
Ocorre que essa súmula contraria o disposto no art. 4º, XXI, da Lei Complementar n. 80/94 (inserido pela LC n. 132/2009), o qual estabelece como função institucional da Defensoria Pública "executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores".
É regra básica de hermenêutica que não existem palavras inúteis no texto da lei. A cada palavra deve ser agregado significado útil a sua aplicação e a posição do STJ que nega verbas sucumbenciais a Defensoria Pública quando atua contra ente público da mesma esfera a que pertence simplesmente nega utilidade a expressão legal "QUAISQUER entes públicos". Ora, se subtrairmos a palavra "quaisquer" do dispositivo legal, segundo a posição do STJ, a consequência seria a mesma. Com a devida vênia, trata-se de equívoco interpretativo.
Acreditamos que desde a época da edição da mencionada súmula, a aplicação do instituto de direito civil da confusão já não encaixava direito nessa situação sui generis havida entre Defensoria e Estado/União, eis que a Defensoria Pública já possuía independência funcional em relação ao Estado/União (art. 3º da LC n. 80/94) e a referida lei estabelece para as verbas sucumbenciais um destino específico: o fundo de aparelhamento da Defensoria Pública, cuja função é custear aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores.
Com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004, a Defensoria Estadual adquiriu autonomia administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária (dentro dos limites da lei de diretrizes orçamentárias). À época, o Governo Federal conseguiu impedir que essa autonomia fosse conferida também a Defensoria Pública da União, gerando uma situação no mínimo esdrúxula - distinção incompreensível e injustificável entre duas instituições iguais, uma mesma instituição, na verdade - situação essa que só foi corrigida após muita luta no Congresso Nacional em 2013, com a promulgação da Emenda Constitucional n. 74, conferindo à Defensoria Pública da União a mesma autonomia já deferida à Defensoria Estadual.
A evolução seguiu até o ano passado, quando o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional n. 80, fortalecendo a instituição quanto a várias prerrogativas e conferindo-lhe a legitimidade para iniciar projetos de lei a respeito de criação e extinção de seus cargos, estruturação das unidades e fixação do subsídio de seus membros e remuneração de seus demais servidores. Como facilmente se percebe, a autonomia da Defensoria Pública em relação a entidade de direito público estatal/federal aumentou sensivelmente.
Assim, entendemos que a súmula n. 421 do STJ - a qual sequer deveria ter nascido, pois contraria texto expresso de lei - atualmente deve ser superada não só o em face do que já dispunha a lei, mas também com base no novo regime constitucional aplicável à Defensoria Pública.
Infelizmente o STJ permanece aplicando essa súmula mesmo após a vigência da Emenda Constitucional n. 80, repetindo cegamente tal súmula como mantra, sem maior reflexão quanto a mudança de regime jurídico e sem enfrentar abertamente a tese de overruling quanto a essa jurisprudência. Mas, na segunda instância, aos poucos, alguns julgadores vão começando a refletir sobre o tema e enfrentá-lo com honestidade intelectual.
Abaixo segue o voto do Desembargador Federal do TRF da 4ª Região Rogério Favreto que, apesar de vencido (pois os demais desembargadores limitaram-se a seguir o mantra do STJ), merece integral citação.
Julgado em 12/11/2014
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5029829-46.2011.404.7100/RS (287P)
RELATOR: Juiz Federal ROGER RAUPP RIOS
Des. Federal ROGERIO FAVRETO (PRESIDENTE):
Também estou de acordo com o eminente Relator, vou deixar de fazer considerações, um voto bem analisado, e agora secundado e também com esclarecimentos complementares do Des. Ricardo, justamente essa questão, dentro da restrição aqui que acabou ficando pela litispendência da outra ação. Comentava a proposta desse projeto da Lei da Ação Civil Pública, que justamente resolve questões de legitimidade, de litispendência, de execução, de coisa julgada. Inclusive, há uma inovação nesse projeto que se chama cadastro nacional das ações civis públicas, e não aconteceria o que está havendo, porque haveria um cadastro prévio dos inquéritos pelo Ministério Público, em que teria que consultar isso, e aqui no caso evitaria. É claro que a parte tem que ficar apontando. Feitas essas considerações, me limito, dentro dessa restrição, muito bem assinalada pelo Relator, e estou acompanhando.
Apenas faço um parcial provimento distinto na questão dos honorários. Tenho o entendimento de que é cabível os honorários em favor da defensoria pública, face a sua autonomia, especialmente pelas recentes alterações constitucionais, que conferiram o status. Agora inclusive a Emenda Constitucional nº 80, que exige a criação de unidades da defensoria em qualquer unidade da federação, mas ela incorpora no art. 134 da Constituição Federal um status para a entidade da defensoria pública como uma instituição essencial à função jurisdicional, função que não estava tão expressa dessa forma. E, no seu parágrafo 4º desse dispositivo, incorporou, dentro dos seus princípios institucionais da defensoria, independência funcional, o que, a meu ver, afasta o argumento excludente do não cabimento de honorários por pertencer ao mesmo órgão. A Lei Complementar nº 132, que alterou a Lei Complementar nº 80, também inovou ao dar os contornos conceituais da defensoria pública, e dentre as suas competências, no art. 44 da atual Lei nº 132/2010 - tive a honra de participar desse projeto também, e que é um marco para a defensoria pública -, no inc. XXI desse artigo diz que lhe compete executar e receber verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive devida por quaisquer entes públicos destinados a fundos geridos pela defensoria pública, destinados exclusivamente ao aparelhamento da defensoria e à capacitação profissional de seus membros.
Então, com essa inovação constitucional, essa inovação legislativa, e na esteira de um julgado que já proferi e foi acolhido por maioria, obviamente os entendimentos são restritivos, na Apelação Cívil nº 5054967.78.2012.4047100, julgado em 10 de junho deste ano, estou por ampliar a extensão do provimento judicial no plano dos honorários sucumbenciais a serem devidos pela a serem devidos pela Autarquia Previdenciária em favor da defensoria pública.
Anoto, por fim, nesse plano que, além de superada a distinção e autonomia da defensoria em relação aos demais órgãos ou instituição da administração direta ou indireta da União por esse arcabouço constitucional e infraconstitucional, mais do que justo e adequado o pagamento para aquele que teve o encargo de buscar a correção e a adequação do agir administrativo no plano judicial. Mesmo que pareça mero deslocamento de recurso orçamentário da unidade previdenciária da União, no caso o INSS, para a defensoria pública da União deve ser premiado como forma de remuneração premiada pelo seu labor na defesa da concretização dos direitos fundamentais, os quais serão destinados à qualificação da própria instituição, nos termos da lei.
Assim, acompanho o Relator e dou provimento em maior extensão quanto à condenação também da Autarquia em honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da causa.
Juntarei voto escrito.
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