e) houve uma omissão do Estado em seu poder/dever de fiscalizar e impedir a construção de imóveis em áreas de risco por mais de 30 anos, justificando-se a suspensão das ações por um ano; f) a medida privilegia princípios constitucionais da razoabilidade, de direito à moradia e da proteção dos direitos humanos.

     O Ministério Público Federal manifestou-se, às fls.127/137, opinando pela denegação da segurança, sob o fundamento de que a hipótese exige uma ponderação acerca do momento ideal para a realização das demolições das moradias irregulares. Aduz, ainda, que a notícia de demolição gerou uma comoção social, deixando a questão de ser um conflito particular entre CONCER e ANTT. Aduz, por fim, que as demolições violariam o direito constitucional à moradia e à dignidade da pessoa humana, não tendo os juízes pretendido anular ou fazer um reexame das decisões que determinaram as demolições, o que feriria a coisa julgada, mas modular os efeitos desses julgados, evitando-se jogar ao relento mais de 300 famílias.

     É o relatório. Peço dia para julgamento.
RICARDO PERLINGEIRO
Desembargador Federal

VOTO 
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO:
(RELATOR) 
     Consoante relatado, trata-se de Mandado de Segurança interposto pela AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES (ANTT), contra ato dos juízes federais da Subseção Judiciária de Petrópolis-RJ, os quais, conjuntamente, editaram a Portaria nº JFRJ-POR-2014/00472, de 13 de junho de 2014, suspendendo as execuções das decisões judiciais, transitadas em julgado, prolatadas nas ações ajuizadas pela Companhia de Concessão Rodoviária Juiz de Fora-Rio (CONCER) e pela ANTT, na Subseção Judiciária de Petrópolis-RJ, com o objetivo de determinar a demolição de construções na faixa de domínio da rodovia ou em área non aedificandi contígua à rodovia BR-040, pelo prazo de 1 (um) ano.

     O ato coator foi editado com base nas seguintes considerações:
    CONSIDERANDO a tramitação na Subseção Judiciária de Petrópolis de centenas de ações ajuizadas pela CONCER e pela ANTT com o escopo de demolir construções irregulares na faixa de domínio da rodovia BR-040 ou em área adjacente non aedificandi;
    CONSIDERANDO o trânsito em julgado de decisões no sentido de determinar a demolição das construções em comento, cujo cumprimento irá agrava sobremaneira a precária situação das pessoas sujeitas a seus efeitos, sem que se tenha assegurado auxílio do Poder Público tendente a assegurar o direito fundamental à moradia incrustado no art. 6º da Constituição, essencial à garantia do mínimo existencial, projeção do postulado da dignidade da pessoa humana;
    CONSIDERANDO que, ante o quadro supra, foram realizadas reuniões com a participação do Ministério Público Federal, do DNIT, da ANTT, da CONCER, do CDDH de Petrópolis e de moradores da BR-040, com o escopo precípuo de buscar ações dos Poderes Públicos no sentido de minimizar os inegáveis impactos sociais negativos derivados do cumprimento das decisões judiciais em tela, visando a resguardar o direito à moradia daqueles alcançados pelos efeitos subjetivos da coisa julgada;
    CONSIDERANDO que, à vista do resultado dessas reuniões, concluiu-se pela imprescindibilidade de se suspender a execução das decisões judiciais precitadas, visando a permitir aos entes mencionados promover ações convergentes para alcançar os fins perseguidos, em lapso temporal adequado;
    CONSIDERANDO que, instado a se manifestar sobre o tema (Ofício no JRRJ-OFI-2014/06688) o Ministério Público Federal (Ofício/PRM/Petrópolis/GAB/CP no 21/2014) opinou favoravelmente à suspensão das ações sobreditas judiciais, pelo prazo mínimo de 1 (um) ano. 
     A Constituição Federal consagra, no art. 5º, XXXVI, a intangibilidade da coisa julgada como uma garantia constitucional que se presta a resguardar a segurança jurídica, prevista com um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

     Nesse contexto, a coisa julgada somente deve ser restringida à luz de uma situação concreta e frente à ponderação de outros valores igualmente fundamentais.

     No caso vertente, verifica-se que o ato coator está pautado em razões sociais, visando a portaria impugnada proteger, em última análise, ao direito fundamental de moradia daqueles residentes na BR-040.

     Em que pese ser compreensível que a autoridade judiciária busque minimizar o impacto social gerado pelo cumprimento de suas decisões, as soluções não prescindem da observância às garantias do devido processo legal, isto é, não podem advir de decisões de caráter geral e abstrato.

     Um conflito entre direitos fundamentais, cuja solução dependa de um juízo de ponderação, deve ser dirimido dentro do próprio processo judicial em que a lesão tenha sido constatada. Devidamente avaliadas as circunstâncias individuais de cada situação e observado o princípio do contraditório, torna-se possível estabelecer a prevalência de um dos direitos fundamentais em jogo.

     No tocante ao pedido formulado pela CONCER, que requereu o seu ingresso na qualidade de litisconsorte ativo necessário, vale ressaltar que a jurisprudência vem admitindo, apenas em caráter excepcional, tal modalidade de intervenção, uma vez que a mesma, em tese, implica na limitação do acesso à justiça de um dos lesionados.

     Frise-se que a inclusão necessária de demandante - no polo ativo - condiciona-se à existência de uma relação de direito material estabelecida entre as partes.

     No caso em apreço, a lesão anunciada pela CONCER tem por fundamento a mesma portaria questionada pelo impetrante. Contudo, embora idêntica a causa de pedir remota, nada impede que as partes formulem seus pleitos de forma individual, valendo-se de ações autônomas. Nesse caso, haveria uma mera conexão entre os feitos que poderia justificar a reunião dos processos para julgamento simultâneo, evitando-se a prolação de decisões contraditórias.

     Desse modo, afasto a possibilidade de ingresso na CONCER na qualidade de litisconsorte ativo necessário. Entretanto, em homenagem ao princípio da economia processual e com o propósito de assegurar a harmonia dos julgados, admito a sua inclusão na condição de litisconsorte ativo facultativo.

     Em conclusão, deve a ordem ser concedida, sem prejuízo de que os MM. Juízes examinem em cada processo judicial, observado o devido processo legal, a existência de fato superveniente impeditivo, modificativo ou obstativo do direito à execução da decisão transitada em julgado.

     Ante o exposto, CONCEDO A SEGURANÇA.
     
É como voto.
RICARDO PERLINGEIRO
Desembargador Federal
EMENTA 
MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. PORTARIA JFRJ-POR-2014/00472/2014. CONTROLE JURISDICIONAL. AFRONTA À COISA JULGADA. POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO JUDICIAL SOMENTE À LUZ DO CASO CONCRETO. LITISCONSÓRCIO ATIVO FACULTATIVO. ADMINSSIBILIDADE.
1. Mandado de Segurança contra ato dos juízes federais da Subseção Judiciária de Petrópolis, os quais, conjuntamente, editaram a Portaria nº JFRJ-POR-2014/00472, suspendendo as execuções das decisões judiciais, transitadas em julgado, prolatadas nas ações ajuizadas pela CONCER e pela ANTT, naquela localidade, com o objetivo de determinar a demolição de construções na faixa de domínio ou em área non aedificandi contígua à rodovia BR-040, pelo prazo de um ano.
2. A intangibilidade da coisa julgada é uma garantia constitucional que se presta a proteger a segurança jurídica, prevista com um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. A coisa julgada deve ser restringida somente à luz do caso concreto e frente à ponderação de outros valores igualmente fundamentais.
3. O conflito de interesses, cuja solução dependa de uma ponderação, precisa ser dirimido dentro do próprio processo judicial em que a lesão for identificada. Devidamente avaliadas as circunstâncias individuais de cada situação e observado o princípio do contraditório, torna-se possível estabelecer a prevalência de um dos direitos fundamentais em colisão.
4. Mandado de segurança concedido, sem prejuízo de que os juízes examinem, em cada processo judicial, observado o devido processo legal, a existência de fato superveniente impeditivo, modificativo ou obstrutivo do direito à execução da decisão transitada em julgado.
5. A inserção de demandante - no polo ativo - condiciona-se à existência de uma relação de direito material estabelecida entre as partes. In casu, embora idêntica a causa de pedir remota - edição da portaria administrativa-, não há impedimento para que a ANTT e a CONCER formulem seus pleitos através de ações autônomas, razão pela qual não se configura hipótese de litisconsórcio ativo necessário. Contudo, em homenagem ao princípio da economia processual, deve ser admitido o ingresso da CONCER na qualidade de litisconsorte ativo facultativo.
6. Ordem concedida.

ACÓRDÃO 
     Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, conceder a ordem ao Mandado de Segurança, na forma do relatório e do voto constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado.
     Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2014 (data do julgamento).
RICARDO PERLINGEIRO
Desembargador Federal

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